Em meio a uma sociedade que muitas vezes impõe expectativas desproporcionais sobre as mulheres, o Janeiro Branco surge como um mês importante para conscientização e diálogo sobre a saúde mental, especialmente entre elas.
Aspectos genéticos, estresse, abuso de substâncias e traumas são fatores multifacetados que podem contribuir para doenças mentais, mas a disparidade das cobranças e afazeres resultantes de recorte de gênero agravam ainda mais a situação.
Dados alarmantes divulgados pela pesquisa “Um Olhar Aprofundado Sobre Saúde Mental nas Organizações Brasileiras”, realizada pela Vittude, revelam que as mulheres enfrentam níveis mais elevados de estresse, ansiedade e depressão no ambiente de trabalho, por exemplo.
Enquanto 6,6% dos homens experimentam níveis severos ou extremamente severos de estresse, esse número aumenta para 10,4% entre as mulheres. No cenário da ansiedade, 15% das mulheres apresentam níveis extremos, em comparação com 9% dos homens.
Violência sexual e as expectativas sobre o próprio corpo também adoecem mais as mulheres e meninas. Outra pesquisa, realizada pelo IBGE, apontou que 66,5% dos estudantes se sentiam satisfeitos ou muito satisfeitos em relação ao próprio corpo, destes, 75,5% eram meninos.
A PENSE mostrou que 20,1% das meninas já sofreram violência sexual (contra 9% dos meninos) e que 26,5% das meninas relataram ter sofrido bullying (eles, 19,5%). Aparência corporal foi declarada como motivo do bullying por 16,5% dos estudantes no Brasil.
Para a psicóloga e psicanalista de mulheres, Caren Zarpelon, esse desequilíbrio de expectativas e atividades, muitas vezes moldado por normas sociais e de gênero, impõe um fardo desproporcional sobre as mulheres.
“As expectativas tradicionalmente atribuídas a papéis femininos, como a pressão por excelência no trabalho, beleza e equilíbrio entre vida profissional e pessoal, amplificam o estresse psicológico, contribuindo para a deterioração da saúde mental”.
Não são apenas esses dados que assustam, quando falamos de suicídio, a balança também pesa mais para o lado feminino. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil, 67,55% das tentativas de suicídio entre 2010 e 2018 ocorreram em mulheres.
Caren destaca, como estratégia de enfrentamento ao adoecimento mental feminino, a necessidade urgente de promover conscientização, apoio e mudanças nas estruturas sociais que perpetuam tais discrepâncias, e acrescenta: “políticas de combate à desigualdade de gênero com conscientização e educação constantes, equidade no ambiente de trabalho, mais acesso a recursos e oportunidades, ações para empoderamento com espaço seguro para discussões e engajamento comunitário”.
Ainda de acordo com a pesquisa do Ministério, mulheres tentam acabar com a própria vida quando são vítimas prévias de violência doméstica ou não conseguem mais cumprir o seu papel de cuidadora. A sobrecarga gerada pela economia do cuidado que pune e invisibiliza mulheres, inclusive, ganhou repercussão nacional ao ser tema de redação da última avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM.
A psicóloga em saúde mental materna, Jullyana Tenório, destaca a influência deste desequilibrado papel na saúde mental das mulheres. Segundo ela, “crescemos com a narrativa de que amar é cuidar, de que para ser querida é necessário ser ‘boa’ ou ‘estar disponível'”.
Ao abordar os sinais de alerta, a psicóloga enfatiza a importância de observar mudanças comportamentais que interfiram no cotidiano, como irritabilidade, exaustão, estresse, ansiedade, isolamento social e alterações no sono. “Estes são sintomas que, se persistirem, podem evoluir para quadros depressivos”.
Tenório reforça a importância de reconhecer a impossibilidade de cuidar dos outros sem antes cuidar de si mesma. “Quando sabemos quem somos, temos direcionamento, fazemos escolhas assertivas e entendemos nossos próprios limites, assim como nossas potencialidades adormecidas”.
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