Nas mãos, os agricultores
carregam terços e a imagem de São José. A única esperança para os moradores de
Dormentes, no Sertão de Pernambuco, é a chuva. Dentro de um açude praticamente
seco, os sertanejos rezam e pedem ao santo das chuvas que traga água para
aliviar o sofrimento das famílias que vivem na área de sequeiro. De acordo com
a crença popular, se chover no dia 19 de março, o ano será de muita fartura.
A tradição
ocorre há décadas e é realizada por agricultores como forma de pedir chuva ao
santo que também é o padroeiro da cidade. Este ano uma procissão foi realizada
no Sítio Santa Rosa, dentro de um açude, um dos maiores do município.
Responsável pelo abastecimento de quase 20 comunidades, a última vez que a
barragem encheu foi há 15 anos, em 2002.
Segundo dados da
Coordenadoria de Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe), 126 dos 185 municípios
do Estado estão em situação de emergência e 1,5 milhão de pernambucanos sofrem
com a estiagem. De acordo com a Agência de Águas e Climas (Apac), os
reservatórios entraram em colapso com a seca que já dura cinco anos
consecutivos.
Dados da
Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária apontam que em 2016 quase cinco mil
produtores perderam 100% da safra. Choveu mais este ano do que em 2016, mas não
o suficiente para compensar os últimos anos de seca.
Nascida e criada
em Dormentes, a agricultora Maria Neuza de Souza, 55 anos, lembra dos tempos em
que a chuva garantia a fartura e o sustento da população. “Nos anos de 1980
para 1985 foi bem melhor a situação. Mas da década de 90 para cá, só se
agravou. A gente não tem mais condições para sobreviver com a criação de
animal, tem que vender baratinho. Se quiser um pipa de água tem que pagar R$ 70
a R$ 80, mas não dura 15 dias, tem que buscar outro. Parece que a gente vai ver
o final aqui mesmo”, disse.
De acordo com a
agricultora Maria do Rosário, o pouco que choveu em 2017 foi o suficiente
apenas para desenvolver o fenômeno conhecido como Seca Verde, quando a Caatinga
acinzentada fica verde e florida, mas as precipitações não são suficientes para
encher os reservatórios. Ela diz ainda que falta água para o consumo humano e
que os moradores sobrevivem com o abastecimento por carros-pipa.
“Esse ano não
choveu quase nada. Algumas pessoas plantaram, mas já estão esperando mais
chuva. Além da praga que teve, agora estamos aguardando, depositando a fé, a
devoção no padroeiro São José. Que ele mande chuva com abundância para nós
agricultores, para ter água para as plantações, para beber e dar comida aos
nossos animais”, explica a devota.
O agricultor Crispin Rodrigues de Souza, de 62 anos,
plantou milho, feijão, palma e capim. Mas sem água, parte da lavoura está
perdida. “Plantei dois sacos de milho. Acho que já morreu a metade. E se a
chuva não chegar logo morre é tudo. A situação dos animais também não é boa,
porque os pastos não chegaram a criar bem e acaba logo. A gente tem que fazer
feira para a gente e para os animais”, conta.
Devoto de São
José, o agricultor participa todos os anos da procissão acreditando em dias
mais prósperos. “Esperando que Deus tenha compaixão de nós, nordestinos e
agricultores, para melhorar a situação, porque está ruim. É olhando para o céu
todo dia e toda hora, ajoelho no chão, rezando e orando. Enquanto há vida, há
fé, enquanto há fé, há esperança”, acredita o agricultor.
De longe, ainda
onde resta um pouco de água na barragem, o agricultor Carlos Antônio Herculano
dos Santos, de 45 anos, observa em silêncio a peregrinação dos fiéis. Há um ano
na região, morando com a mulher de 43 anos e com a filha, de 21, ainda não
conseguiu emprego porque não há plantação para trabalhar. Sentado próximo ao
açude ele tenta pegar algumas piabas para garantir um pouco de alimento para a
família.
