O ministro Luis Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou na quinta-feira, 23, que o STF “não vê razão” para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que limita decisões individuais (monocráticas) de ministros da Corte; mas, sete anos antes, ele próprio, em artigo, afirmou que “a crítica ao excesso de decisões monocráticas é procedente” e ainda defendeu “um pacto para que qualquer questão institucionalmente relevante seja decidida colegiadamente”.
O trecho consta no item 1 do capítulo V da retrospectiva “O Supremo Tribunal Federal em 2016: o ano que custou a acabar”, publicada em um site jurídico no qual Barroso faz, tradicionalmente, um balanço anual dos trabalhos no STF. Os subtítulos são emblemáticos: “V. As críticas justas”, “1. Excesso de decisões monocráticas”.
Reproduzo o conteúdo do referido item na íntegra:
“A crítica ao excesso de decisões monocráticas é procedente.
Do total de decisões proferidas pelo Tribunal em 2016 – incríveis 117 mil –, a imensa maioria foi de natureza monocrática.
A explicação é singela: o volume de processos é imenso e o STF realiza cerca de 80 sessões plenárias por ano. Isso significa uma capacidade máxima de julgar cerca de 250 processos anualmente, fazendo o cálculo otimista de três processos por sessão.
Como há no estoque do final do ano que se encerrou 61.816 processos pendentes de decisão, só para julgá-los, admitindo-se, contrafactualmente, que não entrasse mais nenhuma causa nova, seriam necessários 247 anos para liquidar o passivo existente.
Se contabilizássemos os julgamentos em lista e nas Turmas, esse número diminuiria, mas nada que desfizesse o absurdo. Portanto, resta a alternativa monocrática.
Durante a crise, um fenômeno que ganhou destaque foi a ‘monocratização qualitativa’ do STF, isto é, o crescente julgamento de casos de maior relevância política, econômica e social para o país de forma monocrática pelos Ministros do Supremo.
A título exemplificativo, neste ano, Ministros, individualmente, determinaram (i) a anulação do ato de nomeação de Ministro Chefe da Casa Civil, (ii) a abertura de processo de impeachment contra o então vice-Presidente da República, (iii) o afastamento cautelar do Presidente da Câmara dos Deputados do mandato parlamentar e da função presidencial, (iv) o afastamento cautelar do Presidente do Senado Federal, e (v) a suspensão de atos referentes à tramitação do projeto de lei de iniciativa popular de combate à corrupção.
Sem discutir o mérito de nenhuma dessas decisões, o que o Tribunal deveria fazer para reduzir a exposição de sua imagem nesses casos é um pacto para que qualquer questão institucionalmente relevante seja decidida colegiadamente (no Plenário ou na Turma, conforme o caso).
Na hipótese de medidas urgentes, elas devem ser levadas à ratificação na primeira sessão subsequente ou mesmo justificar a convocação de sessão extraordinária.”
O texto da PEC aprovada no Senado com 52 votos a favor (o mínimo eram 49) e 18 contrários na quarta, 22, proíbe decisões monocráticas de ministros, desembargadores e juízes que suspendam a validade de leis e de atos dos presidentes da República, da Câmara e do Senado. Pela proposta encaminhada para votação na Câmara dos Deputados, as decisões para suspensão dessas normas devem ser tomadas de forma colegiada, seja no plenário físico, seja no plenário virtual – instrumento cujo uso, ampliado a partir de 2016, agilizou os julgamentos, enfraquecendo a antiga alegação do imenso volume de processos.
“O Supremo Tribunal Federal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento”, reagiu Barroso após a aprovação.
Mas a maioria dos senadores só decidiu fazer as mudanças que, na essência, ele próprio defendia, porque ministros do Supremo, com a ânsia de poder político e o personalismo que acusam em outros juízes e investigadores, foram incapazes de fazê-las de antemão na Corte.
“Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federal”, completou o presidente do STF.
Na verdade, Barroso apontava o mesmo problema no Supremo e sugeria a mesma solução colegiada. Para seus colegas e sete anos depois para ele, a questão pode não ser (mais) prioritária, mas quem decide as prioridades do Senado são os senadores eleitos pelo povo brasileiro.
O Barroso de 2016 era mais sincero e menos corporativista que o Barroso de 2023.
Um abraço de Gilmar Mendes não vale tamanha transformação.
O Antagonista
Agora Notícias Brasil