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27/01/2025 21:00:00

Brasileiros enfrentam abusos trabalhistas na indústria da carne na Irlanda

Brasileiros enfrentam abusos trabalhistas na indústria da carne na Irlanda

Nos últimos anos, um número crescente de brasileiros tem migrado para a Irlanda em busca de melhores condições de vida, atraídos por oportunidades de trabalho na indústria da carne, um setor que enfrenta escassez de mão de obra local. No entanto, relatos de abusos trabalhistas têm acompanhado esse movimento, revelando uma realidade difícil para muitos desses trabalhadores.

Telegramas da Embaixada do Brasil em Dublin, obtidos pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que brasileiros empregados em frigoríficos irlandeses lidam com condições de trabalho precárias, insalubres e, muitas vezes, abusivas. Eles relatam jornadas prolongadas, múltiplas funções sem treinamento e salários inferiores ao mínimo legal. O medo de perder o visto de trabalho ou serem deportados faz com que muitos permaneçam calados diante das violações.

Acidentes e negligência

Casos como o de Guilherme dos Santos, que sofreu um acidente em 2021 e teve um dedo amputado, ilustram os riscos do setor. Sem treinamento adequado para operar a arma utilizada no abate de animais, ele sofreu lesões graves que comprometeram sua mobilidade. Apesar de inicialmente receber apoio da empresa, Guilherme decidiu processá-la. Hoje, ele continua no frigorífico, mas em outra função, e pretende mudar de área.

Outros trabalhadores relatam condições inseguras e cargas excessivas. Lucas dos Anjos, que chegou à Irlanda em 2020, relata que enfrentou jornadas de mais de 12 horas em condições degradantes. Após organizar um grupo para reivindicar melhorias, foi demitido, mas conseguiu uma indenização em 2024.

Vulnerabilidade e exploração

Os brasileiros são vistos como "favoritos" para essas vagas devido à sua experiência prévia no Brasil e à disposição para realizar trabalhos considerados pesados. Além disso, muitos aceitam condições desfavoráveis por temerem perder o emprego e o visto. Os relatos também apontam que, em alguns casos, os trabalhadores recebem menos do que colegas europeus, mesmo desempenhando as mesmas funções.

A falta de domínio do inglês e o isolamento nas áreas rurais onde os frigoríficos estão localizados agravam a situação, dificultando a organização coletiva e o acesso a direitos.

Falta de fiscalização e respostas

Documentos revelam que o governo irlandês tem demonstrado pouco interesse em monitorar sistematicamente o setor. A Comissão de Relações de Trabalho (WRC) identificou irregularidades em cinco das seis empresas fiscalizadas em 2023, mas enfrenta limitações devido ao número reduzido de inspetores.

Enquanto isso, organizações como a Meat Industry Ireland (MII), que representa frigoríficos, afirmam que todos os funcionários são tratados de forma justa e que o setor segue as regulamentações. A embaixada brasileira, por sua vez, acompanha casos individuais e tem pressionado autoridades irlandesas por melhorias.

Ascensão social com sacrifícios

Apesar dos desafios, muitos brasileiros enxergam o trabalho na Irlanda como uma forma de ascender socialmente. Embora as condições de trabalho sejam duras, os salários são mais altos que no Brasil, permitindo que alguns consigam alcançar objetivos financeiros, como comprar uma casa ou economizar para o futuro.

Pesquisadores destacam, no entanto, que o trabalho em frigoríficos é exaustivo e pode causar problemas físicos graves em poucos anos. Muitos trabalhadores relatam dores constantes, lesões por esforço repetitivo e a falta de suporte médico adequado.

Organização e luta por direitos

Iniciativas como as lideradas por Maurício Lino, que está na Irlanda desde 2003, mostram a importância da organização dos trabalhadores. Após sofrer problemas de saúde devido às condições de trabalho, ele passou a atuar como representante de brasileiros em frigoríficos, ajudando a encaminhar denúncias e orientando colegas sobre seus direitos.

Estudos também mostram que a terceirização tem sido usada como forma de reduzir custos e dificultar o acesso a direitos trabalhistas. No entanto, mudanças recentes na legislação irlandesa, como a redução do tempo de vínculo obrigatório com a empresa que contratou o trabalhador, trazem esperança de maior flexibilidade e menos exploração.

A luta por melhores condições continua, mas os desafios enfrentados por brasileiros na indústria da carne irlandesa evidenciam os custos sociais e pessoais de buscar melhores oportunidades fora do país.



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