Visita de líder ucraniano a Alemanha ocorre em meio a escassez de munição na Ucrânia e pressão russa no front. Berlim anuncia novo pacote de ajuda a Kiev de 1,13 bilhão de euros. Reunião é ofuscada por morte de Navalny.
O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, assinaram nesta sexta-feira (16/02) em Berlim um acordo sobre garantias de segurança a longo prazo, um passo que o líder alemão qualificou como "histórico".
O encontro dos líderes na capital alemã, no entanto, foi ofuscado pela notícia da morte do político oposicionista russo Alexei Navalny.
O acordo segue o que a Ucrânia já firmou com o Reino Unido e precede outro, previsto para ser assinado também nesta sexta-feira com a França, numa reunião de Zelesnki com o presidente francês, Emmanuel Macron.
"A importância do documento dificilmente pode ser superestimada", disse Scholz após assinar o pacto ao lado de Zelenski. Ele contém compromissos bilaterais de segurança de longo prazo e estipula que a Alemanha continuará a apoiar a Ucrânia em sua defesa contra a guerra de agressão russa "enquanto isso for necessário", disse Scholz.
O chanceler acrescentou que a Alemanha também apoiará a Ucrânia na construção de "forças de defesa modernas para impedir qualquer ataque futuro".
"E caso a agressão russa ocorra novamente no futuro, fizemos acordos de apoio detalhados – diplomaticamente, economicamente e, como hoje, com equipamentos militares".
O acordo de segurança com Kiev também é "uma mensagem cristalina" para o presidente russo, Vladimir Putin, quase dois anos após o início da guerra. "Não deixaremos de apoiar a Ucrânia. Continuaremos a ficar firmemente ao lado dos ucranianos".
"É claro que todos nós queremos que essa guerra brutal termine logo", disse Scholz. "Infelizmente, podemos ver que a Rússia não está preparada para a paz duradoura e justa – pelo contrário, está mantendo impiedosamente seus objetivos de guerra".
Zelenski agradeceu a Scholz pelo apoio da Alemanha e chamou o novo acordo de "sem precedentes".
O Ministério da Defesa alemão também anunciou um novo pacote de armamentos para a Ucrânia no valor de cerca de 1,13 bilhão de euros. Entre outras coisas, está planejada a entrega de obuseiros autopropelidos e sistemas de defesa aérea.
O líder ucraniano tem insistido há meses na necessidade de tais pactos enquanto o país ainda não é membro da Otan.
Os acordos com o Reino Unido, a Alemanha e a França são baseados no compromisso assumido pelos países do G7 na cúpula da Otan em Vilnius no ano passado.
Depois de se encontrar com Scholz, Zelenski tinha prevista na agenda uma reunião com o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.
Em seguida, a previsão era de um voo para Paris e de lá para Munique, no sul da Alemanha, onde participará no sábado como um dos principais palestrantes da Conferência de Segurança de Munique e realizará uma série de reuniões bilaterais, entre elas, com a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris.
Durante entrevista coletiva em Berlim, Zelenski disse que seu homólogo russo, Vladimir Putin, deve ser "responsabilizado por seus crimes" após a morte na prisão, nesta sexta-feira, do opositor Alexei Navalny.
"Está claro para mim que ele foi assassinado como milhares de outros que foram torturados até a morte por causa de uma pessoa, Putin, que não se importa com quem morre, desde que mantenha sua posição", afirmou o ucraniano, ao lado de Scholz. Putin terá que "ser responsabilizado por seus crimes", acrescentou.
Já o chefe de governo alemão, qualificou de terrível a informação sobre a morte de Navalny, afirmando que ele pagou com a vida sua valentia ao voltar à Rússia depois de se recuperar em Berlim de um envenenamento.
"É uma coisa muito desconcertante. Eu conheci Navalny em Berlim quando ele estava tentando se recuperar", disse Scholz, referindo-se ao período de recuperação do opositor russo em uma clínica na capital alemã após sofrer envenenamento por um agente tóxico em 2020.
Navalni retornou à Rússia em 2021 com o argumento de que, do exterior, não seria capaz de lutar efetivamente por mudanças em seu país.
"Ele provavelmente pagou por sua bravura com a própria vida", enfatizou Scholz, que disse estar em pensamento com a esposa e os dois filhos de Navalny.
O encontro dos dois líderes em Berlim ocorre em um momento difícil para as Forças Armadas ucranianas na campanha de defesa contra a Rússia.
Falta munição às tropas, enquanto a Rússia está aumentando a pressão, especialmente ao longo da frente oriental ucraniana.
Os soldados ucranianos precisam racionar projéteis de artilharia. A falta de suprimentos repassados pelas cerca de 50 nações apoiadoras lideradas – até o momento – pelos EUA também será um tópico de discussão na Conferência de Segurança de Munique.
Enquanto isso, o Senado dos EUA, onde os democratas do presidente Joe Biden têm uma maioria estreita, aprovou uma nova ajuda militar no valor de 60 bilhões de dólares (R$ 298 bilhões) para a Ucrânia. No entanto, ainda é incerto se uma maioria também será alcançada na Câmara dos Deputados, onde os republicanos têm maioria e sobretudo onde os partidários de Donald Trump querem bloquear o pacote de ajuda.
