Um estudo recente revelou que, ao longo de duas décadas, a aprovação de novos medicamentos na Inglaterra teve um custo significativo para a saúde de outros pacientes devido à redistribuição de recursos financeiros no sistema público de saúde. Segundo a análise, publicada na revista médica Lancet, o dinheiro gasto com medicamentos inovadores poderia ter gerado mais benefícios se fosse destinado a outros serviços de saúde.
Quando o National Institute for Care and Excellence (NICE) recomenda um medicamento, o Serviço Nacional de Saúde (NHS) é obrigado a custeá-lo, desde que prescrito. Contudo, com um orçamento limitado, essa priorização afeta outros serviços médicos, que deixam de receber financiamento.
Os pesquisadores calcularam que o NHS gastou 75,1 bilhões de libras (90,2 bilhões de euros) em novos medicamentos entre 2000 e 2020, o que proporcionou cerca de 3,75 milhões de anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs) para 19,8 milhões de pacientes. No entanto, se o mesmo valor fosse aplicado em outros serviços de saúde, poderia ter gerado 5 milhões de QALYs, resultando em uma perda líquida de 1,25 milhões de anos de vida saudável.
Um exemplo citado foi o medicamento trastuzumab, para pacientes com câncer gástrico avançado. Estima-se que 43.200 libras (51.900 euros) sejam necessárias para garantir um ano de vida saudável com esse medicamento, enquanto o mesmo montante aplicado em outras áreas poderia gerar maior benefício geral.
O NICE afirma que recomenda apenas tratamentos que oferecem "boa relação custo-benefício". No entanto, reconhece que cada libra destinada a novos medicamentos representa um custo para outros serviços. O problema é ainda mais complexo porque as aprovações priorizam pacientes em condições graves, como câncer, enquanto tratamentos para problemas vasculares mais comuns, como AVC, recebem menos atenção.
Além disso, apenas 19% dos medicamentos avaliados pelo NICE tinham alternativas genéricas ou biossimilares, que são mais acessíveis.
Especialistas sugerem que políticas públicas devem incentivar o desenvolvimento de medicamentos para doenças mais comuns, como doenças cardiovasculares, que afetam uma parcela maior da população. Há também a recomendação de se avaliar com mais rigor os benefícios de longo prazo dos medicamentos, considerando o impacto na qualidade de vida e na mortalidade.
Com o crescente debate sobre medicamentos caros, como os tratamentos anti-obesidade, que podem ser utilizados durante toda a vida, cresce a preocupação com o impacto orçamentário. Os autores do estudo defendem maior transparência no processo decisório do NICE e uma revisão nas métricas de custo-efetividade, com possibilidade de pressionar por preços mais baixos junto à indústria farmacêutica.
Embora tais mudanças enfrentem resistência, elas podem trazer uma visão mais equilibrada sobre os benefícios dos novos medicamentos, considerando os custos de oportunidade para a sociedade como um todo.