A Referência
Tornaram-se frequentes os casos de extremistas islâmicos identificados ou presos no território brasileiro. Diversos casos ocorreram somente nos últimos meses, com recrutadores do Estado Islâmico (EI) detidos em São Paulo e no Rio de Janeiro, um suposto membro do Hamas impedido de entrar no país e seguidores do Hezbollah acusados de preparar ataques contra a comunidade judaica. A situação levou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) a apresentar um requerimento de audiência pública para debater a segurança do país.
No documento, que foi protocolado em 1º de julho e ainda está no prazo para resposta por parte da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, o deputado afirma que “o território brasileiro está suscetível à infiltração de terroristas” e cita casos diversos que embasam seu argumento.
Um deles o de Muslim Imran Abu-Umar, que no dia 23 de junho foi deportado sob a suspeita de integrar o grupo palestino Hamas, que atualmente está em guerra com Israel após invadir o Estado judeu e matar cerca de 1,2 mil pessoas em outubro do ano passado.
“O palestino foi detido em Guarulhos, pois seu nome consta da Difusão Vermelha da Interpol. A PF comprovou seus vínculos com o Hamas e ele teve autorizada a deportação para Kuala Lampur, na Malásia”, diz o requerimento assinado por Bolsonaro.
Na oportunidade, Abu-Umar foi parado pela Polícia Federal (PF) após desembarcar no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, em um voo proveniente de Doha, no Catar, acompanhado da mulher grávida, de um filho e da sogra. Iniciou-se, então, uma batalha judicial de dois dias, até que a Justiça Federal autorizou a repatriação dele.
De acordo com a rede CNN, o indivíduo atua como porta-voz do Hamas, sendo um dos membros autorizados a falar em nome do grupo em inglês. A reportagem afirma, ainda, que o nome dele consta de uma relação divulgada pelo FBI, a polícia federal norte-americana, de terroristas internacionais designados.
No requerimento, o deputado destaca o episódio e diz que o indivíduo foi surpreendido pela resposta das autoridades brasileiras. “Ao ingressar no Brasil acompanhado da sogra, da esposa grávida e de um filho menor de idade, Abu-Umar acreditou que não teria problemas”, diz o texto. “No entanto, essa estratégia é uma velha conhecida dos serviços de segurança e inteligência.”
Houve ainda um episódio mais recente. Na semana passada, a PF executou mandados de prisão e de busca e apreensão emitidos pela Subseção Judiciária de Belo Horizonte para coletar evidências relacionadas ao financiamento de atos de terrorismo por brasileiros recrutados por células do Hezbollah e investigados na Operação Trapiche, que teve início em 8 de novembro de 2023.
A fragilidade da segurança brasileira contra o extremismo islâmico já havia sido apontada por especialistas em conversas anteriores com a reportagem de A Referência. Tal avaliação foi feita, por exemplo, por André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos e especialista em conflitos de baixa e média intensidade. O nome dele inclusive consta do requerimento como uma das autoridades indicadas para debater a questão na audiência pública solicitada por Bolsonaro.
Entrevistado por A Referência em fevereiro de 2022, Woloszyn alertou para o livre trânsito que extremistas parecem ter no país. “A legislação fraca possibilita o homizio de integrantes de grupos terroristas, o que não acontece na maioria dos países”, disse na oportunidade.
Outro que vê a situação como preocupante é Emanuele Ottolenghi, especialista do think tank Fundação para a Defesa das Democracias (FDD) focado nas redes de ameaças ilícitas do Hezbollah na América Latina e no histórico de evasão de sanções do Irã.
Em julho deste ano, ele contestou a forma como o Brasil lida com o Hezbollah, igualmente citado por Bolsonaro no documento. Ottolenghi destacou a importância de se classificar o grupo como terrorista, algo que já é feito por governos como os de EUA, Reino Unido e Austrália, e admitiu que é possível imaginar um cenário em que o país seja sancionado pela frágil resposta ao grupo.
“Acredito que as ações das autoridades brasileiras para coibir as atividades do Hezbollah no Brasil são insuficientes e inadequadas”, disse ele. “A falta de uma estrutura legal que reconheça o Hezbollah como uma organização terrorista dificulta a capacidade das agências de segurança pública e de inteligência de agir preventivamente.”
Diante da situação, o deputado afirma que a audiência pública se faz necessária para “discutir os riscos e ameaças representados pela infiltração de terroristas em nosso território, levando-se em consideração, também, o fato de estarem cada vez mais conectadas as organizações criminosas e os grupos terroristas”.
Além de Woloszyn, ele indica outros quatro nomes para o debate: Henri Kadima, brasileiro que serviu nas
Forças de Defesa de Israel; Eduardo de Oliveira Fernandes, diplomado pela Escola Superior de Guerra e pelo Departamento de Estado dos EUA; e Camilo Graziani Caetano de Paes Almeida, chefe da Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da PF.