A campanha militar de Israel contra o Hezbollah, grupo libanês apoiado pelo Irã, voltou-se para um novo alvo esta semana: a infraestrutura financeira da milícia.
No domingo (20/10), Israel bombardeou Beirute e outras partes do Líbano que, segundo Tel Aviv, seriam filiais da Associação Al-Qard Al-Hasan (AQAH), banco ligado ao Hezbollah.
No dia seguinte, em uma mensagem em vídeo divulgada na internet, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), Daniel Hagari, fez uma série de alegações sobre o financiamento do Hezbollah e o motivo dos ataques.
Ele acusou o Hezbollah de ter explorado a "profunda crise financeira" do Líbano nos últimos anos em benefício próprio e disse que a rede financeira do grupo é alimentada por duas fontes principais: o Irã e o próprio povo libanês.
Sem apresentar provas, Hagari também alegou que o Hezbollah armazena "centenas de milhões de dólares" em um bunker debaixo de um hospital no centro de Beirute.
Ex-conselheiro sênior da Casa Branca quando o assunto é lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, David Asher participou de campanhas anteriores do governo americano contra o financiamento do Hezbollah. Em conversa com a DW, ele descreve a AQAH como "não um banco no sentido convencional", mas "uma associação de poupança e empréstimo".
A entidade tem um papel fundamental no Líbano para o Hezbollah, segundo Jonathan Lord, diretor do Programa de Segurança do Oriente Médio no think tank Center for a New American Security.
"Eles fornecem serviços financeiros", explica Lord à DW. "Tem sido uma vantagem competitiva estratégica para o Hezbollah no Líbano, porque o setor bancário tradicional, particularmente nos últimos anos, tornou-se muito complicado e desafiador devido à corrupção do Líbano e aos amplos problemas bancários e econômicos."
O AQAH foi criado em 1983 e estima-se que tenha cerca de 30 ramificações. O banco é popular em áreas onde o apoio ao Hezbollah é tradicionalmente mais forte, mas cresceu desde o colapso parcial do sistema bancário libanês tradicional, na esteira da crise financeira que arrasou o país em 2019.
A instituição não é regulada pelo Banco Central libanês, nem é parte do sistema bancário internacional. Maior organização de microcrédito do país, atua com um registro de associação de caridade, fazendo empréstimos sem cobrança de juros, conforme preconiza o islã. Por ser considerado um braço econômico do Hezbollah, está sob sanções americanas desde 2007.
Segundo Hagari, do Exército israelense, as duas principais fontes de renda do grupo são o regime do Irãe, no caso do povo libanês, os serviços financeiros e sociais providos pelo banco Al-Qard Al-Hasan.
Mas o ex-conselheiro da Casa Branca David Asher afirma que o banco "é apenas uma parte da equação".
Ele explica que uma parte importante da função do AQAH para o Hezbollah é pagar os "membros da base" da milícia e oferecer vários tipos de serviços sociais e financeiros ao público. Mas destaca que o Hezbollah também usa o sistema bancário libanês convencional e que a riqueza do grupo está distribuída de várias formas.
Asher calcula que o orçamento do grupo gire em torno de 12 bilhões e 15 bilhões de dólares anuais (R$ 68 bilhões e R$ 85 bilhões).
Quanto à alegação de Israel de que grande parte da riqueza do Hezbollah vem do Irã, Jonathan Lord diz que isso é inegável, e que o Hezbollah existe literalmente como uma parte da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã.
"Se você observar a ordem de batalha do Irã, eles contam o Hezbollah como um componente de sua infraestrutura de defesa nacional", sublinha Lord, acrescentando que isso torna altamente crível a alegação de Israel de que o Irã financia diretamente o Líbano com dinheiro que envia à sua embaixada no país.
Segundo Asher, outra grande fonte de riqueza para o Hezbollah vem dos lucros de crimes, como tráfico de drogas e comércio ilegal de diamantes extraídos de áreas de conflito. Ele diz haver ampla evidência de que o Hezbollah arrecada dinheiro através de redes criminosas em todo o mundo e depois lava grande parte dele com negócios supostamente legítimos, muitas vezes na Europa.
Ele estima que o Irã forneça até metade das reservas do Hezbollah, com uma grande parte dos 50% restantes vindo dos lucros de atividades criminosas ao redor do mundo.
A situação econômica do Líbano tem sido rotineiramente descrita por especialistas como catastrófica desde 2019. As sanções contra o Irã levaram a uma grave crise de liquidez no Líbano naquele ano, agravada pela pandemia de covid-19 e pela explosão no porto de Beirute em 2020.
A moeda e o sistema bancário do país entraram em colapso, assim como grande parte dos seus serviços públicos. O PIB foi quase reduzido pela metade. Cerca de 1 milhão de pessoas foram deslocadas nas últimas semanas devido aos bombardeios, o que representa cerca de 20% da população total do país.
Lord afirma que o objetivo declarado de Israel de atacar a infraestrutura financeira do Hezbollah sugere uma mudança em relação às campanhas anteriores.
No entanto, alerta ele, embora as forças de Tel Aviv estejam causando prejuízo evidente ao grupo, há um risco real de que o conflito se arraste e vire uma espécie de "Vietnã" para Israel.
Asher diz crer que os ataques israelenses desta semana visando o AQAH e a estrutura financeira do Hezbollah tenham eliminado "cerca de 30% a 40% da liquidez disponível" do grupo.
Por outro lado, ele pondera que o Hezbollah ainda tem muita riqueza investida no sistema financeiro libanês convencional e diz que a abordagem atual de Israel provavelmente não afetará as fontes de receita que continuam a chegar do Irã "e de suas várias atividades criminosas ao redor do mundo".