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01/06/2024 23:00:00

Microempreendedor ou camelô, eis a questão


Microempreendedor ou camelô, eis a questão

al1 - Por Roberto Amorim

Cravado na movimentada praça Deodoro e com vizinhos importantes, como o Tribunal de Justiça e o Teatro Deodoro, o Shopping Popular de Maceió amarga, há 12 nos, a ausência de um plano de gestão de negócio para aliviar as incertezas de cerca de 300 ex-camelôs que teimam em ser Microempreendedores Individuais (MEIs).

São dezenas de homens e mulheres antes classificados de vendedores ambulantes que tiravam o sustento da família das ruas do comércio do centro da cidade. Em julho de 2012, saíram da informalidade, ganharam lugar fixo e acreditaram em dias melhores, muito melhores.

Mais de uma década depois, a expressão desoladora e as palavras de pouca fé no negócio dominam as narrativas de quem ainda se dispõe a repetir os mesmos problemas, as promessas não cumpridas, a vontade de abandonar a vida de empreendedor e voltar a ser camelô. Todos reclamaram, mas poucos querem ser identificados e nenhum fotografado. Dizem que preferem evitar problemas com a visibilidade.

Mais de 60 já desistiram, fecharam as portas e voltaram a trabalhar no calçadão, deixando para trás lojas fechadas e a possibilidade de aposentadoria por idade, por invalidez, auxílio doença e salário-maternidade. Benefícios garantidos a condição de MEI.

Dona Ana é uma das poucas exceções que quebra o silêncio e conta como anda a vida de comerciante no Shopping Popular. “Antes vivia a angústia de enfrentar sol, chuva, calor, frio, a fiscalização e o cansaço de montar e desmontar a barraca. Agora vivo a agonia de muitas vezes passar até três dias sem vender nada”, lamenta a permissionária do pequeno box onde comercializa roupas, bolsas e calçados e que nem sempre consegue quitar as contas do pequeno negócio. “Antes não pagava imposto. Aqui todo mês tem taxa da prefeitura, de energia e do MEI. Para continuar só com a fé em Deus e na mãe de Jesus Cristo”.

O shopping onde trabalha leva o nome de Nossa Senhora de Fátima e cobra mensalmente R$ 38 de energia e taxa que varia de 50 a 110 reais por metro quadrado do box. Os impostos do MEI variam de R$71,60 a R$76,60 mensais de acordo com a natureza do empreendimento. Se decidir pagar o INSS complementar são mais R$155, 32.

Pactos rompidos

 A empolgação dos ex-ambulantes foi esvaziando ao longo dos anos com o descumprimento dos pactos com o poder público. Para atrair compradores, o Shopping Popular teria, inicialmente, casa lotérica, farmácia popular, elevador e escada rolante. Em 2013, foi apalavrado com a prefeitura de Maceió a instalação de postos de atendimento do Detran, Sine, Banco do Nordeste; sistema de climatização, monitoramento de câmeras, acesso ao restaurante popular, shows folclóricos e campanhas de divulgação nas emissoras de rádio e TV. Além de reforço na fiscalização das ruas do centro para evitar o aparecimento de novos camelôs e acirrar a concorrência.

Quase nada aconteceu. Hoje, o imenso espaço comercial é um amontoado de pequenas lojas solitárias à espera de gente para dar vida aos corredores quase vazios numa sensação coletiva dos empreendedores de que algo precisa ser feito para evitar o retorno às ruas, ao sol e a chuva.

Lá, nunca existiu Banco do Nordeste, casa lotérica, shows ou publicidade na grande mídia. Detran, Correios e Sala do Empreendedor foram embora. Dos instalados, apenas um posto de atendimento do SINE e da Junta Militar resistem. A prometida Central Já se perdeu nas negociações entre prefeitura e governo do Estado.

Até a placa de identificação de que ali funciona um shopping nunca mais voltou a fachada do prédio inaugurado em 2012 na gestão do então prefeito Cícero Almeida, radialista e também um ex-camelô. Foram investidos oito milhões com a compra de dois imóveis e a construção do prédio para abrigar, prioritariamente, os vendedores ambulantes que estavam abrigados precariamente num estacionamento próximo à praça dos Palmares.

"Precisamos de um plano de negócio para gerir esse grande negócio. Tornar nosso shopping mais atrativo, com novos postos de atendimento em parceria com o Departamento Municipal de Transporte e Trânsito, as secretarias municipais de saúde e da cultura; precisamos de ajuda, de ações e não de promessas”, afirma o presidente da associação dos comerciantes do Shopping Popular, Naldo Moura.

