As fortes chuvas que atingiram o Brasil em 2024, intensificadas pelas mudanças climáticas e pela ausência de medidas preventivas, resultaram na morte de 251 pessoas – a maioria no Rio Grande do Sul. Esse número fez do ano o quarto mais mortal desde 1991. Além das vítimas fatais, quase um milhão de brasileiros ficaram desabrigados ou desalojados, marca que só perde para a registrada em 2009.
Os dados, provenientes do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD) e analisados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), foram comparados pela Deutsche Welle com as estatísticas do Atlas Digital de Desastres no Brasil, que reúne informações desde 1991.
As estatísticas referem-se a desastres geo-hidrológicos causados pelas chuvas, como inundações, enxurradas, alagamentos e deslizamentos, sem contabilizar impactos de outros eventos climáticos extremos, como secas e incêndios.
O ano de 2024 ficou marcado como o mais quente da história, resultado do aquecimento global impulsionado pelas atividades humanas. Esse cenário levou a uma multiplicação de eventos extremos, como secas severas, ondas de calor e chuvas intensas.
O relatório When Risks Become Reality: Extreme Weather in 2024, do World Weather Attribution (WWA), enfatiza a necessidade urgente de medidas de mitigação e adaptação. Enquanto a mitigação busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a adaptação envolve estratégias para minimizar os impactos das mudanças climáticas.
Os temporais que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 foram responsáveis por 183 das 251 mortes registradas no país – cerca de 70% do total. O Rio de Janeiro e o Espírito Santo aparecem em seguida, com 23 e 21 mortes, respectivamente.
Além disso, aproximadamente 770 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas no estado, o que representa 80% do total nacional.
Embora o fenômeno El Niño tenha influenciado as chuvas no Sul, especialistas destacam que o desastre foi agravado pelas mudanças climáticas e pela falta de infraestrutura para lidar com eventos extremos. O WWA apontou que as mudanças climáticas dobraram a probabilidade de ocorrência de tragédias como essa.
"A chance de um evento desse porte ocorrer era de uma vez a cada 150 anos. Com as mudanças climáticas, essa possibilidade duplicou. Se a temperatura global subir dois graus em relação aos níveis pré-industriais, desastres assim poderão acontecer a cada 20 ou 30 anos", explicou Regina Rodrigues, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma das autoras do estudo.
A falta de preparo para enfrentar volumes extremos de chuva também agravou os impactos. Segundo Rafael F. Luiz, especialista em desastres naturais do Cemaden, a resposta limitada contribuiu para a magnitude da tragédia.
Os desastres naturais não apenas resultam em mortes e deslocamentos, mas também geram prejuízos bilionários. Em 2024, os danos econômicos chegaram a R$ 9,2 bilhões. De acordo com Luiz, esses recursos poderiam ser melhor utilizados em ações preventivas, como obras de estabilização de encostas, canalização de córregos, limpeza de rios e aprimoramento dos sistemas de drenagem.
Outro fator crucial é o fortalecimento da Defesa Civil. "É fundamental ter planos de contingência, mapear áreas de risco e garantir abrigos para emergências. O planejamento urbano e habitacional também precisa ser prioridade", enfatiza o especialista.
Soluções baseadas na natureza são alternativas eficientes e de menor custo, segundo Regina Rodrigues. Medidas como a preservação de manguezais, a manutenção de matas ciliares e a implementação de cidades-esponja ajudam a minimizar os impactos das chuvas e reduzir enchentes.
O Cemaden registrou um recorde de 2.620 alertas de desastre em 2024. Embora ainda não seja possível prever se essa tendência continuará em alta, os primeiros meses de 2025 já indicam um cenário preocupante. Minas Gerais, por exemplo, teve apenas duas mortes em 2024, mas registrou 26 óbitos apenas em janeiro de 2025. Estados como São Paulo e Santa Catarina também sofreram com fortes chuvas e enchentes.
O relatório do WWA destaca quatro medidas essenciais para lidar com eventos climáticos extremos:
Embora a ciência aponte com clareza a necessidade de ação imediata, a resposta política tem sido lenta. Para Rodrigues, a falta de interesse em soluções naturais reflete essa inércia. "Políticos preferem grandes obras visíveis, mesmo que essas soluções não sejam as mais eficazes. Trabalhar com a natureza muitas vezes é mais eficiente e barato, mas não gera o mesmo impacto visual", conclui.