29/06/2024 08:22:43

Acidente
28/05/2023 10:00:00

Alunos de medicina do Fies cogitam largar curso por causa de teto do financiamento e alta de mensalidades

Programa financia, no máximo, R$ 8,8 mil por mês, mas faculdades privadas cobram mais de R$ 10 mil. Essa diferença precisa ser paga todo mês pelos estudantes. Quando faculdades reajustam as mensalidades, o valor fica ainda mais alto.


Alunos de medicina do Fies cogitam largar curso por causa de teto do financiamento e alta de mensalidades

A estudante de medicina Girlene Soares, de Campina Grande (PB), é categórica ao dizer que o Fies “perdeu seu viés de inclusão social”. De um semestre para o outro, a parcela que a jovem precisa pagar diretamente à faculdade sofreu um aumento significativo: saltou de R$ 225 para R$ 946.

“Minha família é da zona rural. Eu comprovei a renda de um salário mínimo (R$ 1.320), mas agora preciso pagar quase isso por mês? Como que se vive assim?”, diz.

Os problemas do programa, apontados por Girleine e por outros estudantes ouvidos nesta reportagem, são resultado de ações tomadas pelo governo federal em 2016 (e mantidas até hoje) para tentar diminuir os prejuízos que o Fies traz aos cofres públicos.

Veja abaixo quais são essas medidas que, como consequência, levam alunos de baixa renda a pensar em desistir do curso:

???? Teto de R$ 8.800: Especificamente em medicina, o programa financia, no máximo, R$ 8.800 por mês, que devem ser pagos pelo aluno só depois da formatura. Mas as faculdades cobram bem mais do que isso: em média, R$ 10 mil (há exemplos que chegam a R$ 15 mil). A diferença precisa ser quitada a cada mês pelo estudante — é a chamada coparticipação, que está pesando no orçamento dos jovens mais pobres.

“Depois que atingimos o teto, toda vez que a faculdade reajusta a mensalidade, esse aumento recai sobre nós, alunos. Comecei com 225 reais, já estou mais de 900 reais todo mês. Eu penso em desistir do curso, mas como que vou pagar a dívida que já assumi no Fies, se não me formar? Não vou nem ter profissão”, conta Girlene.

???? Porcentagem limitada de financiamento: De 2010 a 2015, o Fies financiava a mensalidade inteira dos alunos. Depois disso, a regra mudou: atualmente, a porcentagem de cobertura nunca chega a 100%. Tudo depende da renda familiar do estudante. Quanto menor o salário médio da família, maior a fatia da mensalidade que poderá ser paga só depois da formatura.

Exemplo: na mesma faculdade, que custa R$ 10 mil por mês, um estudante com renda familiar per capita de 1,5 salário-mínimo pode conseguir cerca de 85% de financiamento (e não 100%). Com 3 salários-mínimos (o máximo permitido para o programa), seriam só 58% financiados.

Essa questão afeta Gabrielle Gonçalves, aluna do 3º ano de medicina de uma faculdade privada de Paracatu (MG), cuja mensalidade é de R$ 9.558. Por causa dos critérios de renda, mesmo sem ter uma condição de vida confortável, a jovem conseguiu “apenas” 78% de financiamento – ou seja, precisa pagar R$ 2.103 todo mês.

“No começo, era mais barato. Eu pagava R$ 800, com a ajuda da minha família. Mas aí a faculdade aumentou”, diz Gabrielle. "Todo ano, há um reajuste, e a porcentagem de cobertura do financiamento não aumenta. Vai ficando insustentável. Estou escolhendo quais contas pagar no fim do mês”, diz.

“É um medo de nadar, nadar e morrer na praia; chegar à metade do curso e não poder continuar. É um caminho sem volta: se eu largar tudo, vou ficar sem diploma e com uma dívida altíssima. Estou desesperada.”

Role as telas abaixo para ver um exemplo prático de como o Fies afeta as finanças de um jovem de baixa renda. Em seguida, continue a ler a reportagem para:saber por que essas regras existem;Ao g1, o Ministério da Educação (MEC) afirma que está em curso um Grupo de Trabalho (GT) que estuda mudanças possíveis no Fies. Diz também que os recursos financeiros são limitados e que as regras acima listadas garantem a sustentabilidade financeira do programa 

Nos últimos anos, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), as prestações atrasadas dos alunos levaram a um rombo nas contas públicas. São R$ 11,3 bilhões em parcelas que já deveriam ter sido pagas.

