Após o cumprimento de uma decisão judicial que concedeu reintegração de posse de uma ampla área em Messias à Usina Utinga Leão, o desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), Tutmés Airan, esteve no local para tentar mediar uma solução para as famílias despejadas no dia 22 de outubro.
“Eu fui lá dar uma prestação de solidariedade, perceber o tamanho do estrago na vida delas. Realmente constatei um estrago enorme, pessoas perderam tudo”. O jurista avalia que apesar de estar completamente dentro dos parâmetros legais, a decisão não trouxe justiça. “Muita injustiça, porque na prática foi uma desapropriação foi uma reintegração de posse que fez com que o rico ficasse mais rico e o pobre miserável, transformou o pobre em miserável. Então não é razoável isso. Quem tem já tem muita propriedade ficou com mais propriedade ainda. Quem não tinha nada ficou com nada”.
Airan é coordenador de Direitos Humanos e do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJ/AL, e nessa condição busca alguma saída. “Ainda há uma esperança, mas não é uma esperança do ponto de vista jurídico, é uma esperança do ponto de vista político, porque o Estado ou a União ou até o Município podem, através de um processo de desapropriação, desapropriar uma área para alojar esse pessoal”.
O desembargador explica que juridicamente, já está encerrado. “Na verdade, é uma área de ocupação bastante antiga, que depois de todas as idas e vindas, do ponto de vista da disputa judicial, a reintegração de posse foi determinada de modo irreversível, que é quando, tecnicamente, a decisão de integração transita em julgado. Então foi cumprida a decisão de integração, e aí eu fui logo visitar as famílias para perceber enfim a consequência disso na vida delas”.
Buscando sensibilizar gestores, principalmente do poder executivo, o desembargador detalha a realidade. “Tentei chamar atenção para a situação. Esse povo vai viver de quê? Comer onde? Tem que se preocupar com esses destinos humanos. É o velho dilema entre decisão judicial e a justiça, entre a lei e a justiça. Nesse caso a ação judicial foi tecnicamente sustentável, mas produziu efeitos injustos, claramente injustos”.
Ele reforça o seu objetivo, que é “minimizar os efeitos dessa decisão na vida das pessoas, do impacto disso, e alertar o meu próprio poder para que se sensibilizem, percebam que é muito grave decidir assim. É muita gente, um desespero. O cara perder tudo, não tinha nada as casas viraram escombros. Minha ideia é produzir essa inquietação, que o poder executivo, seja em que esfera for. Por enquanto é só uma provocação, eu não conversei.
As pessoas estavam lá há mais de dez anos, agora estão morando em uma escola municipal, “só Deus sabe como”, lamenta Tutmés. A visita contradiz as informações registradas no processo judicial, relatadas pela Usina, de que a maioria dos despejados se trata de pessoas ricas que construíram chácaras na área. A visita, segundo ele, foi mal interpretada por um parlamentar.
“A minha ideia era conversar com o prefeito sim, inclusive deixei meu contato com o pessoal dele. Recebi até o vídeo de uma reunião que ele fez lá com a presença do deputado Antônio Albuquerque, eu acho que eles entenderam mal a minha ação, achou que eu fui para lá para fazer política, eu não fui para fazer política partidária. Ele sabe que eu não agiria assim, eu apenas tomei partido dos pobres, isso aí eu tomo partido mesmo declaradamente. Vou esperar que os desdobramentos conduzam uma solução que no final com uma intervenção do Estado, da União, ou até do município, as coisas ganhem outro rumo”.
O desembargador Tutmés Airan realizou visitas in loco, nos povoados de Lajêdo e Esperança, encontrando destroços das casas destruídas, enquanto conversava com os ex-moradores.
No processo judicial, a usina dispensou 2 hectares de terra para pessoas que ela identificou como vulnerabilizadas. Entretanto, o grupo relata que se trata de uma área extremamente insuficiente para a quantidade de desabrigados.
Entre os imóveis destruídos, estão casas, capelas, igrejas e terreiros de umbanda. Em um deles, foi possível encontrar destroços da imagem de uma santa. Segundo os moradores, ninguém conseguiu se preparar previamente. A ação de despejo pegou todos de surpresa.
“Vivíamos aqui com a esperança de viver a vida inteira. Aí chega um mandado na porta, de repente, de uma hora para outra, dizendo ‘sai, sai’ e é despejado. E eu disse espera aí, minha gente, deixa eu tirar pelo menos os cacos que tenho dentro de casa’. E ele disse ‘você quer que a gente derrube a casa com você dentro?”, relatou um dos ex-moradores, Ezequiel Lima.
MOBILIZAÇÃO
Durante a visita, Tutmés Airan reiterou que, juridicamente, não há mais possibilidade de reverter a situação. Entretanto, é possível minimizar o sofrimento e encontrar uma solução para as famílias a partir da mobilização de entes públicos do Poder Executivo.
“Não é possível, em nome da propriedade, relegar pessoas à condição de miserabilidade dessa forma. No entanto, juridicamente não há mais o que ser feito”, afirmou o desembargador.
“A luta agora é política, na busca de pessoas e autoridades do Poder Executivo que compreendam a gravidade dessa situação e encontrem uma alternativa para essas famílias, para que voltem a vislumbrar um futuro em um local de moradia e que possam plantar. Não vejo outra alternativa, nesse caso, que não seja, a desapropriação”, concluiu.