O País gasta quase tanto com burocracia jurídica quanto
com educação. Em troca, recebe um dos Judiciários mais ineficientes da Terra. E
agora?
Viramos um país
de concurseiros. Neste momento, 10 milhões de
brasileiros estudam para algum concurso público – é quase 10% da população
economicamente ativa, aquela que junta quem está trabalhando e quem procura por
um emprego.
Para boa parte
do nosso exército de prestadores de concurso, as melhores oportunidades estão
no Judiciário – o que faz sentido num país que possui 1.200 faculdades de
Direito contra 1.100 faculdades de todos os demais países do mundo (sim, mais
da metade das faculdades de Direito do mundo está no Brasil, segundo a OAB).
Não é à toa.
Juízes, por exemplo, têm ainda mais privilégios do que parece à primeira vista.
Os 16,2 mil magistrados em atividade no Brasil ganham, em média, R$ 46 mil
mensais. Isso porque três em cada quatro juízes recebem mais do que o teto do
funcionalismo público, de R$ 33,7 mil, graças a “indenizações” e
“gratificações” recorrentes, e estranhas a trabalhadores que não usam toga.
Sem estampar as
manchetes de jornais diariamente, como faz o primo feio, o poder Legislativo, o
Judiciário brasileiro enriqueceu, e muito, ao longo dos últimos anos. Seus
membros ganharam um aumento de 134% acima da inflação (1.350%
em termos nominais), isso sem incluir um novo acréscimo nominal de 41%
concedido em 2016. Para comparar: o salário mínimo, que subiu bem nesse
período, cresceu 62% acima da inflação. Questão de prioridades.
Com isso,
gastamos por aqui 1,3% do PIB com o Judiciário. Isso dá quatro vezes o gasto da
Alemanha (0,32%), oito vezes o do Chile (0,22%), dez vezes o da Argentina
(0,13%).
O rombo, porém,
não para por aí. Deve-se somar a ele o custo do Ministério Público, que chega a
0,3%, além do gasto com as defensorias públicas. Ao final, o custo com Justiça
no Brasil pode chegar a 1,8% do PIB. Em outras palavras: R$ 110 bilhões por
ano, algo próximo ao orçamento do Ministério da Educação.
E o que temos em
troca desses gastos monumentais? Recebemos o 30º Judiciário mais lento do
mundo, dentre 133 países, segundo o Banco Mundial.
Devagar e nunca
Justificar
tantos gastos para manter a estrutura do Judiciário não é uma tarefa difícil.
São ao todo cinco tribunais superiores, 27 tribunais de Justiça estaduais, três
tribunais militares estaduais, 27 Justiças Eleitorais nos Estados, cinco
regiões da Justiça Federal, além de 24 regiões da justiça do Trabalho… Para
cuidar de tudo isso, temos 390 mil funcionários e 16,2 mil juízes.
Nenhum outro
país do mundo emprega tantos funcionários na área como o Brasil. São em média
205 para cada 100 mil habitantes, contra 150 na Argentina e 66,9 na Alemanha,
por exemplo.
Por outro lado,
nosso número de juízes é até baixo. Mantemos 8,2 magistrados para cada 100 mil
habitantes, 1/3 do que possui a Alemanha.
O resultado é
uma carga total de 6.531 processos por juiz a cada ano. Para dar conta em tempo
hábil seria necessário que cada um julgasse 33 processos diariamente. A
dificuldade em julgar tantos processos é uma das causas da lentidão do
Judiciário brasileiro. Em média, cada processo leva cinco anos para sair da primeira
instância.
Na prática,
porém, pagamos mais por menos. Por aqui, cada membro iniciante do Ministério
Público leva para casa 14 vezes a renda média do Brasil. Nos países membros da
União Europeia, um juiz da mais alta corte recebe em média 4,2 vezes a renda
dos habitantes locais.
Ter mais juízes
recebendo salários mais realistas (ou, ainda, salários que não ultrapassem o
teto, como é o caso de três em cada quatro juízes brasileiros) seria uma
solução. Mas ela contraria o próprio interesse da categoria – que, como
qualquer outra, não vai fazer lobby para diminuir os próprios vencimentos. E,
como demonstraram os parlamentares ao conceder novos aumentos em 2016, não
interessa ao Congresso contrariar esses interesses, menos ainda com a Lava Jato
a todo vapor.
Botando no pau
Uma das
explicações para o gargalo de processos em andamento no País é a Justiça do
Trabalho. Ela responde por 40% das ações que ingressam na Justiça.
Isso significa
2,5 milhões de processos trabalhistas por ano. É muito. Dá 70 vezes o número
registrado nos EUA, e quase mil vezes o do Japão.
Por conta desse
volume galáctico, manter toda a estrutura da Justiça do Trabalho custa caro:
mais de R$ 11 bilhões por ano. Isso é praticamente o mesmo valor que a Justiça
do Trabalho gera para os seus reclamantes. Ou seja: para cada real ganho numa
ação, o governo gasta outro real só para manter a estrutura da coisa toda.
Resolver cada
processo custa em média R$ 458 aos tribunais estaduais e R$ 675 da Justiça
Federal. Quando separada apenas a Justiça do Trabalho, o custo médio por
questão processual pode chegar a R$ 1.700. Uma característica, porém, marca os
mais de 95 milhões de processos em tramitação no Brasil: só os setores públicos
são responsáveis por 51% dos processos em andamento no País. A maior parte
desses processos existe para recuperar valores devidos por pessoas e empresas
aos Estados e municípios, ou à União.
Tornar a Justiça
brasileira menos paquidérmica não é, portanto, algo que dependa de uma canetada
mágica, mas de adequar valores dos mais dispersos. Dar mais autonomia aos
sindicatos para validarem acordos junto a empresas, sem necessidade de
envolvimento judicial, ajudaria. Termos 20 mil, 25 mil juízes pelo preço dos
atuais 16 mil, também. Mas talvez a maior de todas as medidas seja mesmo uma
faxina no maior criadouro de processos judiciais do País: o labirinto dos
impostos.
Minotauro fiscal
Um livro que
reunisse toda a legislação de impostos composta desde a Constituição de 1988
conteria algo em torno de 300 mil normas, distribuídas em 41 mil páginas. Não
que todas essas normas sejam vigentes. 92% delas não têm mais validade. O
problema é saber quais. Entender exatamente qual lei se aplica em cada caso e
qual já caiu em desuso e foi substituída equivale a buscar a saída de um labirinto.
De um labirinto
minotáurico: para decifrá-lo, cada empresa brasileira despende em média 2.600
horas. Na Bolívia, que não é exatamente o paraíso da desburocratização, são
1.080 horas. Nos EUA, 175.
Um governo que
tornasse a tarefa de pagar impostos menos olímpica certamente evitaria
inadimplências – e novos processos judiciais. No fim, o que precisamos é de um
país com menos data venias e mais papo reto.
Em todas as áreas. <> Superinteressante //