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02/07/2024 19:00:00

Ufal à beira do colapso: greve, cortes e descaso ameaçam o futuro da universidade


Ufal à beira do colapso: greve, cortes e descaso ameaçam o futuro da universidade

Cada Minuto

Há mais de 70 dias, o sistema federal de ensino superior brasileiro enfrenta um dos maiores embates de sua história. Uma greve deflagrada pelas categorias docente e técnico-administrativa das universidades e institutos federais paralisou as aulas e atividades em 62 instituições, impactando diretamente o futuro de milhares de estudantes.

Após mais de dois meses de paralisação, professores de universidades federais de todo o país decidiram, no último domingo (23), encerrar a greve nacional. A decisão foi tomada em assembleias realizadas em cada estado, com a maioria dos docentes votando a favor da proposta de reajuste salarial apresentada pelo governo federal.

O Comando Nacional de Greve (CNG) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) durante o encontro, deliberou pela assinatura do acordo com o governo e o encerramento da greve docente em todo o país, com saída unificada até 3 de julho. 

Os docentes aceitaram o reajuste de 90% à categoria, em 2025 e 3,5% em 2026. Quanto aos técnicos, o reajuste acatado foi de 9% em 2025 e 5% em 2026. As duas categorias não irão receber aumento em 2024. 

No entanto, mesmo com o anúncio do encerramento da greve, na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a situação ainda é incerta. A Associação dos Docentes da Ufal (Adufal) agendou assembleias para a esta semana — segunda-feira (1º) e terça-feira (2) —, para debater e definir se a greve será mantida ou encerrada na instituição.

Já o Sindicato dos Trabalhadores Universidade Federal de Alagoas (Sintufal), decidiu, de forma unânime, em assembleia geral, realizada na última quinta-feira (27), pela assinatura do termo de acordo com o Governo Federal para retornar ao trabalho e pôr fim à greve que já dura mais de 90 dias. 

Em nova assembleia geral, realizada no hall do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA/Ufal), a categoria decidiu, na manhã de ontem (1º), pelo retorno ao trabalho na próxima segunda (8).

Vivências de uma estudante em tempos de paralisação

A estudante de Pedagogia, moradora da Residência Universitária (RUA), no Campus A.C. Simões, em Maceió, Alyny Valéria Cardoso Pontes, de 22 anos, compartilha as experiências e reflexões durante o período de paralisação. 

Segundo ela, no início da greve, a instabilidade no fornecimento de refeições pelo Restaurante Universitário (RU) causou apreensão entre os estudantes, especialmente aqueles que dependem do serviço para suas principais refeições do dia. 

Alyny relembra que, durante a primeira semana da greve, os estudantes precisaram buscar alternativas para se alimentar. “A gente estava tendo que pegar kits para fazer nossas próprias comidas”, conta. 

Estudante do curso de Pedagogia Alyny Valéria - Foto: Arquivo Pessoal

 

Felizmente, a situação se estabilizou com a contratação de uma nova empresa para o RU. A retomada do fornecimento das refeições, incluindo café da manhã, almoço e jantar, trouxe alívio para quem depende do RU.

A estudante ainda relata que a segurança no campus A.C. Simões, que já era precária antes da greve, se tornou ainda mais preocupante durante a paralisação. A redução do movimento de pessoas, especialmente à noite, intensificou a sensação de insegurança entre os estudantes, principalmente as mulheres.

Alyny observa que a ausência de atividades físicas e de interação social, contribuiu para o aumento do estresse, da ansiedade e da sensação de isolamento. “A única coisa que desafiou a gente foi a saúde mental, mas isso independe da greve. Na verdade, com ela se agrava porque a gente fica sem os esportes que ajudam muito nisso", afirma.

“O prejuízo não é apenas para estudantes, é para todo mundo”

Em entrevista ao CadaMinuto, o professor do curso de Jornalismo da Ufal, Victor Braga, critica a postura do governo federal nas negociações com a categoria, classificando-a como inflexível e contraditória.

“O governo tem se mostrado bastante inflexível às nossas demandas. As negociações que estamos levando para a mesa não são apenas sobre questões salariais, mas também de investimento para a educação e reposição de recursos”, afirma.

Braga também criticou a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante encontro com os reitores, afirmando que suas declarações foram contraditórias em relação à sua história na luta sindical. “O presidente Lula apresentou uma postura contraditória com seu passado de lutas, alegando que a greve era injustificável e atrapalhava as atividades”.

Professor do curso de Jornalismo da Ufal, Victor Braga - Foto: Arquivo Pessoal

Apesar dos impactos na comunidade acadêmica, com as atividades de ensino paralisadas, os programas de pós-graduação e projetos de extensão continuam em andamento. 

“A greve afeta o trabalho porque virou uma confusão no calendário acadêmico e essa confusão atrapalha. Tanto os estudantes, nessa perspectiva de férias, recesso, etc, mas também para nós. O prejuízo não é apenas para estudantes, é para todo mundo”, explica.

Braga ainda critica a disparidade nos reajustes salariais concedidos a diferentes categorias de servidores públicos, questionando a falta de equidade no tratamento dispensado aos docentes. 

“Enquanto outras categorias, como a Polícia Rodoviária Federal, receberam bons aumentos no último ano, os professores e técnicos administrativos da educação tiveram reajustes abaixo da inflação”, critica.

Reestruturação e realização de concursos públicos 

A coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas (Sintufal), Nadja Lopes, defende que a Ufal hoje funciona de maneira precária. “Embora o governo tenha sinalizado que irá fazer uma reestruturação sobre o orçamento, ainda continua com muita dificuldade por conta da redução”.  

