Com Cada Minuto
Tratar sobre educação sexual, seja no ambiente familiar ou nas salas de aula, sempre foi um tabu presente em nossa sociedade. Na última terça-feira (25), o Ministério da Saúde anunciou que retomará a educação sexual e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis como parte do programa Saúde na Escola, criado no ano de 2007. Mas qual a melhor forma de abordar temas como a educação sexual de forma que as crianças não tenham dúvidas sobre o assunto, e que não haja distorção sobre o que é sexualidade e o que é sexo?
Em entrevista ao Cada Minuto, a Terapeuta Sexual, Laylla Brandão, explicou que é fundamental a abordagem do tema para que mais informações sejam fornecidas e adequadas sobre o corpo da criança e do adolescente. Ela explica ainda que, ao ter acesso a essas informações, é possível ajudar a evitar mitos e tabus que podem “levar a concepções erradas que nossa cultura traz”.
“A educação sexual ajuda as crianças a desenvolver uma compreensão saudável sobre o corpo humano, promovendo o respeito próprio e pelos outros. Isso também contribui para prevenir abusos e situações de exploração, ao capacitar as crianças a reconhecer comportamentos inadequados e buscar ajuda”, explicou Laylla.
Ela completa dizendo que a educação sexual ajuda na preparação da criança para a puberdade e as mudanças físicas e emocionais que se dão nessa fase da vida. “Isso pode reduzir a ansiedade e o medo associados a essas transformações naturais”, ressaltou a terapeuta.
“Quando ensinada de maneira apropriada, respeitando a idade e a maturidade emocional a educação sexual pode ser uma ferramenta valiosa para promover relações saudáveis, o consentimento mútuo e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Portanto, é uma abordagem essencial para capacitar as crianças a tomar decisões informadas ao longo de suas vidas”, completou.
Mas e quanto aos pais que não aprovam o tema no ambiente escolar, como abordar o assunto da melhor forma possível? Laylla explica que a educação sexual começa justamente no meio familiar, mas que por sermos “adultos sem educação sexual”, a melhor maneira de tratar o assunto é por meio da informação.
“Na verdade, a educação começa pelos pais/cuidadores. Somos adultos sem educação sexual. Poucos tem essa abertura no meio social e cultura familiar. A melhor maneira é informar! É trazer a consciência e percepções próprias. Algo que é complexo e desafiador pois nossas crenças - muitas vezes falsas - impõe limitações dentro dessa compreensão. A psicoeducação sobre sexualidade precisa ser a base dessa conexão entre pais e a educação sexual”, explicou Laylla.
Confira abaixo outros tópicos abordados pela terapeuta sexual:
Existe uma idade específica para começar a abordar o tema nas salas de aula?
– As crianças dirão! São elas que trarão os seus questionamentos. Começa pelas dúvidas do que são as partes do corpo, o que é o afeto e claro, elas reproduzem tudo que veem dentro das suas relações familiares. É preciso iniciar a partir das dúvidas. Cada criança terá seu momento e elas não tem o erotismo do olhar adulto - o que pega muitos pais/cuidadores - usar termos adequados para compreensão clara das crianças, ser aberto e honesto, sem esconder (aqui está o desafio da linguagem adequada), respeito ao nível de compreensão, alimento da confiança de poder perguntar sem ser reprimido ou punido por isso, trazer ao mundo da criança a possibilidade de compreensão sobre a sexualidade.
Sexualidade não é sexo! Sexualidade é a vivência social, é o auto olhar, é como nos vemos e como nós colocamos no mundo. Falar de sexualidade é falar da própria expressão no meio social. Ela é contínua e cheia de fases que se encaixa a cada idade e conforme seus alcances.
Quais os riscos que uma criança pode correr ao não ter uma boa abordagem sobre esse assunto?
– Vergonha do tema, o não compreender os próprios limites, o não respeito às diferenças e diversidades sociais, vulnerabilidade aos limites próprios- abusos sexuais, emocionais e psicológicos.
Se os pais não tratam do tema no ambiente familiar, qual o melhor método de tratar do tema com as crianças e jovens?
– A educação as escolas é o ótimo começo. Pois é nela que crianças e jovens iniciam suas relações sociais e tem como base as informações que levam para vida.
Quais as práticas de políticas públicas que podem ser adotadas para tratar da melhor forma possível o tema para a sociedade em geral?
