Assaltos,
saques, ônibus parados e mais de cem assassinatos deixaram a população do
Espírito Santo em pânico nos últimos seis dias. O cenário é de ruas
praticamente desertas - e não há previsão de que essa sensação de insegurança
termine tão cedo.
De um lado,
estão policiais militares e bombeiros em greve para reivindicar um aumento
salarial de 100% e melhorias nas condições de trabalho. Há três anos a
categoria não tem nenhum reajuste e há sete não recebe um acréscimo acima da
inflação.
Na outra ponta,
um governo estadual afirmando que passa por uma grave crise financeira e não
tem condições de oferecer reajustes, ao mesmo tempo em que exige que os
militares voltem ao trabalho como condição para iniciar as negociações.
E no meio desse
impasse, uma população com medo de sair de casa e sem serviços essenciais, como
transporte público, hospitais e escolas. Tudo parado pela falta de segurança.
Moradores
ouvidos pela BBC Brasil relataram que as ruas estão vazias e a maior parte do
comércio, fechada.
O empresário
Deivid Bitti, dono de uma empresa de tecnologia da informação em Vila Velha, na
Grande Vitória, pediu que seus funcionários não fossem trabalhar até a situação
se normalizar.
"O transporte público parou e não podemos exigir
presença de funcionários enquanto existir essa insegurança", afirmou
Bitti, antes de falar sobre o impacto financeiro dessa crise. "Como
prestamos serviço para outros Estados, tivemos prejuízo e tivemos muitos
transtornos."
Na manhã desta quinta, o presidente do Sindicato dos
Rodoviários de Guarapari (Sintrovig), Walace Belmiro Fernaziari, foi morto a
tiros dentro de seu carro em Vila Velha. Ele seguia para a garagem de ônibus
onde trabalhava.
Pressão política
Em meio ao clima de medo nas ruas, a crise ganhou
contornos políticos com a mobilização de deputados, secretários e uma senadora,
que tentam fazer uma ponte entre o governo e os grevistas.
Mas a classe política também se divide em relação ao
diálogo e à continuidade da greve.
A senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) é contrária à
exigência do governador em exercício, César Colnago (PSDB), de que a greve se
encerre para que as negociações tenham início.
"Essa forma irredutível do governo gerou um impacto
com consequências terríveis. A polícia precisa manter sim parte do contingente
e atender a população. Mas (a forma) como o secretário da Segurança e o governo
vem tratando tudo isso tem sido um desastre", afirmou à BBC Brasil.
Ela diz achar difícil que os policiais recebam um aumento
salarial devido à crise financeira do Estado, mas exige que a gestão ao menos
ofereça outros benefícios.
"Eles não têm vale-transporte nem vale-refeição, e
isso é um absurdo. Essa negociação tem acontecer logo porque os prejuízos são
irreparáveis e intransigência do Estado não leva a lugar nenhum", disse
Freitas.
Já o deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) diz estar do
lado dos policiais, mas defende que eles encerrem a greve antes de conversar
com o governo.
"Queremos discutir com o governo, mas o comando
precisa parar (a greve).
Aqui estamos em crise, mas pagamos os salários em dia. Se
derem esse aumento que estão pedindo para todas as categorias, o que acontece
com os cofres do Estado? Não podemos garantir isso", afirmou à BBC Brasil.
Segundo ele, as mulheres dos grevistas, que tentam
negociar com o governo, estão confusas em relação às reivindicações.
"Umas querem 42% de aumento, outras 100% e uma parte
só quer entregar carta para o secretário. Uma bagunça. Alguém tem que ceder, e
o governador disse que não vai conversar com quem estiver paralisado."
Cenário de caos
Nos últimos dias, assaltantes aproveitaram a fragilidade
do policiamento.
Durante a madrugada, bandidos roubaram carros e usaram
esses veículos para arrombar e furtar lojas de eletrônicos, joias e brinquedos.
A estimativa do comércio é de um prejuízo de mais de R$ 90 milhões.
Em Colatina, a 120 km da capital, um policial civil foi
morto ao tentar impedir o roubo de uma moto.
A Força Nacional e o Exército foram enviados para o
Espírito Santo, mas moradores e policiais ouvidos pela BBC Brasil disseram que
o policiamento é frágil, uma vez que eles não conhecem as regiões que têm os
maiores índices de criminalidade e não vasculham as pequenas ruas dos bairros
mais afastados.
Na esteira da
greve dos militares, os policiais civis também paralisaram parcialmente suas
atividades nos últimos dois dias - o que deve continuar nesta sexta.
O delegado e
presidente do sindicato da categoria no Estado, Rodolfo Laterza, diz que a
situação em Vitória é de colapso e temer que se agrave ainda mais.
"Suspendemos
nossas atividades como os PMs porque não há segurança. E tudo pode piorar. Há
risco de invasões, uma delegacia foi metralhada e um delegado quase foi atingido
por um disparo", afirmou.
Para o
sindicalista, a única saída para acabar com a greve é o governo aceitar fazer
rodadas de negociações e acatar, ao menos em parte, os pedidos dos policiais.
Segundo ele, os
baixos salários levam os policiais a fazer "bicos" para complementar
a renda.
Laterza afirma
que há delegacias com falta de equipamentos e estrutura precária. Duas delas
foram fechadas no último mês: a de Crimes Contra a Vida e a de Entorpecentes.
Segundo o sindicato, a falta de policiais ainda gera um
acúmulo de processos - algumas unidades funcionariam com apenas um policial e
um delegado.
População dividida
A greve dos agentes de segurança divide a opinião dos
capixabas.
Embora parte apoie a luta pelos direitos, uma grande
fatia da população é contrária à paralisação por causa da alta na criminalidade
ocorrida nos últimos dias.
Descontente, um grupo de pessoas foi às portas de
batalhões de Vitória para exigir o retorno dos policiais ao trabalho. Durante a
confusão, foram feitas barricadas de fogo com pneus e pedaços de madeira. Houve
registros de confrontos entre os manifestantes.
As barricadas só foram desfeitas após a intervenção do
Exército e da Força Nacional, que mandaram 1,2 mil agentes de segurança para o
Estado após pedido da gestão estadual.
O governo do Espírito Santo foi procurado pela BBC Brasil
para comentar a crise, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
<> Agência BBC Brasil //