Lopes explica que a greve está encaminhando para os seus momentos finais, embora todas as reivindicações não tenham sido atendidas, a exemplo da necessidade de reajuste de 43%, no salário dos servidores técnicos para acompanhar as perdas inflacionárias. 

Coordenadora geral do Sintufal, Nadja Lopes - Foto: Assessoria

"Nós chegamos a 14% em dois anos, mas tivemos outros ganhos, avanços como o RSC [Reconhecimento de Saberes e Competências], na proposta, o aumento do step [ganho com progressão na carreira] e outros itens mais que a gente já acaba aceitando e levando essa discussão, uma mesa que o governo se propõe a manter aberta para futuras discussões", acrescenta. 

Para a coordenadora do Sintufal, a categoria precisa de mais concursos públicos por conta do quadro reduzido, além do aumento de verba para as universidades que vem sofrendo cortes nos últimos anos. 

"O que fazer é continuar com a luta, mostrando ao governo a necessidade da melhoria, de incentivos, tanto de reconhecimento do técnico, como professores, como alunos, e ampliar a verba na universidade. Que isso passa a ser uma grande dificuldade, porque nos limita muitas vezes a ampliarmos esse conhecimento, a ampliarmos essa qualidade por conta da redução que nós temos hoje", ressalta. 

Melhores condições e mobilizações pela defesa da educação pública

O presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal), Jailton Lira, afirma que o Brasil continua sendo um país com imensas desigualdades sociais e econômicas.  

Em meio a realidade de universidades sucateadas, professores insatisfeitos e alunos desmotivados, o presidente da Adufal alerta para a continuidade das mobilizações e reivindicações pela defesa de uma educação pública, gratuita, inclusiva e de um ensino superior que forme para a vida, que estimule a pesquisa e a extensão. 

"Apesar do encerramento da greve indicado pelo Andes-SN, as pautas apresentadas ao governo federal nos últimos anos permanecem constantes. Entendemos que o fim da greve, no cenário nacional, não significa que essas pautas devem ser secundarizadas, mas que nós precisamos, pelos próximos anos, intensificar a agenda de mobilizações", pontua. 

Além disso, Lira explica que a Ufal funciona atualmente com um orçamento precário, muito distante do necessário. Para ele, o total de despesas para o funcionamento básico gira em torno de R$ 74,6 milhões, mas o montante disponível para 2024 é de R$ 57,2 milhões. 

"Isso reflete no trabalho docente, no processo de ensino-aprendizagem, no funcionamento administrativo da universidade, entre outros aspectos que podem ser corroborados em vários relatos de estudantes e de toda comunidade acadêmica", destaca. 

Além disso, o presidente da associação afirma que em muitas unidades de ensino faltam climatização adequada, equipamentos para projeção de slides, computadores, e afins. "Cada unidade tem suas demandas específicas e todas são válidas e importantes de serem supridas". 

Jailton explica ainda que as principais reivindicações da categoria são a reposição das perdas dos últimos seis anos e reajuste para 2024. Além de reajuste linear de 12,8% e 5% para steps até 2026, aumento do valor inicial para carreiras docentes.

Presidente da Adufal, Jailton Lira - Foto: Adufal

E ainda o aumento de 52% no auxílio-alimentação (R$ 1.000), que foi concedido pelo governo, e a revogação de medidas do governo Bolsonaro que afetam o funcionalismo, a exemplo da revogação da Portaria n.º 983/2020 para equiparar docentes da EBTT e do Magistério Superior e da suspensão de recursos judiciais contra o pagamento do RSR para aposentados.

“Quanto ao reajuste salarial, nossa demanda foi atendida somente em parte, pois reivindicamos algum reajuste para 2024 também, mas só foi concedido para 2025 e 2026. De qualquer forma, tivemos avanço: o reajuste linear oferecido até 2026 passou de 9,2% para 12,8%, o reajuste dos steps passou de 4% para 5% até 2026, e o valor salarial para ingressantes na carreira docente (MS e EBTT) também foi elevado”, acrescenta Lira. 

Crise orçamentária ameaça garantia de funcionamento 

A Ufal está à beira do colapso financeiro. Uma crise orçamentária coloca em risco o funcionamento da instituição até o final de 2024, deixando uma sombra de incerteza sobre o futuro da comunidade acadêmica.

Apesar da liberação de um crédito suplementar de R$ 347 milhões pelo Ministério da Educação (MEC), a UFAL recebeu apenas R$ 3,5 milhões desse valor. Essa quantia é insuficiente para custear as despesas básicas da instituição até agosto.

Para operar até dezembro, a UFAL necessita de R$ 36,8 milhões. No entanto, a realidade financeira da instituição é alarmante: os recursos disponíveis para 2024 somam apenas R$ 66,18 milhões, enquanto as despesas programadas já chegam a R$ 70,36 milhões. Esse déficit de R$ 20,97 milhões já compromete o funcionamento normal da UFAL.

A situação se agrava ainda mais quando se considera a necessidade de R$ 15,85 milhões para manutenções críticas, estimados pela Superintendência de Infraestrutura. Some-se a isso o impacto da greve em curso, que afeta tanto os estudantes quanto os servidores, e o cenário se torna ainda mais preocupante.

Apesar da gravidade da situação, a Ufal não se pronunciou oficialmente sobre a crise orçamentária. A reportagem tentou contato com o reitor Josealdo Tonholo, que não atendeu às ligações e nem respondeu as mensagens enviadas. O espaço segue aberto e o texto será atualizado, assim que houver novas informações.



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