“A água aqui a
gente pega da Compesa, mas é contada. O rapaz só liberou dois tambores de 220
litros e não ia liberar mais porque não estava tendo. A cisterna aqui em cima
está seca. Tem época que passa de 1 mês e 15 dias para poder encher. Ai em casa
a gente paga pipa para pegar água de longe. Quando a gente não tem dinheiro,
como eu mesmo estou desempregado, tem que correr para as casas que tem, pede um
balde de água a um, a outro para manter a casa", detalha.
Apesar de não
haver previsão de chuva significativa para o Sertão, o agricultor se apega a
fé. "É assim que a gente vive, com a ajuda dos irmãos que tocam o coração
deles para não passar fome".
“O pessoal está ai rogando pelo
santo devoto deles e só com a misericórdia de Deus. Eu creio de todo o
meu coração que vem chuva. O senhor está preparando as nuvens dele, todo dia de
tardezinha. Na hora certa, quando ele ver que a gente está precisando mesmo,
ele vai despejar as bênçãos dele do céu para melhorar a situação de todos nós”,
destacou Carlos.
Situação de emergência
Segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatísticas (IBGE), Dormentes possui uma população superior a
18 mil habitantes. Das 800 famílias cadastradas no Sindicato dos Trabalhadores
Rurais da cidade, todas estão sofrendo com a seca e cerca de 70% passam
necessidades extremas. Todos na região perderam as lavouras em 2016.
A agricultora
Maria de Fátima Pereira Barbosa, de 28 anos, é casada, tem três filhos, de 10,
5 e 1 ano e está grávida de 7 meses da quarta criança. Um menino que se chamará
Levi. A moradora do Sítio Baixa da Esperança, na Zona Rural de Dormentes, diz
que a água de casa, usada apenas para beber e cozinhar vem de uma cisterna,
abastecida por carro-pipa.
Para garantir o
sustento da família, o marido plantou alguns legumes, além de feijão e arroz.
Mas como a água da chuva não foi suficiente, a plantação está morrendo. Maria
de Fátima garante que seca igual nunca viu.
“Essa é a pior.
Tudo tem que ser comprado e é caro. Aí tem que agradecer a Deus quando a gente
acha dinheiro para comprar um quilo de feijão. Antigamente a gente tirava da
roça, podia atravessar um ano tranquilo. Hoje não tira mais. Eu esperava que
melhorassem as coisas para nós, principalmente porque precisamos de alimento
para os nossos filhos. Tem dias que eles querem e não tem. Isso é doído”, disse
emocionada.
Para não faltar
comida em casa, a agricultora conta com a ajuda dos pais. “Sempre mãe e pai
ajudam de alguma forma. Mas mesmo assim nunca deixa de passar necessidade. Sem
água fica mais difícil. Me emociono porque isso é coisa de mãe que quer o
melhor para os filhos. É muita dificuldade que vem na vida pra gente, mas
confiando em Deus, tudo será resolvido”, acredita.
Também devota de São José, ela
fala que já fez seu pedido ao santo. “Muita chuva para a plantação segurar,
para poder dar uma vida melhor aos agricultores. Porque eles vivem disso na
roça, plantar e colher. E quando planta e não colhe? Aí fica ruim. Tem que
pedir chuva para dar o pouquinho. A gente pede também muita benção dada por
Deus e um futuro melhor para eles [filhos], porque é isso que uma mãe deseja
para os filhos”.
Previsão de chuva para 2017
De acordo com a Apac, no Sertão
de Pernambuco o período chuvoso ocorre entre os meses de janeiro a abril,
quando as precipitações começam a reduzir significativamente. “Tem o restante
de março, com possibilidade de chuva, mas de forma isolada. A previsão da
agência para o próximo trimestre é que fique abaixo da média de 78 milímetros.
Então, vai ser pouca chuva”, explica o meteorologista Roni Guedes.
Dados da Apac
registraram, em Dormentes, 18 milímetros de chuva em janeiro, o que corresponde
a 24% da média. Em fevereiro foi 104 mm, o que corresponde a 133% acima da
média. “Ocorreram algumas chuvas. Foi melhor do que o ano passado, mas ainda
não foi bom, considerando que o Sertão vem de várias secas consecutivas e é preciso
que chova acima da média para que os reservatórios peguem água”, destaca o
meteorologista. <> G1 //