Infraestrutura e protestos

A escala rolante voltou a funcionar e dá acesso ao primeiro piso, ainda mais vazio e silencioso. Quase desolador. No dia em que a reportagem esteve no local poucas lojas estavam abertas e nenhum cliente. Na lanchonete apenas uma mesa ocupada e quatro pessoas conversando. O parque de recreação infantil interditado devido às chuvas.

O telhado, sem manutenção, não aguenta e a água se espalha por vários espaços. Uma comerciante de roupas íntimas improvisou um pequeno telhado para proteger sua loja. Quando chove, muitas lixeiras servem para reter a água. O sistema de ventilação e de câmeras só funcionaram alguns meses em 2013. De lá para cá são apenas decorativos. Os banheiros funcionam em condições precárias.

A porta que dá acesso ao restaurante popular, no prédio vizinho, continua aberta; mas poucos vão ao shopping antes ou depois das refeições. Entram e saem pelo acesso do próprio restaurante. A ligação foi feita com a intenção de aumentar o fluxo com as pessoas entrando pelo restaurante e saindo pelo shopping. Depois da pandemia a saída foi permitida, também, pelo próprio restaurante.

 E os problemas continuam. “Quando quebra uma das portas da entrada nós fazemos uma vaquinha e consertamos. Também pagamos para fazer a segurança do prédio a noite e compramos novos extintores de incêndio, os antigos estavam com a data de validade vencida. Como é possível ser um empreendedor de sucesso nessas condições de trabalho?”, indaga o vendedor de equipamentos eletrônicos que preferiu não se identificar. “Voltei a negociar aqui com um monte de promessa de melhora e até agora nada. O jeito é ter que voltar a vender na rua”.

Ele foi um dos 205 permissionários que, em 2013, foram notificados pela então Secretaria Municipal do Trabalho, Abastecimento e Economia Solidária (Semtabs), responsável pela gestão do shopping popular e dos mercados públicos, a reabrir o box para não perder o espaço. Na época, mais da metade das lojas estava fechada e os comerciantes fizeram protesto pelas ruas do centro e ocuparam a praça Deodoro exigindo ações da prefeitura para aumentar o fluxo de pessoas no Shopping Popular. Trinta e três empreendedores desistiram da luta e desocuparam os boxes, que foram realocados para outros ambulantes cadastrados.

“Os problemas sãos os mesmos desde a inauguração. Agora, quem atrasar a taxa mensal é protestado em cartório, que cobra muito caro para encerrar o protesto”, conta a vendedora de artigos para recém-nascidos e crianças da loja instalada no primeiro piso. “Quem trabalha aqui em cima e nos fundos do shopping sofre ainda mais com o fraco movimento. Eu faço esforço para pagar o MEI porque tenho medo de adoecer e ficar sem assistência. Mas a situação tá muito difícil”.

Os comerciantes reclamam que as disputas políticas entre prefeitura e governo do Estado atrapalham o negócio. “Eles não se entendem e quem sai perdendo, como sempre, é o povo; somos nós. Como o prédio é da prefeitura o governo não consegue investir. Por isso, ainda não foi instalada uma Central Já aqui, melhoraria muito a situação. Isso é um absurdo, queremos apenas continuar sendo empreendedores e não voltar às ruas”, desabafa a comerciante de 62 anos, com a loja abarrotada de roupas típicas dos festejos juninos. “Preciso vender para sobreviver”.

Simpatia, variedade e preço bom

O grande trunfo do Shopping Popular de Maceió para se manter aberto é a simpatia dos lojistas, a variedade e os preços atrativos para enfrentar a concorrência das lojas e dos ambulantes, que voltaram a se espalhar pelas ruas do centro da cidade. O espaço é amplo e impressiona pela diversidade de produtos à venda em lojas de tamanhos e estrutura diferentes. O sistema de som interno anuncia tanta variedade.

Existem desde os tradicionais boxes de pouco mais de um metro até lojas maiores com sistema de ar condicionado próprio, provador de roupas e espaço de espera para os clientes. Ótica com ampla estrutura e lojas de venda de aparelho e acessórios para celular com impressionante layout na fachada.

