Em 4 de novembro de 1963, os Beatles alcançaram o topo da sociedade britânica: diante de um público ilustre vestindo smokings e roupas de gala, John, Paul, George e Ringo, quatro garotos desleixados de classe média da cidade portuária de Liverpool, se apresentaram no Teatro Prince of Wales, em Londres – uma mostra de quão respeitável a banda havia se tornado em apenas alguns meses. No camarote estava ninguém menos que a mãe da então rainha britânica Elizabeth 2ª, a "rainha-mãe", que podia ouvir os gritos das fãs do lado de fora do teatro.
John Lennon, consciente de sua imagem de jovem e rebelde representante da classe trabalhadora, olhou diretamente para a família real e gritou: "Para a última canção, gostaríamos de pedir a ajuda de vocês: aqueles que estão nos assentos mais baratos podem bater palmas; aqueles que estão nos assentos mais caros podem simplesmente chacoalhar suas joias." Apesar dessa pequena insolência, a apresentação foi um sucesso estrondoso.
Posteriormente, os próprios Beatles enfatizaram que o evento foi a prova definitiva de que haviam chegado ao topo – posição que ocupam ainda hoje, quase 43 anos após John Lennon ter sido assassinado e mais de 20 anos desde a morte de George Harrison. Os Beatles são um bem cultural coletivo e adorado em seu país natal, e esse orgulho é sentido de forma muito vívida num lugar em particular: Liverpool.
Partindo de Manchester, é possível ir de trem à cidade dos Beatles, com chegada na estação Lime Street em menos de uma hora. Ou, para quem preferir, também se pode voar diretamente para Liverpool – aterrissando (é claro!) no aeroporto John Lennon.
Da Lime Street são 15 minutos a pé até o hotel Hard Days Night. Situado num prédio enorme de 1884 com paredes elevadas, o hotel quatro estrelas é uma espécie de emboscada acústica e visual eterna movida pelo tema Beatles.
No lobby do hotel, ao som discreto de Can't buy me love, há fotos de todas as fases da carreira global do Quarteto Fantástico. Filmes de shows da banda também podem ser vistos continuamente.
A referência aos Beatles está até mesmo nos mínimos detalhes. No bar, por exemplo, é possível pedir a bebida "Strawberry Fields with Pepper". Já para aqueles que buscam um pouquinho de paz e sossego num dos cerca de 100 quartos disponíveis, não há plaquinha de "Não perturbe" para pendurar na porta: aqui o correto é "Let it be" ("Deixe estar").
No quarto, logo acima da cama, uma imagem grandiosa de Lennon cantando garante que os Beatles não sejam esquecidos nem mesmo durante o sono.
A equipe de funcionários é simpática: "A splendid time is guaranteed for all" ("Momentos esplêndidos são garantidos a todos"), diz o simpático cavalheiro na recepção com um sorriso. A frase é uma alusão à letra de Being for the benefit Of Mr. Kite, do álbum Sgt. Pepper's. E de fato: quem vem aqui, pode esperar momentos incríveis.
Logo na esquina fica a Mathew Street, com seus muitos bares de rock. Bem no início dela, um John Lennon feito de bronze em tamanho real olha pensativo para os muitos visitantes. Estátuas de bronze: é assim que o maior produto de exportação da cidade foi imortalizado por toda parte.
Esculturas como essa também podem ser encontradas a algumas centenas de metros da Mathew Street, no rio Mersey. Lá estão os quatro integrantes da banda eternizados num andar descontraído. Trata-se de um dos pontos turísticos mais famosos de Liverpool, onde muitos turistas aproveitam para tirar fotos ao lado de seus ídolos.
No segundo dia de estadia, na sala de café da manhã (decorada com muitas fotos dos Beatles nas paredes, diga-se de passagem), uma cena chama a atenção: quatro senhoras de mais idade e bem-humoradas, que aparentemente viajaram juntas até aqui, conversam animadamente. É evidente que elas eram adolescentes quando a "Beatlemania" tomou conta da Inglaterra entre 1962 e 1966. O entusiasmo ainda é visível, assim como em muitas gerações depois delas.
Mas o tempo é curto, e pela manhã ainda há um ingresso para o Museu dos Beatles nas antigas docas do rio. O local documenta simplesmente todas as etapas da carreira dos músicos: o início em Hamburgo, na Reeperbahn, as apresentaç?es no Cavern Club, em Liverpool, a Beatlemania, os grandes discos de estúdio a partir de 1965: Rubber soul, Revolver, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band.
Mas este não é o único museu voltado para os Beatles na cidade: há outra exposição bem perto do Cavern Club. O difícil é dar conta de tudo em apenas alguns dias.
Uma dica é pegar uma carona no "Magical Mystery Tour", uma visita guiada de duas horas a bordo de um ônibus psicodélico amarelo.
No trajeto, estão incluídas paradas em frente às casas onde moravam cada um dos músicos, na Penny Lane, é claro, e no orfanato Strawberry Fields. Os detalhes ficam por conta de um alegre guia turístico, que não deixa de mencionar a comunidade religiosa onde Paul McCartney e John Lennon se conheceram durante um festival em 1957 – algo como o "Big Bang" dos Beatles, por assim dizer. Um ar de perplexidade toma conta de todos dentro do ônibus.
Mais tarde, em frente à casa onde nasceu McCartney, o simpático guia turístico revela que Paul ainda vem à sua cidade natal de três a quatro vezes por ano – seu irmão, afinal, ainda mora aqui. E ao chegar na Penny Lane, outra estátua de bronze (quem diria?) de John Lennon.
O divertido passeio termina depois de duas horas no Cavern Club. Demolido na década de 1980, o local foi posteriormente reconstruído (não exatamente no local original, mas quase). Lá se tem a sensação de que o Quarteto Fantástico vai entrar pela porta a qualquer instante: clube lotado, pessoas bebendo e dando risadas. E tudo isso cheirando aos velhos porões de rock 'n' roll.
Depois de quatro dias e muitos gastos numa das inúmeras lojas de souvenirs dos Beatles (camisetas com todas as capas de discos, meias, suéteres, porta-copos de cerveja e uma versão do jogo Banco Imobiliário inspirada na banda), a viagem ao mundo dos Beatles acabou. Ou quase: ainda falta um passeio de balsa no rio Mersey.
A cidade dos Beatles é realmente amigável com seus fãs vindos do mundo todo. O simpático senhor da recepção tinha razão: "Momentos esplêndidos são garantidos a todos!" Quem diria, há 60 anos, que a magia dos Beatles duraria até hoje, quando eles se apresentaram pela primeira vez diante da família real britânica?
Para os fãs dos Beatles que não conseguem vir até Liverpool, uma boa notícia: nesta quinta-feira (02/11) será lançada Now and then, considerada a "última música dos Beatles". Ela foi gravada em 1979 com voz e piano por John Lennon, com os instrumentos dos outros três Beatles adicionados posteriormente. O lançamento da canção se deve à mais moderna tecnologia de estúdio, que foi capaz de reproduzir a voz de John Lennon de forma cristalina a partir da simples gravação da demo.
Um documentário de 12 minutos sobre a criação da música pode ser visto no YouTube. Enquanto isso, a gravadora também está relançando os álbuns Red e Blue em nova mixagem. A lista de faixas foi expandida para incluir 21 músicas adicionais. Ambas as compilações estão disponíveis em CD e vinil.