A falta de fornecimento de munição por parte dos EUA tem consequências na frente de batalha ucraniana. De acordo com relatos consistentes de analistas de guerra, a proporção de munição de artilharia no leste e no sul da Ucrânia é de cinco projéteis russos para um no lado ucraniano.
Muitas vezes, as unidades de artilharia ucranianas só dispõem dos chamados projéteis de fumaça, destinados a disfarçar o avanço dos tanques.
"É preciso imaginá-los como balas de chumbo na Idade Média", disse o repórter de guerra da CNN Frederik Pleitgen à emissora pública alemã ARD, após recente visita à linha de frente. Esses projéteis produzem fumaça e o metal cai no chão – na esperança de acertar qualquer coisa que seja.
Pleitgen também contou sobre sua visita a uma unidade de drones do Exército ucraniano. De acordo com análises militares, drones com granadas amarradas, que são lançados com sucesso sobre tanques e trincheiras russos, formam atualmente o pilar central da defesa ucraniana. Ele viu "montanhas" de soldados russos mortos e equipamentos militares destruídos nas imagens das câmeras dos drones. No lado russo, nada é retirado. Pleitgen estimou as perdas russas em mais de 800 pessoas todos os dias. Ele disse que a Rússia está constantemente enviando novos soldados para a frente de batalha. Segundo ele, a linha de frente se assemelha a uma vala comum.
No entanto, o jornalista também afirma que a Ucrânia está demonstrando poder de resistência com suas "táticas de guerrilha" de guerra de drones. Ele acredita que, mesmo sem novas armas dos EUA, a Ucrânia "resistirá".
Outro problema da Ucrânia é a falta de soldados, muitos dos quais estão no front há dois anos sem interrupção e não podem ser substituídos. Por outro lado, a Rússia aparentemente vem recrutando mil novos soldados por dia.
"A situação no front é precária", diz o analista militar Markus Reisner à DW. O coronel do Exército austríaco vem observando a guerra na Ucrânia desde o início da invasão russa, que marcará seu segundo aniversário no próximo dia 24 de fevereiro.
Neste início do terceiro ano da guerra, Reisner identificou "pelo menos 15 pontos" onde o Exército russo estava ganhando terreno. "Nas últimas semanas, alguns desses locais têm até seis quilômetros de terreno, mas outros têm apenas meio quilômetro", diz Reisner.
Isso se deve principalmente ao fato de que "cada vez menos munição de precisão e munição de artilharia estão disponíveis na Ucrânia". A Rússia, por outro lado, está jogando com sua superioridade em artilharia.
Reisner espera que a guerra "atinja seu ponto culminante este ano". Isso significa que "do ponto de vista militar, a situação pode se desenvolver radicalmente em uma direção ou em outra".
A Europa e as 50 nações que apoiam a Ucrânia sob a liderança dos EUA podem se encontrar em uma situação em que terão de assistir ao fracasso de Kiev.
Durante sua visita ao presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington, em fevereiro, o chanceler alemão já havia alertado: "Não devemos fazer rodeios. Para saber se a Ucrânia será capaz de defender seu próprio país, o apoio dos Estados Unidos é indispensável".
O especialista em segurança Gustav Gressel, do think tank berlinense Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), enfatizou recentemente o quão difícil é a situação da Ucrânia após a contraofensiva fracassada de 2023. Gressel chegou a prever que "o ano de 2024 será o período mais difícil para a Ucrânia desde os dois primeiros meses da invasão em grande escala".
Na verdade, Kiev vem tentando aumentar significativamente sua própria produção de armas desde meados de 2023. Há um "programa ambicioso para não apenas reviver a indústria de armas ucraniana do período anterior à guerra, mas até mesmo superá-la com a ajuda de empresas ocidentais", escreve Gressel.
Em janeiro, o presidente ucraniano viajou para os três países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), que, em comparação com população e produto nacional bruto, são os que mais fornecem equipamentos militares à Ucrânia.
Após a reunião de Zelenski com o presidente da Lituânia, Gitanas Naus?da, ambos anunciaram que a Lituânia continuaria a apoiar militarmente a Ucrânia, inclusive por meio de "cooperação no setor de defesa, como joint ventures, localizando a produção na Ucrânia e facilitando a troca de informações sobre pesquisa e desenvolvimento relevantes relacionados à defesa".
O governo polonês também quer apoiar a produção de equipamentos de defesa na Ucrânia. E a empresa de defesa alemã Rheinmetall já havia anunciado essa cooperação anteriormente. Mas isso obviamente também levará tempo.
Pouco antes da visita de Zelenski à Alemanha, o diretor do serviço de inteligência da Noruega, país do norte da Otan, apresentou o relatório anual de segurança do país. Nele, o vice-almirante Nils Andreas Stensones escreve que a Rússia está se recuperando na Ucrânia. Embora "a Ucrânia continue a demonstrar um enorme espírito de luta, o país depende do apoio do Ocidente para se defender e recuperar a iniciativa".
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