BBC News Brasil
Christal Hayes e Holly Honderich*
O primeiro debate das eleições presidenciais dos Estados Unidos terminou com consequências não muito boas para o atual presidente do país, Joe Biden.
O principal objetivo de Biden, de 81 anos, na quinta-feira (27/06), era aliviar as preocupações sobre sua idade. No entanto, o debate as aprofundou.
Segundo jornais americanos, o desempenho de Biden no evento deixou o Partido Democrata alarmado ou mesmo em pânico.
Alguns políticos e funcionários do partido supostamente enviaram mensagens a comentaristas da rede de televisão CNN, onde ocorreu o debate, com esperanças de que Biden desistisse da corrida presidencial.
Alguns sugeriram a possibilidade de ir à Casa Branca e declarar publicamente suas preocupações sobre ele permanecer como candidato.
Na imprensa americana, a performance de Biden perante Donald Trump, que tem 78 anos, foi descrita com palavras como "confusa", "vacilante", "desastrosa" e "atrapalhada".
Em sua primeira aparição pública após o debate, num evento com apoiadores na Carolina do Norte nesta sexta-feira (28/6), Biden disse que ele "sabe que não é um homem jovem", mas que "sabe" e "consegue" fazer o trabalho de presidente.
"Não caminho tão facilmente como antes. Não falo tão facilmente como antes, não debato tão bem como antes, mas eu sei o que sei: sei como dizer a verdade. Sei distinguir o certo do errado," ele disse. "Eu sei o que milhões de americanos sabem: quando a gente é derrubado, a gente se levanta de novo."
Após o discurso, a platera gritou "sim, você pode, Joe" (uma frase parecida com slogan da campanha do ex-presidente Obama em 2008, "Yes we can" - ou "Sim, nós podemos").
Mas Biden poderia desistir agora? O que aconteceria? E quem poderia substituí-lo?
O candidato do Partido Democrata à Presidência dos EUA será oficialmente escolhido na Convenção Nacional Democrata (DNC, na sigla em inglês) em Chicago, de 19 a 22 de agosto.
Na ocasião, um candidato precisa ganhar o apoio da maioria dos chamados "delegados" — membros do partido que escolhem formalmente o indicado.
O voto de cada delegado na convenção deve refletir como os eleitores que ele representa votaram nas chamadas primárias — que é a disputa interna do partido em cada Estado para definir quem será seu candidato na eleição.
Neste ano, Biden ganhou quase 99% dos quase 4 mil delegados.
De acordo com as regras da DNC, esses delegados são "comprometidos" com ele e são obrigados a apoiar sua nomeação.
Mas se Biden desistisse, seria um "salve-se quem puder".
Não há um mecanismo oficial para ele ou qualquer outra pessoa no partido escolher seu sucessor, o que significa que os democratas ficariam com uma convenção aberta.
Teoricamente, Biden teria influência sobre seus delegados. Mas eles estariam, no fim das contas, livres para fazer o que quisessem.
Isso poderia levar a uma competição frenética entre os democratas que querem uma chance de concorrer.
Vale acrescentar que, até agora, Biden não deu nenhuma indicação de que pode desistir.
Este é um cenário ainda menos provavél.
Na era política moderna dos EUA, um grande partido nacional nunca tentou trocar um candidato contra a vontade dele e não há indícios de qualquer plano para isso.
No entanto, as regras da DNC têm algumas pequenas brechas que poderiam, em tese, tornar possível o afastamento de Biden.
As regras dizem que os delegados do partido devem "de livre consciência refletir os sentimentos daqueles que os elegeram".
Assim, se muitos eleitores democratas sinalizassem que deixaram de apoiar Biden, os delegados poderiam mudar o voto, segundo interpretação de alguns analistas.
Para o professor Richard Benedetto, da American University, caso Biden não queira abandonar a corrida, mas os democratas insistam na substituição, isso poderia causar um racha no partido.
"Haveria uma batalha na convenção, o que seria bastante complicado. Eles têm que tomar uma decisão antecipadamente, de um jeito ou de outro", diz Benedetto, que também é jornalista e ex-correspondente da Casa Branca, à BBC News Brasil.
Mas o professor avalia que o partido não deve se opor à decisão de Biden, "Ele teria que decidir que não quer concorrer e tomar essa decisão por conta própria. Se ele for contra isso, não acho que o partido o substituiria."
A vice-presidente Kamala Harris assumiria automaticamente o lugar de Biden na Casa Branca caso ele renunciasse durante seu mandato presidencial.
Mas as mesmas regras não se aplicam se Biden desistir como candidato na corrida eleitoral e não há nenhum mecanismo em vigor que daria à vice-presidente uma vantagem numa convenção aberta.
Harris teria que ganhar a maioria dos delegados, assim como qualquer outro candidato.
Como ela já está na chapa democrata com Biden, a vice-presidente certamente poderia ser favorecida. Mas sua popularidade baixa entre o eleitorado americano pode atenuar essa vantagem.
Sua desaprovação, porém, é menor do que a de Biden e a de Donald Trump, segundo o site de pesquisas FiveThirtyEight.
Vários democratas tentaram desafiar Biden nesta campanha eleitoral, incluindo o deputado Dean Phillips, do Estado de Minnesota, e a escritora Marianne Williamson.
Mas as duas tentativas eram consideradas não competitvas e é improvável que eles apareçam como favoritos em qualquer lista.
Há especulações de que o governador da Califórnia, Gavin Newsom, ou a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, poderiam ser os substitutos.
Mas nenhum dos candidatos mostrou interesse em pegar o lugar de Biden.
"Eu nunca vou virar as costas para o presidente Biden", disse Newsom na quinta-feira, na sala de imprensa do debate em Atlanta, na Geórgia.
"Passei muito tempo com ele e sei o que ele conseguiu nos últimos três anos e meio. Sei do que ele é capaz, conheço sua visão, e não tenho nenhum receio."