As pernas
pesadas, o inchaço nos pés e a dificuldade de andar fizeram a dona de casa Vera
Lúcia Amaral Marques, de 45 anos, usar sandálias especiais ortopédicas e muleta
um ano após ser diagnosticada com o vírus da febre chikungunya no Recife.
Ela integra o
grupo de pacientes que participam de uma pesquisa inédita do Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que revela lesões
vasculares irreversíveis provocadas pela doença.
"Tanto as
minhas pernas como os meus pés ficam horríveis de tão inchados. Sinto câimbras
antes de dormir e tenho vergonha de usar short ou vestido curto. Pareço mais
velha, não vou mais para academia e até os meus sapatos eu tive que deixar de
lado porque já não cabem mais", disse a pernambucana à BBC Brasil.
Dos 32 pacientes
analisados com os sintomas, 29 voltaram para serem acompanhados pelos
especialistas no estudo. Destes, 20 repetiram o exame e foi constatado que 65%
mantinham as alterações vasculares crônicas.
"Manifestações vasculares na chikungunya estavam
restritas a fases iniciais da doença. Agora, o estudo mostra não só uma nova
manifestação como a cronificação dela, já que os sintomas persistiram por mais
de três meses", destaca Catarina Almeida, cirurgiã vascular responsável
pelo estudo, que defende o tema em sua tese de mestrado.
Os pacientes apresentaram problemas como linfedema agudo
(acúmulo de líquido nas pernas devido ao bloqueio do sistema linfático) e edema
no dorso do pé.
As alterações linfáticas foram detectadas pelo exame de
linfocintigrafia. Ainda é desconhecido o motivo das lesões vasculares crônicas
atingirem apenas os membros inferiores.
"Nosso próximo passo, agora, é fazer uma
investigação molecular e entender o motivo disso acontecer. Se é resposta
imunológica a infecção exacerbada do paciente ou ação direta do vírus",
disse Almeida à reportagem.
Os pesquisadores explicam ainda que a morbidade do
paciente aumenta com essas lesões e eles ficam mais suscetíveis a terem
infecção nos membros inferiores. "Além disso, o linfedema crônico não tem
cura - é irreversível."
O levantamento foi feito de março a novembro de 2016.
Assim como a dengue e a zika, a chikungunya também é uma doença viral
transmitida pelo mosquito Aedes aegypti.
Convivendo com a dor
Um ano e três meses após sentir os primeiros sintomas da
febre, o aposentado pernambucano José Severino Pedrosa, de 76 anos, diz que o
uso de analgésicos acaba sendo inevitável.
"Aprendi a conviver com a dor, mas tem vezes que eu
não aguento e tenho que tomar analgésico. Antes caminhava todos os dias. Agora,
se caminho num dia, tenho que descansar dois ou três porque fico todo dolorido.
Também não posso com muito peso como antes", conta.
Funcionária de uma escola municipal de Recife, Jaciane
Braz, de 57 anos, passou a usar sapatos de número maior por conta do inchaço.
Ela conta que ficou com a pele escura e escamosa nos membros inferiores e não
aguentar ficar muito tempo em pé.
"Sofri um AVC e logo depois veio a febre
chikungunya. Mas só consegui marcar consulta para confirmar a doença sete meses
depois porque não tinha vaga no hospital", lamentou.
A grande maioria dos pacientes que participaram da
pesquisa são mulheres - segundo médicos, isso acontece porque os homens buscam
com menos frequência o sistema de saúde.
Para amenizar o problema, a orientação é o uso de meias
de compressão, drenagem linfática e elevação dos membros.
Preocupação
De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado
pela Secretaria de Vigilância em Saúde do governo federal, em 2016 foram
registrados 271.824 mil casos de chikungunya no país - um aumento expressivo se
comparado a 2015, que teve 36 mil casos.
Segundo o Ministério da Saúde, houve ocorrência de casos
em todo o país, mas com maior incidência no Nordeste (235.136 casos) e no
Sudeste (24.478).
No Brasil, a
transmissão autóctone (contraída na cidade em que se vive) foi confirmada no
segundo semestre de 2014, inicialmente nos Estados do Amapá e da Bahia.
O número de
mortes passou de 14 em 2015 para 196 em 2016. Os Estados que apresentaram o
maior número de vítimas são Pernambuco (54), Paraíba (32), Rio Grande do Norte
(25), Ceará (21) e Rio de Janeiro (9).
"Surpreendentemente
não temos epidemia como era previsto neste verão, mas o aumento de casos e
mortes preocupa e, indiscutivelmente, os números são muito maiores do que esses
e a tendência é continuar, infelizmente", disse o infectologista Rivaldo
Venâncio da Cunha, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de
Referência da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
"Em campo,
temos visto muitas lesões vasculares em doentes - mas muitos deles já tinham
uma certa idade e uma certa insuficiência vascular", acrescentou.
Em nota, o
Ministério da Saúde informou que "o governo federal intensificou a atuação
contra o mosquito transmissor da febre de Chikungunya, Dengue e Zica com
campanhas publicitárias em TV, rádio, internet e outros meios, distribuição de
testes rápidos de Zika, campanhas educativas e mutirões de faxina".
Europa
Um levantamento feito pelo Hospital para Doenças
Tropicais de Londres mostra, em um mapa, que pouco mais de 100 países já
registraram casos reportados em possível transmissão local. Na América Latina,
apenas Chile e Uruguai ficaram de fora do índice de ocorrência.
De acordo com Mike Brown, médico especialista em doenças
infecciosas e medicina tropical da instituição, tem havido alta incidência
global de chikungunya nos últimos dez anos e os vetores ainda têm potencial
para propagação em outras regiões.
"Para a maioria dos pacientes é uma doença viral
autolimitada (seus sintomas acabam desaparecendo sozinhos), mas para muitos a
artralgia pode ser muito prolongada e debilitante. A mortalidade devido a
condição é considerada baixa, mas complicações como encefalite, especialmente
em indivíduos imunodeprimidos, pode ocorrer (também)", afirmou à BBC
Brasil.
O médico diz que organizações como Geosentinel (rede de
vigilância global e tropical de medicina) já registraram casos de pacientes com
chikungunya importados para a Europa - na França e Itália - e adquiridos
localmente no sul do Mediterrâneo.
"Cerca de dois, três anos atrás, alguns hospitais,
como o nosso, passaram a ter atendimento clínico dedicado a pacientes com
chikungunya com uma equipe formada por reumatologistas e especialistas em
medicina tropical para melhor gerenciar e entender casos relacionados de
artralgia e artrite", destacou. <> Revista Galileu //