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Saúde
19/05/2023 08:00:00

Aids: “Os pacientes eram estigmatizados”, lembra cientista francesa 40 anos após descoberta do HIV


Aids: “Os pacientes eram estigmatizados”, lembra cientista francesa 40 anos após descoberta do HIV

Há 40 anos, a descoberta do vírus da Aids por uma equipe de cientistas parisienses do Instituto Pasteur marcou a primeira etapa na luta contra uma doença que causaria mais de 40 milhões de mortes.

O "isolamento" do novo vírus foi noticiado em 20 de maio de 1983 em um artigo publicado na revista americana Science. Os autores da descoberta, Françoise Barré-Sinoussi, Jean-Claude Chermann e Luc Montagnier, adotam um tom cauteloso: esse vírus “poderia estar envolvido em diversas síndromes patológicas, incluindo a AIDS”, escreveram os franceses na ocasião.

A pesquisa sobre Aids na época ainda era muito incipiente, e a doença, uma imensa novidade tanto para a sociedade quanto para a ciência, escondia muitos mistérios.

“Foi uma corrida contra o tempo, porque percebemos que o vírus era transmitido pelo sangue, sexualmente e de mãe para filho. Foi preciso mobilizar outras equipes: imunologistas, biólogos moleculares, clínicos e pacientes, sabendo que na época não teríamos tempo de encontrar um tratamento para salvar os doentes. Ficamos cara a cara com pessoas que vinham ao Instituto Pasteur para nos fazer perguntas sobre o vírus. Humanamente falando, foi muito difícil”, lembra Françoise Barré-Sinoussi.

Os primeiros alertas foram emitidos nos Estados Unidos dois anos antes, quando doenças raras, como a pneumocistose e o sarcoma de Kaposi, foram relatadas no verão de 1981 entre jovens homossexuais americanos. Os médicos, então, se perguntam: por que essas infecções "oportunistas", que geralmente acometem pessoas muito frágeis, estariam afetando jovens gays que gozavam de perfeita saúde?

“Epidemia entre gays e drogados”

Especialistas americanos falavam de uma "epidemia entre gays e usuários de drogas", quando a doença ainda não tinha nome, mas continuava se espalhando rapidamente.

Cientistas logo observariam que a população haitiana também era afetada, e começam a chamar a enfermidade de "doença dos três Hs", em uma referência a homossexuais, viciados em heroína e haitianos, os três grupos mais afetados.

Um quarto "H" seria adicionado em breve: o de hemofílicos, fazendo com que a identificação provisória evoluísse para a "doença dos quatro Hs". O termo Aids (sigla em inglês para síndrome da imunodeficiência adquirida) só seria usado a partir de setembro de 1982.

“De repente me deparei com coisas que nunca imaginei serem possíveis, como a falta de tolerância do público em geral com certas populações. Na época, os pacientes eram estigmatizados, afastados por familiares, amigos, às vezes profissionais de saúde. Alguns perderam suas casas, seus empregos. Também aprendi muito sobre as desigualdades que infelizmente podem ter piorado ainda mais hoje nos países ricos”, enfatiza Barré-Sinoussi.

A causa da Aids permaneceu desconhecida por algum tempo. Alguns estudiosos considerariam a hipótese de se tratar de um "retrovírus", a exemplo de Robert Gallo, grande especialista americano dessa família de vírus causadores de câncer.. 

Instituto Pasteur

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, em Paris, um laboratório de oncologia viral do Instituto Pasteur mergulhava na pesquisa sobre este novo episódio de saúde pública, sob a liderança de Luc Montagnier.

No início de 1983, o infectologista Willy Rozenbaum coletou uma amostra dos gânglios linfáticos de um paciente em estágio inicial de Aids, no hospital Pitié-Salpêtrière, em Paris. Sua amostra chega às bancadas do laboratório do Instituto Pasteur em 3 de janeiro. “Ao anoitecer (...) comecei a trabalhar”, conta Montagnier, falecido em 2022, em seu livro “Des virus et des hommes”.

Em parceria com Françoise Barré-Sinoussi e Jean-Claude Chermann, ele detecta um novo retrovírus, que eles chamam de LAV (Lymphadenopathy Associated Virus). "Isolamos o vírus, demonstramos que era um retrovírus, mas ainda não tínhamos certeza de que era a causa da Aids", lembra Françoise Barré-Sinoussi.

A publicação em maio de 1983 na Science sobre a descoberta é recebida com ceticismo, principalmente por Robert Gallo. Mas a equipe do Pasteur fica cada vez mais convencida de que seu LAV é responsável pela Aids. Montagnier apresentou dados nesse sentido em setembro de 1983 a um grupo de especialistas, incluindo Gallo, o que causou pouca reação.

"Durante um ano, sabíamos que tínhamos o vírus certo (...) mas ninguém acreditou em nós e nossas publicações foram recusadas", relatou Luc Montagnier.

HIV

Em uma reviravolta, Gallo apresenta, em 1984, uma série de artigos anunciando sua descoberta de um novo retrovírus, o HTLV-3, apresentado como a "causa provável" da Aids. Em 23 de abril, Margaret Heckler, secretária de Saúde dos Estados Unidos, formaliza o anúncio com Gallo.

No mesmo dia, ele deposita nos Estados Unidos um pedido de patente para um teste de triagem de Aids, com base em sua descoberta, que foi prontamente concedido. Um pedido semelhante, feito anteriormente pela equipe do Instituto Pasteur, após sua descoberta do LAV, havia sido negado.

No entanto, Gallo e Montagnier rapidamente concordam que HTLV-3 e LAV são provavelmente o mesmo organismo. A prova de sua singularidade foi dada em janeiro de 1985. Este novo vírus foi finalmente denominado HIV (vírus da imunodeficiência humana) em 1986.

“Todos os níveis da sociedade foram afetados pelo HIV-Aids, que sempre foi uma batalha múltipla: científica, claro, mas também política, social, contra as empresas farmacêuticas”, destaca Barré-Sinoussi.

Nobel

A França e os Estados Unidos disputaram a paternidade da descoberta até 1987, data de um acordo franco-americano em que Gallo e Montagnier foram qualificados como "co-descobridores" do vírus da Aids.

Essa disputa não é apenas uma questão de honra científica. É sobretudo uma questão financeira por causa dos royalties retirados dos testes de triagem resultantes diretamente das descobertas. O verdadeiro reconhecimento aconteceria apenas em 2008, com a entrega do Prêmio Nobel de Medicina apenas aos franceses Montagnier e Barré-Sinoussi "pela descoberta" do HIV.

“Quando soube [da premiação], estava no Camboja. Foi uma grande surpresa, não esperava nada disso. As pessoas que vivem com HIV neste país vieram até mim com sorrisos e buquês de flores. Entendi que esse prêmio reconhecia uma comunidade que trabalhou unida desde o início. De repente, percebi que tinha uma responsabilidade: era meu dever ser a voz das pessoas afetadas pela Aids”, conclui Barré-Sinoussi.

Em 40 anos de pesquisas em busca de uma vacina contra o HIV, apenas nove testes em larga escala foram realizados no mundo. O laboratório Janssen, que testava as vacinas do projeto Mosaico em 3,9 mil pessoas desde 2019, interrompeu recentemente seu projeto diante da falta de resultados satisfatórios.

(Com informações da AFP)

msn

 



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