O dólar alcançou nesta semana o maior valor nominal em relação ao real desde sua criação, beirando os R$ 6,30. Essa valorização repentina, desconsiderando a inflação, pode frear o crescimento econômico do Brasil e pressionar a inflação, segundo especialistas. A busca por "preço do dólar" cresceu 300% nos últimos 30 dias, conforme o Google Trends, evidenciando a preocupação da população com os reflexos dessa alta.
Embora o país deva crescer 3,5% em 2024, conforme o Banco Central (BC), e a taxa de desemprego esteja em 6,2%, o menor nível já registrado, a escalada da moeda americana representa um risco para o equilíbrio econômico.
A valorização do dólar está ligada a fatores externos e internos. Internacionalmente, a perspectiva de inflação mais alta nos Estados Unidos, associada à eleição de Donald Trump e possíveis políticas protecionistas, impulsiona a expectativa de manutenção ou aumento da taxa de juros pelo Federal Reserve. Isso atrai investimentos para os títulos americanos, considerados mais seguros, e causa o chamado "voo para a qualidade", com a retirada de capitais de economias emergentes como o Brasil.
Internamente, a desconfiança sobre a gestão fiscal brasileira agrava a situação. O déficit primário acumulado em R$ 105 bilhões em 2024 e a dificuldade do governo Lula em implementar cortes significativos nos gastos públicos alimentam a incerteza no mercado. A proposta de redução de R$ 70 bilhões nos gastos não foi bem recebida pelos investidores, que continuam apostando no dólar como proteção.
A disparada do dólar afeta diretamente a inflação e o crescimento econômico. Produtos dolarizados, como combustíveis, eletrônicos e alimentos (como o trigo utilizado na produção do pão francês), têm seus preços pressionados para cima. Essa alta impacta toda a cadeia produtiva e pode desencadear uma "espiral inflacionária", segundo a professora de finanças Virginia Prestes, da FAAP.
Além disso, o aumento do dólar pode levar o Banco Central a elevar ainda mais a taxa Selic, atualmente em 12,25% ao ano, podendo chegar a 14% em 2025. A alta dos juros, usada para conter a inflação, reduz o consumo e dificulta o crescimento econômico.
"O problema não é o dólar em si, pois o Brasil possui reservas e saldo comercial positivo. O problema está no desequilíbrio fiscal e na dependência de juros altos para apaziguar o mercado, o que agrava a relação dívida/PIB e reduz a arrecadação com a desaceleração do PIB", alerta o economista André Perfeito.
Especialistas divergem sobre o futuro do câmbio. Embora não haja consenso de que o dólar atinja R$ 7, como apontado no Boletim Focus do BC, a pressão cambial continuará caso os fundamentos econômicos não sejam ajustados. Medidas paliativas, como leilões de dólares pelo BC, não são suficientes para conter o avanço da moeda americana.
A situação exige equilíbrio entre medidas fiscais e monetárias. A esperança, segundo Perfeito, está no crescimento da demanda e na alta da massa salarial para sustentar a economia diante da curva ascendente de juros. No entanto, sem ajustes estruturais, o Brasil pode enfrentar dificuldades ainda maiores no cenário macroeconômico.