MSN - A manobra da bancada
religiosa para incluir no conteúdo da proposta de emenda à Constituição (PEC)
181/2015 uma restrição ao aborto pode deixar milhares de famílias de bebês
prematuros sem resposta. A proposta original era para aumentar o tempo da
licença-maternidade nesses casos, mas devido à inclusão do novo tema, a
tramitação do texto deve ser paralisada.
A proposta original, aprovada
pelo Senado por unanimidade em 2015, altera o artigo da Constituição sobre
direitos trabalhistas, para estender a licença hoje de 120 dias para o número
de dias que o bebê ficou internado, com limite de até 240 dias.
Moradora de Campo Grande (MS), a
pedagoga Karen Crystina Godoy (34) quase ficou desempregada após Miguel nascer,
em 2013, com 28 semanas. "Ele ficou 81 dias hospitalizado. Saiu com 1,910
quilo e tive de levar na maternidade até ter 2,5 quilos. Me sobraram 39 dias e,
por ele ter saído com baixo peso do hospital, tive de dar atenção
especial", conta.
A licença acabou em 2 de
dezembro. Karen perguntou à chefe se poderia levar o filho para a escola onde
ela professora, mas teve o pedido negado. Ela então recorreu ao INSS e
conseguiu emendar a licença com as férias escolares. Se não fosse possível,
teria deixado o mercado de trabalho.
Miguel nasceu prematuro devido à
uma infecção urinária da mãe. No hospital, foi identificada uma lesão no
cérebro e problemas respiratórios.
Eu e meu marido somos bem
católicos e devotos de Nossa Senhora. A gente foi para Aparecida na época,
fazer promessa, mas no fim, graças à Deus, ele não teve sequela nenhuma. Mas é
bem difícil porque você acha que a criança está evoluindo bem, aí ela desanda
tudo de novo. Ele já estava indo respirar sozinho e ele voltou a ser entubado.
É cada grama uma vitória.
Ranking da prematuridade
Em 2015, o nascimento de bebês
prematuros, com menos de 37 semanas, foi de quase 327 mil, o equivalente a
10,8% do total, de acordo com o Ministério da Saúde. O Brasil é o 10º país no
ranking da prematuridade, de acordo com o estudo Born Too Soon realizado pela
ONG americana March of Dimes.
De acordo com Denise Suguitan,
fundadora e diretora executiva da Associação Brasileira da Pais, Familiares,
Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuro (Prematuridade.com), muita mães não conseguem retomar a carreira após o
nascimento devido à limitação da licença-maternidade.
"Elas acabam saindo do
mercado de trabalho porque quanto tu tens que optar por cuidar de um filho que
precisa da tua assitência, a primeira coisa é abandonar o trabalho. Isso acaba
impactando muito na vida da mulher porque ela abandona o emprego, às vezes não
consegue retomar a carreira depois", afirmou ao HuffPost Brasil.
Nutricionista com experiência de
cinco anos em UTI neonatal, Suguitan também destaca os impactos para a relação
entre mãe e filho e para a saúde da criança. Ela ressalta que em casa, por
exemplo, a mãe tem condições de manter por mais tempo o aleitamento.
Tem a questão afetiva. Tem mãe
que acabou a licença e o bebê ainda está internado ou recém teve alta e ela já
tem que voltar a trabalhar. Acaba que muitas vezes não faz o vínculo com o
bebê, não se sente mãe realmente, não tem tempo para ficar em casa e curtir o
filho. Quando o bebê está na UTI, por mais que a mãe seja envolvida no cuidado,
que seja uma UTI humanizada, ainda é uma UTI.
Prematuros de 33 a 36 semanas
tem taxa de sobrevivência de 95%, mas têm maior risco de paralisia cerebral
leve e atraso no desenvolvimento comparados a bebês que nascem a partir da 37ª
semana. No caso de prematuros de 22 semanas, a taxa de sobrevivência fica entre
2% a 15%.
De acordo com a especialista da
ONG com representação em 12 estado, alguns fatores explicam o alto índice no
País, como a gravidez na adolescência entre mulheres de classe social mais
baixa e a gestação tardia, algumas vezes por meio de tratamentos de
fertilidade, nas classes mais altas.
"Além disso, estudos da
Fiocruz e da Unicamp mostram que no serviço público, o encaminhamento das
gestantes é deficitário", afirma Suguitan. Ela destaca ainda o alto número
de cesáreas sem indicação médica como fator que aumenta a prematuridade.
Cavalo de Tróia
Aprovada em uma comissão da
Câmara dos Deputados em 8 de novembro, a PEC estabelece que a vida começa na
concepção, o que abre caminho para o fim das previsões de aborto já autorizadas
pelo Código Penal, como nos casos de estupro ou risco de vida da mãe.
A inclusão desse trecho foi uma
reação da bancada religiosa à decisão do Supremo Tribunal Federal, que em
novembro, decidiu, em um caso específico do Rio de Janeiro, que o aborto até a
12ª semana de gravidez não deveria ser criminalizado. Na sequência, a Câmara
instalou a comissão especial para discutir a PEC da licença-maternidade e
alterou o conteúdo do texto, o que deu à proposta o apelido de "Cavalo de
Tróia".
Após a votação no colegiado,
contudo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou
que "proibir aborto no caso de estupro não vai passar". A proximidade
com deputados de partidos como PT e PCdoB e a prioridade para pautas econômicas
deve manter a proposta polêmica fora do radar do democrata.
Diante desse cenário, as mães de
prematuros estão de mãos atadas. O regimento das Casas legislativas impede a
apresentação de uma nova PEC sobre o mesmo tempo enquanto esta não for votada.
Por outro lado, não é possível tratar do assunto por meio de um projeto de lei
porque a licença-maternidade está prevista na Constituição.
Cientes da polêmica sobre
aborto, a associação procurou deputados, inclusive o relator, Tadeu Mudalen
(DEM-SP) para tentar convencê-los a não incluir o trecho da concepção no texto
antes da votação no colegiado, mas a luta foi vencida. "Tentamos várias
estratégias, mas infelizmente não deu", conta a fundadora da Prematuridade.com.