Estudo
internacional, coordenado por pesquisadores brasileiros e publicado hoje (23)
na revista Nature Ecology and Evolution,
aponta perda significativa de espécies nativas do Cerrado nos próximos 30 anos
se o ritmo atual de desmatamento do bioma continuar. A razão para isso é que há
4.600 espécies de plantas endêmicas no bioma, que não existem em nenhum outro lugar
do planeta. Os pesquisadores projetam um quadro de extinções de espécies de
grande magnitude se nada for feito.
Eles estimam que até 1.140
espécies podem desaparecer pelo desmatamento acumulado. “Esse é um número oito
vezes maior do que todas as espécies registradas como extintas no mundo até
hoje”, disse o coordenador da pesquisa, Bernardo Strassburg. Desde o ano de
1.500, quando foram feitos os primeiros registros das espécies de plantas no
planeta, 139 foram declaradas oficialmente extintas.
Segundo Strassburg, o Cerrado já
perdeu metade da área original. “Se tudo continuar no cenário que a gente chama
de tendencial, vai perder um terço do que sobrou nas próximas três décadas”. O
Cerrado já perdeu 88 milhões de hectares, o equivalente a 46% da cobertura
nativa.
Isso gera problemas ambientais de
diversas naturezas. A crise hídrica que a Região Centro-Oeste, onde se situa o
Distrito Federal, enfrenta no momento seria agravada pela falta do bioma e
também haveria a emissão de gases de efeito estufa de 8,5 bilhões de toneladas
de gás carbônico. “Isso tudo seria consequência direta do desmatamento
projetado para os próximos 30 anos”, disse Strassburg.
Secretário executivo do Instituto
Internacional para a Sustentabilidade e coordenador do Centro de Ciências para
a Conservação e Sustentabilidade da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio), Strassburg destacou que o Cerrado é um hotspot mundial
de biodiversidade (região biogeográfica que é simultaneamente uma reserva de
biodiversidade e pode estar ameaçada de destruição).
Segundo a pesquisa, esse cenário
pode ser evitado sem comprometer o aumento da produção agrícola programado, que
projeta em torno de 15 milhões de hectares de expansão de soja e cana-de-açúcar
nos próximos 30 anos no Cerrado.
“Isso tudo pode ocorrer, desde
que dentro de áreas já desmatadas, que hoje são usadas como pastagens de baixa
produtividade. Você melhora a produtividade de pastagens em outros locais,
libera algumas pastagens para soja e cana, faz toda essa expansão. Esses 15
milhões de hectares cabem na metade do Cerrado que já foi desmatada sem
necessidade de desmatamento adicional”, ressalta.
De acordo com Strassburg, o
Código Florestal Brasileiro estima que os fazendeiros terão que restaurar 6
milhões de hectares, o equivalente a 6 milhões de campos de futebol, caso
queiram ficar em conformidade com a lei. O artigo da revista mostra, ainda, que
restaurar esse volume de vegetação nativa é bom, mas que, se isso for feito nas
áreas otimizadas para proteção das espécies, será possível evitar 83% desse
quadro projetado.
“Ou seja, se você expande a
agricultura para áreas já desmatadas e restaura o Cerrado nas áreas mais importantes
para as espécies, você consegue evitar 83% do quadro projetado”, disse o
pesquisador.
O estudo cita um conjunto de oito
políticas públicas e privadas existentes, algumas em aplicação no Cerrado e
outras na Amazônia, mas sugere que algumas delas, como o caso da Moratória da
Soja, por exemplo, deveriam ser estendidas para o Cerrado. Strassburg
ressaltou, porém, que esse mix de políticas precisa ser
coordenado entre si e financiado de forma apropriada.
Além da Moratória da Soja,
implantada na Amazônia, que praticamente eliminou a conversão direta de áreas
de floresta para o cultivo da soja na região, as políticas em vigor incluem a
expansão da rede de áreas protegidas, uma vez que o Cerrado tem hoje menos de
10% de sua área protegida em unidades de conservação. Para Strassburg, também é
importante aumentar o financiamento para conservação, inclusive com verbas
oriundas de projetos de combate às mudanças climáticas.
Ele acrescentou que, além disso,
políticas nacionais, estaduais e municipais diretamente focadas na preservação
de espécies ameaçadas precisam ser fortalecidas. Strassburg citou o Plano de
Agricultura de Baixo Carbono, do Ministério da Agricultura, que poderia ser
implementado em maior escala, com a preocupação de orientar a expansão da soja
e da cana para áreas já desmatadas e melhorar a pecuária em outras áreas.
Para tudo isso funcionar,
Strassburg considera essencial um planejamento espacial estratégico para
identificar as áreas prioritárias para a conservação e restauração da vegetação
nativa e aquelas em que a expansão da agricultura teria menor impacto no meio
ambiente, além de serem boas para a atividade agrícola.
O estudo conta com a parceria dos
ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações.
O diretor do Departamento de
Conservação de Ecossistemas do MMA, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, é um
dos autores do artigo e, segundo Strassburg, espera que o trabalho seja útil
para a formulação de políticas públicas ambientais no país e também para
mobilizar o apoio necessário para a preservação do Cerrado. <> Agência
Brasil – EBC //