Ayghad nunca imaginou que o sonho de voltar à sua fazenda se tornaria um pesadelo. Com lágrimas contidas, ele segura uma foto de seu falecido pai, que aparece sorrindo entre as oliveiras da propriedade da família, localizada na província de Idlib, no noroeste da Síria. A imagem foi tirada há cinco anos, pouco antes das forças aliadas ao antigo governo sírio tomarem a aldeia onde viviam. A cidade de Saraqeb, próxima dali, era um ponto estratégico das facções oposicionistas até que, no final de 2019, as tropas leais a Bashar al-Assad lançaram uma ofensiva para retomar o controle da região.
"Precisamos sair devido aos combates e ataques aéreos", relembra Ayghad, com os olhos marejados. "Meu pai se recusava a abandonar nossa terra. Ele queria morrer nela." Durante anos, pai e filho alimentaram a esperança de retornar. Em novembro de 2024, quando as forças de oposição retomaram a aldeia, parecia que esse sonho finalmente se tornaria realidade. No entanto, uma tragédia os atingiu.
Ao sair para colher azeitonas, eles decidiram ir em carros separados. No caminho de volta para Idlib, o pai de Ayghad escolheu uma rota diferente. Apesar dos avisos do filho, ele insistiu e seguiu adiante. O carro atingiu uma mina terrestre e explodiu. Ele morreu instantaneamente. Ayghad não apenas perdeu o pai naquele dia, mas também sua principal fonte de sustento. Sua fazenda de 100 mil metros quadrados, coberta por oliveiras há mais de 50 anos, agora se tornou um campo minado perigoso e inacessível.
Segundo a organização internacional Halo Trust, especializada na remoção de minas terrestres e explosivos, desde a queda do regime de Assad, em dezembro, pelo menos 144 pessoas – incluindo 27 crianças – morreram vítimas desses artefatos. A Defesa Civil da Síria, conhecida como Capacetes Brancos, informou que muitas vítimas eram agricultores e donos de terras que tentavam retornar às suas propriedades.
O perigo dos explosivos não detonados na Síria se divide em duas categorias. A primeira são as munições não detonadas (UXOs, na sigla em inglês), como bombas de fragmentação, morteiros e granadas, que muitas vezes ficam visíveis na superfície. Já a segunda, as minas terrestres, representam um risco ainda maior. Segundo Hassan Talfah, chefe da equipe dos Capacetes Brancos responsável pela remoção de UXOs no noroeste da Síria, as minas foram plantadas em grande escala pelo governo anterior, especialmente em terras agrícolas.
A maior parte das mortes desde a queda de Assad ocorreu em antigas frentes de batalha, com vítimas predominantemente masculinas. Em uma operação recente, Talfah conduziu uma equipe até dois grandes campos repletos de minas. O trajeto até o local só pode ser feito por uma estrada estreita e sinuosa, considerada a única rota segura. No caminho, crianças brincam próximas às áreas contaminadas, um risco iminente para aqueles que retornam.
Os campos, que antes eram repletos de vida e produção agrícola, agora estão áridos e perigosos. Com binóculos, é possível ver as minas terrestres emergindo do solo. Sem experiência na remoção dessas armadilhas letais, os Capacetes Brancos apenas conseguem cercar os campos, instalar placas de alerta e pintar mensagens de aviso nos muros das casas. As campanhas de conscientização também tentam evitar novas tragédias.
Enquanto isso, muitos agricultores retornam e se deparam com um cenário irreconhecível. Mohammed, um deles, conta que sua família possuía terras na região, mas que agora não podem plantar nada. "Antes cultivávamos trigo, cevada, cominho e algodão. Hoje, tudo o que temos é um campo de morte", lamenta ele. A impossibilidade de utilizar suas terras afeta diretamente a economia das famílias, que dependiam da agricultura para sobreviver.
A remoção dessas minas é um desafio gigantesco. Os Capacetes Brancos já identificaram e isolaram 117 campos minados em apenas um mês. No entanto, há pouca coordenação entre as diversas organizações que atuam na limpeza do território. O Halo Trust estima que cerca de um milhão de explosivos ainda precisem ser removidos para garantir a segurança dos civis na Síria.
De acordo com Damian O’Brien, gerente do programa Halo Síria, a presença desses dispositivos está espalhada por quase todas as antigas posições do exército sírio, usadas como estratégia de defesa. Cidades como Homs e Hama estão repletas de edifícios destruídos e podem esconder munições não detonadas entre os escombros, colocando em risco qualquer tentativa de reconstrução.
Uma descoberta recente pode ajudar a acelerar o processo de desminagem. Os Capacetes Brancos encontraram mapas e documentos deixados para trás pelas forças de Assad, detalhando a localização e os tipos de minas espalhadas pelo país. "Esses documentos serão entregues às organizações responsáveis pela remoção das minas", explica Talfah.
Apesar desses avanços, especialistas alertam que o conhecimento técnico na Síria ainda é insuficiente para lidar com a ameaça em larga escala. O’Brien destaca a necessidade de maior financiamento internacional para treinar mais profissionais, adquirir equipamentos especializados e expandir as operações de remoção.
Para Talfah, essa missão é pessoal. Ele próprio perdeu uma perna ao pisar em uma bomba de fragmentação há dez anos. Seu trauma e as cenas dolorosas que testemunhou ao longo dos anos só reforçam sua determinação em eliminar esses perigos. "Não quero que ninguém passe pelo que eu passei", diz ele. "Cada mina removida é uma vida salva."
Entretanto, enquanto o trabalho de remoção das minas terrestres não é concluído, os sírios que tentam recomeçar suas vidas continuam sob risco constante. As crianças, que deveriam estar brincando livremente nos campos, hoje precisam se preocupar com um inimigo invisível que se esconde sob o solo.