Ela conta que, na turma dela, pelo menos quatro crianças, sendo duas autistas, eram frequentemente levadas ao “castigo”. “Criança pequena chora. Por diversos motivos. É um choro que passa em dois minutos. Quando eram levadas para a sala, cheguei a ouvir uma aluna minha gritando por cerca de meia hora.”

A própria professora descreveu a “sala das emoções”. “É inteiramente preta, com janelas vedadas, e luzes características de boate”. Nazaré afirma que, em agosto, a diretoria determinou que as educadoras registrassem caso alguma professora impedisse que as crianças fossem levadas à sala. Em alguns dias, Nazaré foi desligada, sob alegação de não entregar relatórios e negar-se a cumprir as ordens da coordenação, entre outras.

“Com a minha saída, alguns pais se mobilizaram para entender o motivo”, diz a professora. Foi então que a existência da sala veio à tona.

“Meu filho passou a ter medo do escuro”

Paula Holanda, 37 anos, e Yudi de Lima, 38, são pais de um menino de 4 anos. Não autista, ele foi matriculado na EC 3 no início do ano e ficou em uma turma mista.

Ao serem informados do desligamento da professora Nazaré, em 20 de agosto, Paula e Yudi foram até a escola e, segundo eles, a diretoria informou que a docente “não se adequava aos procedimentos” adotados na unidade de ensino. Nesse dia, a vice-diretora do local teria levado o casal para conhecer a “sala das emoções”.

“Eu não sabia da existência dessa sala. Tinha tatames pretos no chão e nas paredes, janelas travadas, um ventilador e uma luz tipo de boate. Dias depois descobri que meu filho já tinha sido levado para essa sala”, conta Paula.

A mãe diz que o próprio menino de apenas 4 anos contou a ela como os colegas eram levadas para o “castigo”. “Ele me falou que vários amigos também já tinham ido para a sala, tanto autistas quanto não autistas. Segundo ele, era para ‘parar de chorar’.”

Yudi corrobora a história e relata que o filho passou a ter medo do escuro. “Até então, não sabíamos o motivo da mudança de comportamento dele, mas, agora, tudo passou a fazer sentido.” O menino, que estava em uma escola pela primeira vez, também passou a ter pesadelos frequentes. “Ele já não vai mais para a escola e vamos pedir a transferência dele. Eu não confio mais para deixar ele ir a essa mesma escola”, completa Yudi.

Retrocesso no tratamento

Outra mãe, que não será identificada, contou em depoimento à PCDF que a filha autista teve um retrocesso no tratamento após ser matriculada na escola.

A mulher corroborou a descrição da “sala das emoções” e disse que conseguiu ver o ambiente um dia quando foi buscar a menina na unidade. Ela também nunca teria sido informada sobre a existência da sala ou qualquer tipo de procedimento para acalmar as crianças.

Uma outra mulher, responsável por um menino autista verbal, relatou às autoridades que também percebeu uma mudança no comportamento dele. A criança já havia estudado em uma creche anteriormente e, segundo a responsável, “nunca teve crises” enquanto estava na creche.

Entretanto, após ser transferido para a Escola Classe 3, a diretoria teria passado a questionar a dosagem da medicação do menino, além de reclamar frequentemente do comportamento dele. Em casa, o menino passou a ser “mais agressivo”. Ao saber da existência da sala, a mulher conversou com o menino. Ele confirmou que teria sido levado para a sala “diversas vezes”.

Os pais ainda acusam a direção da escola de “descaracterizar” a sala após as reclamações e o registro da ocorrência. Eles afirmam que a diretora e a vice abriram as janelas, tiraram metade do tatame e passaram a levar turmas inteiras para o local a fim de “ressignificar” o espaço.

O que dizem os envolvidos

Os pais registraram um boletim de ocorrência contra a escola na 4ª Delegacia de Polícia (Guará). Até o momento, o caso é tratado como constrangimento legal e crimes praticados contra a criança e o adolescente. O advogado da professora Nazaré, Alan Aor, afirma que chegou a informar a Regional de Ensino sobre a situação e, segundo ele, as responsáveis não pareciam ter conhecimento da existência da sala.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou que, nessa quinta-feira (29/8), chegou a ir até a escola, mas “não verificou nenhuma situação anormal.”

Procurada, a Secretaria de Educação do DF informou que a Coordenadora Regional de Ensino do Guará e a equipe gestora da Escola Classe 3 da Estrutural esclareceram que a “sala escura” seria, na verdade, uma sala multissensorial. “Esta instalação faz parte do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola e foi projetada especificamente para apoiar alunos, especialmente aqueles com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em momentos de desregulação emocional ou sensorial”, diz a secretaria, em nota.

“É importante destacar que a Lei de Gestão Democrática estabelece a autonomia das unidades escolares nos aspectos pedagógicos, administrativos e de gestão financeira. Nesse sentido, a Secretaria de Educação irá verificar se a implementação dessa estratégia está devidamente inserida no PPP da escola e se está em conformidade com os normativos legais vigentes”, completa o texto.

A Secretaria reforça que “qualquer conduta irregular praticada por servidores é rigorosamente apurada pela Corregedoria. No caso em questão, os fatos relatados já foram encaminhados para investigação pelo setor correicional”.
 

O Metrópoles consultou o PPP da Escola Classe 03 da Estrutural. O único documento disponível para consulta data de 2023 e não possui a especificação de uma “sala multissensorial”.