No ano de 2024, o Brasil contabilizou 105 assassinatos de pessoas trans, permanecendo, pelo 17º ano consecutivo, como o país que mais comete esses crimes no mundo. Apesar de o número representar uma redução de 14 casos em comparação a 2023, os dados, apresentados no Dossiê: Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil em 2024 pela Rede Trans Brasil, evidenciam a contínua vulnerabilidade dessa população.
O levantamento, que será oficialmente divulgado em 29 de janeiro, reúne informações obtidas por meio de redes sociais, internet e veículos de comunicação, abrangendo episódios registrados ao longo do ano. Segundo o relatório, a maior parte dos assassinatos ocorreu na Região Nordeste, responsável por 38% dos casos, seguida pelo Sudeste (33%), Centro-Oeste (12,6%), Norte (9,7%) e Sul (4,9%).
Entre os estados, São Paulo liderou com 17 assassinatos, seguido por Minas Gerais (10) e Ceará (9). A maioria das vítimas eram mulheres trans ou travestis (93,3%), e a faixa etária predominante foi de 26 a 35 anos. Além disso, 36,5% eram pessoas pardas, e 26%, pretas, sendo que muitas trabalhavam como profissionais do sexo.
Violência persistente e perfil das vítimas
O dossiê destaca a violência estrutural enfrentada pela população trans no Brasil. Em 66% dos casos, as investigações ainda estavam em andamento, e apenas 34% tiveram um suspeito preso. Muitos crimes foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros, clientes ou relacionados a dívidas e organizações criminosas. A maioria das mortes ocorreu por armas de fogo ou facadas, em vias públicas ou nas residências das vítimas.
A secretária adjunta de Comunicação da Rede Trans Brasil, Isabella Santorinne, ressaltou a necessidade de políticas públicas voltadas à proteção dessa população. “Faltam iniciativas eficazes para enfrentar o cenário de exclusão e violência. Educação inclusiva, empregabilidade, acesso à saúde e segurança, além de uma investigação rigorosa de crimes transfóbicos, são medidas urgentes para garantir a dignidade e sobrevivência das pessoas trans no Brasil”, afirmou.
Contexto global e contradições no Brasil
Em nível global, foram registrados 350 assassinatos de pessoas trans em 2024, sendo 255 na América Latina e Caribe. O Brasil liderou com 106 mortes, seguido por México (71) e Colômbia (25). A alta taxa de violência contrasta com o consumo de pornografia trans no país, como ressaltado por Santorinne: “O Brasil é o país que mais consome pornografia trans, mas também o que mais nos mata. Isso demonstra um ciclo contraditório de desejo e ódio em relação aos nossos corpos.”
Avanços e desafios
O relatório também analisou o respeito ao nome social das vítimas nos registros midiáticos, com 93,3% dos casos sendo tratados de forma correta, enquanto 6,7% ainda utilizaram o "nome morto". Santorinne destacou que, embora haja sinais de progresso em debates públicos e maior visibilidade, a violência contra pessoas trans ainda é alarmante e exige ações mais contundentes.
O dossiê, além de dar visibilidade à gravidade do problema, busca subsidiar a formulação de políticas públicas que promovam a proteção e inclusão dessa população.