Roupa para o público feminino, masculino, infantil; sapatos, bolsas. Serviços de conserto de relógios, eletrônicos, barbearia, costura...  Para os festejos juninos é possível encontrar artigos a partir de 10 reais. “Sempre que preciso de alguma coisa venho comprar aqui, que o preço é bom e o atendimento é ótimo. Mas muita gente que anda no centro não sabe que esse shopping existe”, disse Albiran Almeida, enquanto negociava o preço de um novo aparelho celular. “Aqui a gente faz negócio com o próprio dono da loja. Isso é uma vantagem”.

Segurança e limpeza também atraem a doméstica Maria de Lourdes ao Shopping Popular. Ela conta que faz as compras mais sossegada do que nos camelôs nas ruas e os preços são até melhores. “Não tenho medo de assalto, converso com os vendedores e às vezes toma água e um cafezinho. Faço minhas compras com tranquilidade”.

Pix, cartão de crédito, redes sociais digitais e o serviço de entrega também ajudam na lida diária para vender mais. A maioria dos lojistas anuncia e vende pelo Instagram da própria loja e ainda entrega a mercadoria na casa do cliente. O shopping tem uma conta oficinal no Instagram, que foi feita e é administrada, segundo Naldo Moura, por “uma pessoa que a própria associação paga”.

 “Fazemos de tudo para nos manter aqui, como empreendedores, mas precisamos de ajuda na infraestrutura e para realizar eventos aqui no shopping para atrair mais pessoas. Não queremos desistir. Lutamos muito para sair das ruas e não queremos voltar”, afirma dona Meire, uma das primeiras a abrir a loja no Shopping Popular.

Configuração pública e política

Para enfrentar tantos obstáculos, o analista de relacionamento empresarial do SEBRAE/AL, Gilson Borges, afirma que é extremamente importante ter um plano de negócio para enxergar todas as possibilidades e ter uma visão 360 graus do empreendimento.

“Através desse plano é possível identificar qual o melhor canal para o produto chegar ao cliente, quais os parceiros, as finanças, os custos. É uma visão macro que ajuda na tomada de decisões e no posicionamento de mercado”, explica Borges, que, diante da configuração pública do Shopping Popular, indica que cada comerciante procure o SEBRAE para fazer o próprio plano de negócio.

Segundo ele, ter um plano de negócio do Shopping Popular seria extremante relevante, pois agregaria forças a um estabelecimento comercial com foco, com alvo. Porém, esbarra em questões da gestão pública e política, que diminui a celeridade da aplicação das ações. Por isso, recomenda que cada microempreendedor procure o SEBRAE/AL para receber treinamento e orientação para montar seu próprio plano e investir, principalmente, em marketing para trabalhar questões de visibilidade e fluxo de vendas.

“Temos o serviço de consultoria individual com hora marcada e podemos atender a demanda de todos os empreendedores do Shopping Popular, analisando cada caso e propondo os melhores caminhos para enfrentar e solucionar os problemas”, ressalta Borges.

Um caminho apontado é investir cada vez mais nos canais digitais de relacionamento e vendas enquanto aguarda as melhorias físicas do shopping.

Para o analista do SEBRE/AL é muito importante planejar estratégias de relacionamento através de redes sociais digitais como o Instagram para avançar nas vendas. “A força de venda não está mais no ponto físico, está no digital. Acredito que este seja o melhor caminho a ser explorado nesse momento pelos empreendedores do Shopping Popular”. 

Sobre os problemas estruturais e a ausência de plano de negócio no Shopping Popular, a Secretaria Municipal de Abastecimento, Pesca e Agricultura (Sempa), antiga Semtabes, em nota, afirmou que “está intensificando manutenções, reparos e melhorias nos equipamentos públicos de comercialização, como feiras, mercados, Centro Pesqueiro e Shopping Popular. A intenção é dar suporte aos permissionários para que tenham um ambiente de trabalho que possa atrair os cada vez mais consumidores”.

Especificamente em relação ao Shopping Popular, a Sempa acrescentou que “reativou a escada rolante, aumentando a acessibilidade aos frequentadores. O órgão destaca ainda que desenvolve projetos para ampliação de serviços no local”. Sem detalhar quais são esses projetos.

Quanto ao retorno dos camelôs as ruas do centro da cidade, informou que a manutenção do ordenamento de ambulantes no Centro de Maceió é realizada semanalmente pela Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (SEMSC) e denúncias sobre irregularidades podem ser feitas através do número: (82) 3312-5277.

 



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