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Desde o início da mobilização de presidiários na Ucrânia, em meados de maio de 2024, um em cada nove dos 27 mil detentos foi "liberado antecipadamente a fim de participar de forma direta da defesa do país", conforme o discurso oficial.
Porém "liberdade" não é o termo certo para a situação dos cerca de 3 mil homens: vigiados pela Guarda Nacional, eles são primeiro levados a um centro de recrutamento, onde assinam um contrato com as Forças Armadas. De lá, partem para os locais de treinamento onde deverão se tornar soldados.
Muitos já queriam ir para o front desde que começou a invasão em grande escala pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, e se dirigiram à direção de seu presídio, às autoridades competentes, a deputados e a ativistas dos direitos humanos. No entanto, o serviço militar era vedado aos condenados a penas de prisão ou condicionais.
Nos primeiros meses após o início da guerra, foi possível transferir das penitenciárias para as casernas algumas centenas cujos casos ainda não tinham sido levados a juízo. Mas, em seguida, a mobilização de detentos foi suspensa.
Serhiy Ionushas, presidente da Comissão Parlamentar de Execução Penal da Ucrânia, lembra que, na época, Yevgeny Prigozhin, fundador do famigerado Grupo Wagner da Rússia, havia começado a recrutar criminosos nos presídios russos. Por sua vez, o Ministério de Defesa em Moscou criou as Brigadas Storm Z, formadas principalmente por prisioneiros.
De início, houve críticas de caráter ético à perspectiva de o Exército ucraniano também empregar presidiários, prossegue Ionushas. No entanto, no fim de maio de 2024, no pátio de uma prisão na região de Kiev, ele proclamou uma emenda de lei permitindo a mobilização de detentos no país.
"No prazo de dois meses, recebemos 4.564 requerimentos de criminosos de todo o país. É mais do que o total que tínhamos planejado", relata a vice-ministra ucraniana da Justiça, Olena Vysotska. A avaliação dos pedidos dura cerca de uma semana. Presos portadores de ferimentos, do vírus HIV ou de tuberculose são excluídos pelos médicos dos presídios, e a decisão quanto à aptidão dos requerentes ao serviço militar depende do motivo de sua condenação.
Após debates acalorados, os parlamentares decidiram não aceitar nas Forças Armadas os condenados por crimes contra a segurança nacional, terrorismo, homicídio premeditado de duas ou mais vítimas, agressão de policiais ou militares, acidentes de trânsito fatais devido a embriaguez, violência sexual ou delitos de corrupção especialmente graves.
Quem não é logo desqualificado, recebe visita dos oficiais de pessoal das brigadas ucranianas. Falando à DW, um grupo deles acentua a diferença fundamental entre sua função e a mobilização nos presídios russos: a questão não é instigar os detentos para a guerra, mas, sim, encontrar voluntários que teriam optado por lutar no front por uma decisão consciente, especificam. Segundo os registros judiciários, até 18 de junho, a maioria de mais de 2.800 requerimentos havia sido deferida.
O primeiro de todos os casos causou sensação: condenado a três anos por evadir a mobilização, o pintor Oleksandr B., de 36 anos, de Kharkiv, havia apelado ao Supremo Tribunal. Após um mês de prisão em Pervomaisk, notória por suas condições especialmente duras, ele solicitou o alistamento no Exército. Em maio foi liberado e, segundo seu advogado, já está em treinamento.
O comandante de batalhão Dmytro Kukharchuk integra uma equipe de recrutamento, juntamente com um psicólogo militar, um cinegrafista e um soldado mais idoso. Num SUV branco, eles chegam a uma penitenciária com a missão de recrutar dezenas de detentos, a maioria dos quais não está cumprindo sua primeira sentença.
"Nós somos uma das poucas unidades que sabe como lidar com presidiários. Conhecemos a psique deles", afirma o militar de 34 anos, para quem o estado emocional e psíquico, a disposição ao combate, são mais importantes do que a carga dos crimes do passado: "Os homens que a gente encontra aqui nas prisões querem poder dizer aos filhos, um dia, que durante a guerra não estavam atrás de grades, mas sim defendendo o país."
Numa outra brigada, será criado nos próximos meses um batalhão com 600 a 800 ex-presidiários, talvez até tendo um deles como comandante. "A carência é extrema, e ainda vamos ter que esperar pelos homens que os centros de recrutamento mobilizaram. Assim, podemos fechar as lacunas já", explica o vice-comandante da brigada, que se apresenta como Volodislav.
Na qualidade de ex-advogado, ele não considera os recrutas como criminosos buscando escapar da pena: "Nós trabalhamos com gente motivada a cumprir o seu dever."
O comandante Kukharchuk vê antes com olhos críticos os planos de reunir ex-detentos num batalhão próprio: "Não vamos formar companhias penais, isso é inaceitável. Tivemos boas experiências combinando os recrutados como outros voluntários."
Oleh Tsvilyi, diretor da organização de direitos humanos Proteção para os Presos da Ucrânia, partilha dessa opinião. Há dois anos ele se engaja para os detentos poderem integrar o Exército, mas com a condição de serem distribuídos por diferentes divisões: "Presos numa instituição penal são como aranhas dentro de um frasco. Eles vão levar para essas unidades especiais os seus conflitos, sua hierarquia de subculturas e suas inimizades."
O ativista adverte que não se deve subestimar as subculturas criminosas das penitenciárias, pois há uma espécie de autogestão entre os presos que coexiste numa relação delicada com a administração oficial.
E há ainda resistência contra a mobilização partindo das diretorias presidiárias: "O financiamento delas depende do número de detentos. Além disso, muitos deles trabalham na produção local, que gera lucros consideráveis para as instituições."
Tsvilyi escutou também queixas de corrupção por parte de presos, de que os diretores exigiriam suborno para encaminhar os pedidos de soltura antecipada, de olho nos soldos elevados pagos a quem é mobilizado para o front.
Ainda assim, os autores da nova lei permanecem otimistas. O ministro ucraniano da Justiça, Denys Maliuska, estima em 20 mil homens o "potencial de mobilização" dos presídios nacionais. Ele não descarta que as restrições ao recrutamento venham a ser suspensas para determinados delitos, ou que a lei possa ser estendida às mulheres sentenciadas.