Há 50 anos, durante a Guerra do Yom Kippur, os confrontos entre árabes e israelenses estiveram por trás de um choque no mercado da commodity que abalou a economia global por anos. Desta vez, depois do ataque terrorista do Hamas a Israel, a expectativa entre analistas é de que não haja um cenário tão extremo, e uma das diferenças é justamente o avanço de novos exportadores no mercado, incluindo o Brasil.
Ainda assim, analistas avaliam que a continuidade ou mesmo a escalada do conflito podem ter efeitos no bolso dos consumidores.
Os maiores temores são de que a guerra evolua e envolva novos atores da região, especialmente o Irã. Até o momento, os conflitos envolvem sobretudo os militares de Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza.
Tanto Israel como a Faixa de Gaza têm menor relevância para o mercado global de petróleo, o que não é o caso do Irã.
Autoridades iranianas deram uma série de declarações contra as ações israelenses na guerra, e grupos apoiados e financiados pelo regime em Teerã, como o libanês Hisbolá e os houthis, no Iêmen, se movimentaram nos últimos dias.
Líderes de Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido alertaram nos últimos dias sobre uma eventual escalada do conflito. Os EUA aumentaram sua presença militar no Oriente Médio.
Em caso da entrada do Irã no confronto, além de uma eventual redução das exportações de petróleo do país, teme-se pelos efeitos no transporte da commodity pelo Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 30% do produto consumido no mundo.
"O conflito atual não envolve diretamente países-chave na produção ou consumo de petróleo cru", resume o analista Raphael Faucz, da Rystad Energy. "Até agora, o principal impacto nos preços decorre do prêmio de risco associado a um possível agravamento do conflito e potenciais impactos em países mais relevantes, como o Irã", afirma.
Mas mesmo um cenário de continuidade no conflito, sem uma escalada, pode ter impacto no preço do petróleo, e, por consequência, nos preços dos combustíveis e na inflação em todo o mundo. Nos últimos dias, uma série de autoridades israelenses alertou para uma "guerra longa" em Gaza, que pode se estender pelos próximos meses.
"Diante disso, prevemos um mercado de petróleo mais restrito do que inicialmente antecipado, sustentando preços em torno de 90 dólares o barril nos próximos trimestres", afirma Faucz.
O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Roberto Ardenghy, também avalia que, caso o conflito se estabilize, o barril de petróleo fique entre 80 e 90 dólares até o final do ano. Nesse cenário, de alta na cotação ante alguns meses atrás, Ardenghy avalia que gasolina e diesel podem ser afetados no Brasil, especialmente por o país depender de importações dos dois derivados.
O professor de macroeconomia Ricardo Hammoud, do Ibmec-SP, diz que a possível elevação do preço do petróleo no mercado internacional pode elevar a inflação no Brasil. A commodity é um dos produtos de maior impacto inflacionário, já que a cadeia produtiva tem o combustível como matéria-prima para o transporte, e, em alguns casos, também para a produção.
Com um eventual "salto" nas cotações, "a desaceleração da inflação nos últimos meses pode parar. É algo que já vimos acontecer outras vezes", afirma Hammoud.
O professor lembra que o Banco Central está num processo de redução de juros e acredita que, caso a alta nos preços do petróleo seja mais forte, a autoridade monetária poderá até ter que interromper esse processo.
Além disso, Hammoud avalia que, em casos de maiores cotações da commodity, a chamada política de preços de paridade internacional, adotada no Brasil, poderá sofrer uma mudança.
É algo que pode ocorrer se o governo perceber que o preço do petróleo no mercado internacional aumentou muito, avalia.
Em sua visão, a Petrobras poderá segurar os preços da gasolina no Brasil, sem repasse do aumento aos consumidores, não mantendo, assim, a paridade. "Os diretores da empresa poderiam alegar que a elevação é temporária, criando um problema para a Petrobras", conclui.