Criada sob o guarda-chuva do Ministério da Cultura, em 1988, a Fundação Palmares tem a missão de celebrar, proteger e promover a cultura afro-brasileira. Os anos da gestão do ex-presidente da instituição, Sérgio Camargo, um dos mais notáveis nomes do bolsonarismo, ficam cada vez mais no passado. Camargo foi acusado de desvirtuar os valores da Fundação com ações que contrariaram diversos representantes de movimentos sociais, além de falas polêmicas.
O recém-empossado João Jorge Rodrigues ascende como um nome que traz o esforço de reconstrução. Um dos fundadores do grupo Olodum, ele foi indicado pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, ainda em dezembro, mas chegou oficialmente a Palmares em 21 de março.
Reconhecendo território, Rodrigues publicou uma portaria revertendo a exclusão de personalidades negras da galeria da instituição — ato efetivado durante a gestão de Camargo, que retirou nomes como Gilberto Gil e Zezé Motta. Em esforço contrário ao de seu antecessor, Rodrigues avisa que a prévia lista de 81 passará a contar com 350 nomes. "Imagine o país que não consegue agradecer aos seus, que não tem referências", argumenta, em entrevista ao Correio.
O baiano João Jorge, militante do movimento negro, advogado e mestre em direito público, destaca também a prioridade de recuperar a credibilidade da Fundação Palmares e a urgência na luta da igualdade racial. Confira os principais trechos.
Como ficarão as personalidades excluídas da galeria da Fundação pela gestão de Sérgio Camargo?
Primeiro, é uma vitória do movimento social recuperar a homenagem [a esses personagens] no site, em um compromisso com a população negra. Porque contribuíram profundamente com o Brasil, para a sociedade, para as lutas pela democracia. Em especial, contribuíram com a vida do Brasil. Nós revogamos a portaria 189, de 2020, e no lugar estamos pesquisando pelos novos nomes, que serão incríveis. Por exemplo, Benedita da Silva volta a ser homenageada, Zezé Motta, Martinho da Vila, Leci Brandão, Januário Garcia, Helena Theodoro, a advogada Esperança Garcia.
O número aumentará muito. De 81 nomes, a expectativa é passar para 350. Essas homenagens são referências simples a pessoas que fizeram coisas muito importantes. A Fundação Palmares vai dizer quem são essas pessoas, o que fizeram e como ajudaram o Brasil a ser o que é hoje, em uma justa homenagem. Imagine o país que não consegue agradecer aos seus, que não tem referências. Não são nem monumentos, é apenas a citação de que tais pessoas contribuíram.
Quais as estratégias para que o protagonismo afro-brasileiro seja recuperado?
Há uma energia civilizatória afro-brasileira que precisa ser referenciada e tratada com a dignidade que merece. Recolocar o protagonismo afro-brasileiro, a herança africana contemporânea no seu devido lugar. Não entramos no mérito de quem tentou apagar isso, porque há quem não goste da luta indígena por terra, da luta dos ianomâmis, mas as consequências são devastadoras. É a mesma coisa com a população negra. A luta dos quilombos, pela liberdade religiosa, do acesso à universidade, é uma brilhante luta da humanidade. Há uma luta brilhante contra a barbárie na África do Sul, contra o racismo nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. E há uma luta brilhante pela igualdade do movimento negro brasileiro.
As novas regras da Lei Rouanet preveem novas linguagens artísticas, chamadas de Projeto de Cultura Afro-brasileira e Expressões Urbanas. Como o senhor avalia essa mudança?
A Lei Rouanet precisava de vários ajustes: territorial, com mais projetos do Nordeste, do Norte, do Centro-Oeste e precisava também de um recorte de gênero e de diversidade da questão racial. Ora, quando você inclui o rap, o punk, o reggae, a música de periferia, se dá sentido à voz do criado, incentivo, investimentos, apoio. Ao mesmo tempo, a população afro-brasileira é de mais de 105 milhões de pessoas. São muitos países dentro de um só.
Quando você pega a Lei de Incentivo à Cultura, em que a população negra é grande em contribuição, e não ter os recortes para o funk, jazz, blues, samba-reggae, não faz o menor sentido. Então é um avanço. A lógica da ministra Margareth Menezes é avançar para que a cultura seja inclusiva. A lógica da Fundação Palmares é essa: de inclusão, de diversidade, e, ao mesmo tempo, trabalhar bastante na defesa dos quilombos — urbanos também. Dos setores onde estão as mulheres negras, empresariado negro, tombamento de espaços bacanas, como do Cais do Valongo.
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