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Educação
26/06/2024 10:00:00

Plano Nacional de Educação completa 10 anos com desafios e poucos avanços

Prazo de vigência do PNE terminou ontem (25/6), com inúmeras lacunas na educação infantil no Brasil.


Plano Nacional de Educação completa 10 anos com desafios e poucos avanços

Correio Braziliense

Nesta terça-feira (25/6), terminou a vigência do Plano Nacional de Educação (PNE), previsto na Lei 13.005, de 2014. A ideia do programa é nortear melhorias na educação nacional de forma colaborativa e articulada entre estados, municípios, Distrito Federal e a União. Para isso, foram estabelecidos 20 objetivos, que deveriam ter sido cumpridos ao longo desses 10 anos. 

O PNE definiu as seguintes prioridades: universalizar a oferta da etapa obrigatória (de 4 a 17 anos), elevar o nível de escolaridade da população, elevar a taxa de alfabetização, melhorar a qualidade da educação básica e superior, ampliar o acesso ao ensino técnico e superior, valorizar os profissionais da educação, reduzir as desigualdades sociais, democratizar a gestão e ampliar os investimentos em educação. 

Apesar de pequenos avanços, quase 90% das metas não foram cumpridas e, em alguns pontos, houve, inclusive, retrocessos, aponta a última Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Acesso à creche e à pré-escola

Ao Correio, Marina Fragata, diretora de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal — organização que se dedica à promoção do desenvolvimento da primeira infância —, cita algumas conquistas desde a criação do plano, mas afirma que ainda há muito trabalho pela frente. 

“Em relação ao acesso às creches, que está previsto na meta 1, a gente teve um crescimento: em 2013, o percentual era de 22,9% das crianças e, hoje, nós, como país, atendemos 38,7% dessas, considerando dados de 2023. Já na questão da pré-escola, a gente também pode enxergar um incremento. O índice subiu de 87,9 para 92,9 nesses últimos 10 anos”, observa. 

Além disso, há cerca de 10,1 milhões de matrículas nessa fase, sendo mais de 77% delas da rede pública de ensino, o que corresponde a um crescimento robusto e um fortalecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica. “O que contribuiu para isso, antes mesmo do PNE, foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, que inseriu a educação infantil dentro da educação básica no país”, lembra a diretora. 

Universalização

Quanto à meta 3, era prevista a universalização do acesso à pré-escola até o ano de 2016. Porém, na prática, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), ainda há 441 mil crianças que estão fora da pré-escola, agravando problemas posteriores, como evasão escolar e analfabetismo. “Nós percebemos que temos uma parte das primeiras infâncias brasileiras que não estão tendo o seu direito garantido. E, numa fase obrigatória, nós não deveríamos admitir uma quantidade tão significativa como essa fora dessa etapa, tão essencial para o desenvolvimento da criança, seja no presente dela, seja como base para as etapas subsequentes”.

O estudo Perfil síntese da primeira infância e famílias no Cadastro Único mostra, ainda, que 59,8% das crianças na primeira infância no CadÚnico nunca frequentaram creche ou pré-escola, indicando que crianças fora da educação infantil são as mais vulnerabilizadas. Para Fragata, esses dados escancaram as desigualdades do país: “Sabemos que crianças negras, indígenas e outros grupos tradicionais, em situação de pobreza, das regiões Norte e Nordeste, ou residentes de áreas rurais têm menor acesso à creche”, revela. 

Qualidade

A diretora também critica os métodos de mensuração da qualidade da educação básica, que são voltados para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador criado pelo governo federal para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas. “A gente tem a meta 7, que fala de fomentar a qualidade da etapa como um todo, mas a educação infantil não é mensurada dessa forma. Os nossos levantamentos nacionais têm se preocupado em olhar para questões como infraestrutura e disponibilidade de recursos, que são importantes, mas não são suficientes para dizer se incrementamos a qualidade da educação infantil do nosso país”. 

De acordo com ela, evidências científicas indicam que práticas pedagógicas e o ambiente de aprendizagem que as crianças vivenciam são fatores ainda mais significativos para os desfechos de desenvolvimento das crianças. “E a gente não vem, como país, olhando para essas dimensões”, completa. 

Outro aspecto que está relacionado à qualidade é a proporção de docências com professores cuja formação superior está adequada à área de conhecimento que lecionam. Na meta 15, isso está colocado como garantir, em regime de colaboração no prazo de um ano, que todos os professores e professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. 

“Se a gente for olhar lá para os dados de 2014, esse percentual era de mais ou menos 44% e, lá em 2022, esse percentual para educação infantil alcançou 62%. Então nós fizemos um incremento significativo, mas ainda está longe de todos estarem formadas, como o plano nacional de educação prevê”, diz.

Retrocesso

Entre os retrocessos, Marina Fragata destaca os impactos negativos da pandemia, que trouxe desafios e prejudicou os caminhos que o Brasil vinha construindo. “O Brasil foi um dos países que mais demorou a reabrir as escolas, suas unidades educacionais de forma presencial. Então muitas crianças ficaram privadas do seu direito de educação e outras, inclusive, sequer tiveram a oportunidade de vivenciar a educação infantil. Isso, com certeza, teve impactos e causa retrocesso desde o nível individual de cada criança, que não teve a oportunidade de acessar o seu direito à educação, pelo menos, não de forma plena, até como sociedade, inclusive, os dados de acesso e todas essas questões de registro também foram afetadas”.

Prorrogação do PNE

O atual plano, composto por 20 metas, previa que o Poder Executivo enviasse ao Congresso uma nova proposta até junho de 2023, o que não ocorreu. A senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) propôs, então, a prorrogação da lei até 31 de dezembro de 2028, de forma que não se repetisse o interstício de quatro anos sem plano, como houve entre as duas primeiras edições. Entretanto, o relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), acatou a emenda apresentada pelo senador Cid Gomes (PSB-CE) para que a prorrogação da vigência do PNE ocorresse até dezembro de 2025.

A prorrogação do PNE pode gerar precedente de descumprimento e ter efeito cascata em estados e municípios. “Essa prorrogação faz com que a gente deixe para um segundo momento um debate estrutura para o país e ainda gere esse efeito cascata para os demais entes federativos, inclusive, ali na ponta no território, no município onde a vida das famílias e das crianças está acontecendo”, esclarece Marina.

Soluções

Por fim, a diretora alerta sobre a necessidade de constante atualização do plano. “A gente sabe que a maior parte dos países que conseguiram se desenvolver de uma forma acelerada colocaram a educação como um dos pilares de alavanca para esse processo de desenvolvimento. A gente tem uma mudança significativa acontecendo, por exemplo, com a chegada de inteligência artificial, com a necessidade de desenvolvimento de novas habilidades. Então esse plano nacional que nós temos hoje é super valioso nessa perspectiva de ter ajudado nos avanços que foram feitos, mas é insuficiente para responder aos desafios de 2024 com o mesmo grupo de metas que foram pactuadas lá atrás e que entraram em vigência em 2014”.  

Diante desse cenário, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal defende que, para o próximo ciclo, sejam incorporadas e aprimoradas estratégias de acesso e qualidade para que a oferta da educação infantil esteja conectada aos desafios da próxima década. Para isso, é fundamental que o PNE enxergue os objetivos como uma “alavanca para a equidade” e traga metas intermediárias que possam ser acompanhadas em intervalos mais curtos, para que o desempenho não seja avaliado somente ao fim de dez anos.



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