A seguir, veja depoimentos de outros alunos de medicina que se sentem prejudicados pelas regras atuais do Fies:

'Infelizmente, estou vendo meu sonho de ser médico ir para o ralo'

João Victor trancou a matrícula na faculdade de medicina por causa das taxas de coparticipação do Fies — Foto: Arquivo pessoal

João Victor Monteiro, de 24 anos, estudava medicina em Salvador, mas pediu transferência para a sua cidade-natal, Rio de Janeiro, depois que sua avó adoeceu.

O que ele não esperava é que, com a mudança para uma instituição de ensino mais cara, a coparticipação que ele passaria a pagar saltaria de R$ 2.430 para R$ 6.086 por mês — a existência do teto nas regras do Fies faz com que o financiamento não acompanhe a subida de preço.

Para o jovem, ficou impossível bancar esse valor, e ele teve de trancar a matrícula.

“Minha vida mudou drasticamente. Eu era uma pessoa feliz, um dos melhores alunos da sala. Moro no Complexo do Alemão [comunidade no Rio] e seria a primeira pessoa da família a se formar”, conta.

“Queria continuar estudando, mas não vejo saída. Aqui no Rio, as faculdades que aceitam Fies são absurdamente caras, com coparticipações de R$ 4 mil ou R$ 5 mil. Se o governo não mexer em nada [nas regras do Fies], não vai ter jeito. Infelizmente, estou vendo meu sonho de ser médico ir para o ralo.”

'Todo ano, eu passo no Fies, mas tenho medo de me matricular'

Thaís tem receio de se matricular em uma faculdade de medicina pelo Fies — Foto: Arquivo pessoal

Thaís Paschoalon, de 24 anos, consegue ser aprovada no Fies desde 2020, mas não chega a efetivar a matrícula, por causa dos altos valores da coparticipação.

“Conversando com outros estudantes, soube que, como as mensalidades vão sendo reajustadas, os aumentos são repassados para a gente. Em São José do Rio Preto (SP), onde eu conseguiria estudar neste ano, já começaria em R$ 1.980. Não tem a menor condição”, diz.

Ela continua estudando, com o objetivo de passar em uma universidade pública.

O que diz o governo?

O Ministério da Educação (MEC) afirma que tanto a criação do teto quanto o financiamento atrelado à renda são medidas que garantem a sustentabilidade financeira do fundo, “uma vez que os recursos são limitados e não devem ultrapassar a capacidade financeira do governo”.

As duas regras também buscam, segundo a pasta, “incentivar as instituições a oferecerem mensalidades mais acessíveis e competitivas” e “evitar o endividamento excessivo dos estudantes”.

Em março, o MEC instituiu um grupo de trabalho para refletir sobre mudanças estruturais do Fies.

Quando a situação saiu do controle?

Camila Furlan da Costa, professora do curso de administração pública e social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que, entre 2010 e 2014, houve um "boom" do Fies: com critérios mais flexíveis e juros baixos, o número de novos contratos disparou.

Em 2016, estudos do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tesouro Nacional identificaram problemas nos custos do programa. Os altos índices de inadimplência dos estudantes causavam prejuízos aos cofres públicos, já que é o governo federal que fica sem receber o dinheiro, após atrasos nos pagamentos.

Nesse contexto, foram instituídas novas regras para o Fies – como, por exemplo, a criação desse teto no financiamento das mensalidades.

“Esses limites estão relacionados a uma tentativa de reduzir os custos do programa e de reduzir a inadimplência”, afirma Costa.

E as universidades privadas, o que dizem sobre o teto?

É importante esclarecer que, quando há um atraso no pagamento das parcelas após a graduação, quem arca com a dívida é o governo — as faculdades privadas não levam esse prejuízo.

Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), defende que o teto do financiamento seja abolido para os estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. “Todo ano, temos reajuste das semestralidades e o mesmo problema: alunos vulneráveis do ponto de vista financeiro precisando abandonar os estudos”, afirma.

A  Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) afirma que o ideal seria o “Fies 100%”.

“As pessoas de baixa renda estão sendo excluídas do ensino superior”, diz.

g1

 



Enquete
Se a Eleição municipal fosse agora em quem você votaria para prefeito de União dos Palmares?
Total de votos: 397
Notícias Agora
Google News