As regiões do
Brasil que apresentam os piores indicadores sociais são também as que
apresentam a maior concentração de crianças e adolescentes em comparação a sua
população total. É o que mostra a publicação Cenário da Infância e Adolescência
no Brasil, divulgada hoje (21) pela Fundação Abrinq e que faz uma compilação de dados públicos e
oficiais recentes sobre o assunto.
O Brasil tem
atualmente 60,5 milhões de crianças e adolescentes até 19 anos. A maior parte
dessa população está na região Sudeste, onde vivem cerca de 18,6 milhões de
crianças e adolescentes.
No entanto, é nas
regiões Norte e Nordeste onde a proporção de crianças e adolescentes -
comparada à população total - é mais elevada. E é justamente lá que estão os
piores indicadores sociais.
Vulnerabilidades
“As regiões que
convivem com os piores indicadores, seja de pobreza ou de acesso a serviços de
saneamento básico, educação de qualidade e saúde, são exatamente as que têm uma
concentração maior de população entre 0 e 19 anos. Ou seja, onde há mais desafios
a serem enfrentados, são exatamente as regiões onde há mais crianças e
adolescentes. Isso é uma combinação um tanto perversa da realidade”, disse
Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq, em entrevista
hoje à Agência Brasil.
Na Região Norte,
por exemplo, o número de crianças e adolescentes representa 36,6% da população
total, enquanto no Nordeste essa proporção soma 32,8%. No Sudeste, o número de
crianças e adolescentes corresponde a 26,9% do total.
“O
desenvolvimento dessas crianças e adolescentes do Norte e Nordeste é muito mais
difícil do que nas outras regiões. As regiões mais desenvolvidas convivem com
outros tipos de vulnerabilidade, relacionados à violência e ao trabalho
infantil. Mas nas regiões mais pobres há uma superposição de vulnerabilidades.
Ou seja, tudo o que eles precisariam e teriam direito de acordo com a nossa
legislação, como educação de qualidade e saúde, eles não tem. As estatísticas
demonstram que há uma concentração de diferentes vulnerabilidades nessas regiões
mais pobres”.
Avanços desiguais
Segundo Heloisa, o Brasil
apresentou avanços nos últimos anos, mas que não foram distribuídos de forma
igualitária pelas diferentes regiões. “A média [dos dados estatísticos] ainda
esconde muitas desigualdades. Embora muitas coisas tenham sido feitas, com
políticas direcionadas à pobreza e à população de extrema pobreza, muitos
desafios ainda permanecem, em todas as áreas”, disse.
De acordo com ela, essa realidade
não pode ser alterada apenas com a distribuição de renda mínima para as
famílias mais carentes. “Precisamos olhar a pobreza com todas as faces que ela
tem. Não posso achar que, ao garantir uma renda mínima para a família, estou
tirando ela da condição de pobreza. Se ela não tiver acesso à água, ao
esgotamento sanitário, se não tiver moradia adequada e acesso a oportunidades
de trabalho, educação e saúde, essa família vai continuar pobre”.
“A pobreza é mais complexa do que
o acesso a uma renda mínima. É preciso que as políticas públicas tenham um
olhar multidimensional para as questões da pobreza. E devem ser priorizadas, é
claro, as áreas onde há uma combinação maior de vulnerabilidades sociais,
principalmente onde há mais crianças e adolescentes”, acrescentou a
administradora executiva da Fundação Abrinq.
Trabalho infantil
A publicação demonstrou ainda que
as condições do trabalho infantil no país estão mais precárias. Embora tenha
ocorrido redução no número de crianças e adolescentes em situação de trabalho
infantil na faixa de 10 a 17 anos, houve aumento de 8,5 mil crianças de cinco a
nove anos ocupadas. No Brasil, o trabalho infantil é totalmente proibido até a
idade de 14 anos. Entre os 14 e 16 anos, o adolescente pode trabalhar, mas se
isso envolver um processo de aprendizagem ou de formação.
“Em geral, o trabalho infantil
hoje, diferente do que era há 20 anos, não está mais na cadeia formal de
trabalho. Empresa nenhuma contrata crianças e adolescentes. Esse trabalho
infantil está mais vinculado às famílias. E especificamente [na faixa] de cinco
a nove anos, está com uma concentração muito grande na agricultura
familiar”, disse Heloísa, ressaltando que o trabalho infantil também está
relacionado à terceirização de mão de obra, como no setor de confecções.
Essa nova realidade, de acordo
com ela, deve também implicar nas políticas públicas que pretendem erradicar o
trabalho infantil. “Não posso mais combater só com fiscalização. Preciso também
fazer um trabalho mudando a cultura dessas famílias”, disse.
Segundo ela, a crise econômica no
país pode ajudar a explicar esse dado. “Diria que, no caso do trabalho
infantil, a crise está relacionada tanto com o aumento do trabalho na faixa
etária de cinco a nove anos, quanto à queda de 10 a 17 anos. Com a crise, as
famílias estão colocando as crianças ainda mais jovens no processo de renda
familiar. De outro lado, a crise também reduziu os postos de trabalho para
adultos e reduziu também nessa faixa etária de 10 a 17 anos”.
De olho no Congresso
A publicação também apresenta uma
série de propostas referentes às crianças e que estão em tramitação. “Fazemos o
monitoramento da agenda do Congresso Nacional, focando principalmente naquelas
[propostas] que para nós são prioritárias. Uma delas é uma proposta de redução
da idade de trabalho, desvinculando [o limite] do processo educacional. Somos
absolutamente contra. Há um número enorme de propostas de lei alterando a
legislação da infância e a maioria dessas propostas são desnecessárias. No
geral, eu diria que, mais do que novas leis, a gente precisa de políticas
públicas efetivas”, disse Heloisa. <> EBC //