– Psicoeducação nas escolas- palestras, informativos, trabalhos grupais. A mídia tem grande peso nesse momento. A veiculação com mais naturalidade do tema é uma grande porta de psicoeduca
E o que pensam os profissionais da educação? Para o presidente do Sindicato dos Professores de Alagoas (SINPRO-AL), professor Eduardo Vasconcelos, questões como os abusos ressaltam a importância da educação sexual dentro das salas de aula, e que é fundamental mostrar para as crianças formas que ela tenham de se protegerem e pedir ajuda – se assim for preciso.
“A importância, primeiramente, está relacionada ao cuidado com a questão dos abusos. Então, é importante, de forma lúdica, de uma forma leve, mostrar para as crianças e também para os adolescentes que, na verdade, há formas de se proteger, de perceber, e de pedir ajuda para minimizar a quantidade de abusos que, infelizmente, é muito alto”, disse Eduardo Vasconcelos.
“Os profissionais devem ser extremamente capacitados, que não é o caso dos professores. E principalmente na rede pública, tanto municipal como estadual, e privada também.
O professor chama a atenção, também, para as escolas de ensino integral, que podem ajudar ainda mais nesse processo educacional e no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.
“Então, até o ensino integral, acaba ajudando com natação, judô, ballet, inglês, porque o ensino integral é isso, que é você ter várias possibilidades de desenvolver várias habilidades e competências em várias áreas do conhecimento. Essas crianças tem maior possibilidade de sociabilidade, de desenvolver essa maturidade, e principalmente de estar em ambientes “mais seguros”. Diferentemente das crianças e adolescentes que estão extremamente vulneráveis à violência sexual, abusos. Então, isso poderia ser constituído por uma equipe multidisciplinar e ser até acompanhada pelo professor, pela professora. Mas não os da linha de frente, que não estão formados para isso”, explica o presidente do SINPRO-AL.
E no ambiente familiar, como o tema que será abordado nas escolas deve ser discutido com os pais sem haver quaisquer dúvidas ou conflitos? Para o professor, é necessário um alinhamento para que o profissional da educação não seja exposto e nem hostilizado.
“Com respeito às famílias, sabemos que vivemos em uma sociedade mais fatiada que uma pizza onde há desde o mais progressista ao extremo conservador. Então, isso deve ser muito bem acordado para não gerar choque, não expor o profissional da educação, seja ele qual for, não só o professor. Isso deve ser avisado e conversado para fazer o alinhamento, porque gera conflitos”, detalhou Vasconcelos, que usou como exemplo o tema abordado fora do Brasil e dos desafios do assunto no país.
“E com certeza a gente sabe que, na verdade, a educação sexual vem sendo trabalhada em outros países de uma forma extremamente eficaz, eficiente. E a intenção não é sexualizar, que leva o lado da educação sexual para o lado da ideologia política. Até política, porque infelizmente a gente vive nesse “azul encarnado”, como se fosse uma cavalhada no interior. Mas é algo que, querendo ou não, pode proteger as crianças e os adolescentes”, afirma o professor.
Para Girlene Lázaro, secretária de assuntos educacionais do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (SINTEAL) e dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), abordar a educação sexual nas escolas é um direito que deve ser inserido no currículo que possa desenvolvido na educação formal. Para ela, é um dever do Estado brasileiro oferecer garantias para a aplicação legal das leis.
“É um dever do Estado brasileiro garantir a aplicação legal das leis, diretrizes e bases na educação do país. Quando se nega esse direito, está se negando saberes, conhecimento. Ou seja, com esse dever renegado, o direito ao saber e ao conhecimento é deixado de lado, e isso traz um prejuízo enorme para o desenvolvimento de uma criança, um adolescente. A educação sexual parte de um currículo integrador onde as crianças e os adolescentes vão se conhecer, também, como ser parte de um todo dentro da sociedade. E que seu corpo é um corpo que tem funções e que ele precisa conhecer os aspectos e como se desenvolve durante o crescimento. Sexualidade faz parte do desenvolvimento do ser humano, sem discriminação, preconceito e a escola é o melhor lugar para que essa educação seja ofertada, porque é um espaço formador”, explica Girlene, que afirmou que o apoio da família também é fundamental nesses casos.
Veja outros trechos da entrevista com Girlene Lázaro:
CONHECIMENTO POR MEIO DA EDUCAÇÃO SEXUAL
Girlene Lázaro: “Assim como a educação, de uma forma geral, ela tem que estar trazendo conhecimento que possa servir para a vida de todos nós, a educação sexual também nos traz elementos do conhecimento do nosso corpo, da nossa sexualidade, onde a gente vai desenvolver o respeito a nós, ao próximo e nos preparar para evitar abusos, violência e negações de direitos".