Metrópoles
Embora os cânceres ocorram em toda a população, o acesso ao diagnóstico e ao tratamento é bastante desigual. Mulheres e homens negros acabam tendo desfechos piores para tumores que, se descobertos precocemente, praticamente não levariam a óbitos.
Uma mesa do IX Congresso Internacional de Oncologia D’Or, realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 12 e 13 de abril, chamou atenção dos profissionais da saúde para as discrepâncias no atendimento aos negros.
“As diferenças raciais levam a um aumento de mortes que não se explica do ponto de vista da saúde. A única explicação é o racismo. Não é uma questão ligada à genética, é uma questão de ausência de cuidados”, afirma a oncologista Ana Amélia de Almeida Viana, de Salvador (BA), uma das maiores especialistas do Brasil na saúde de pessoas pretas.
Ela apresentou estudos que mostram como a inequidade social – falta de acesso à coleta de lixo, moradia e alimentação saudável, entre outros – acaba empurrando a população negra para piores condições de saúde.
Um dos trabalhos citados mostrou que o risco de morrer câncer de colo de útero no Brasil é 27% maior para as mulheres negras. “Vemos que estas lacunas existem mesmo entre pretos que não usam o tratamento no Sistema Único de Saúde. Não é só uma questão econômica, temos uma questão racial. Pacientes negros recebem menos doses de morfina, são menos frequentemente encaminhados aos cuidados paliativos. A dor de um preto conta menos”, denunciou Viana.
No caso do câncer de mama, não é diferente. Um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública em 2018 mostra que, no Brasil, mulheres negras com câncer de mama têm uma sobrevida 25% menor do que as brancas. Outro exemplo citado pela pesquisadora foi o do sarcoma de Kaposi, um câncer de pele que, em geral, atinge apenas pessoas com sistema imunológico debilitado, especialmente pacientes com HIV descontrolado.
“Quase a totalidade de pessoas que morre com sarcoma de Kaposi hoje no Brasil é negra, pois o acesso aos remédios antirretrovirais é mais difícil para os pretos”, afirmou Viana.
A médica citou exemplos de casos de racismo e como isso atrapalhou o atendimento oncológico de pacientes. Em um dos casos, uma paciente com câncer de mama teve de esperar duas horas por uma consulta médica em um hospital particular e não foi atendida. Quando perguntou aos recepcionistas o que estava acontecendo, foi informada de que o médico tinha ido embora e lhe haviam dado falta porque não haviam reconhecido ela como paciente, imaginaram que ela era a cuidadora de idosos que estavam ao seu lado.
Para a oncologista, a solução para resolver problemas assim passa por um maior respeito às normas de saúde. “Existe um viés implícito que afeta indiretamente a atuação de todos nós, por isso foram criados os protocolos, para diminuir risco de profissionais impactarem o tratamento de pacientes. Respeitando as recomendações de saúde, a gente já conseguiria praticamente zerar o racismo do ponto de vista médico”, afirmou.