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09/02/2017 19:12:36

A desmilitarização é o melhor modelo para a polícia brasileira?


A desmilitarização é o melhor modelo para a polícia brasileira?
Foto Ilustrativa

O debate no Brasil, hoje, se divide entre os que são a favor da total desmilitarização, unificando as polícias, ou criando uma nova; os que desmilitarizariam, mas acreditam ser necessária a existência de diversas polícias separadas e com objetivos específicos; e os que defendem o modelo atual, apostando em saídas como um melhor treinamento e integração visando resultados menos negativos para a imagem dos órgãos de segurança do país.

 

Conversamos com especialistas da área para ter um aperitivo dos argumentos que giram em torno do assunto. São eles: Guaracy Mingardi, cientista político, mestre pela UNICAMP e doutor pela USP, ex-investigador da Polícia e Especialista em Segurança Pública; o doutor em sociologia pela USP e diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima; o cofundador do blog Abordagem Policial e oficial da Polícia Militar da Bahia, Danillo Ferreira; e o deputado estadual de São Paulo (PSD) e ex-comandante da Polícia Militar do Estado, o Coronel Álvaro Camilo.

 

O que significa desmilitarizar?
As forças de segurança no Brasil são as nacionais Polícia Federal, Rodoviária e Ferroviária, e as estaduais Militar, responsável pelo policiamento ostensivo (rondas) e de preservação da ordem (abordagem e encaminhamento para delegacia), e a Civil, que cuida da parte investigativa e judiciário (encaminhamento de inquérito, por exemplo). A Polícia Militar não tem o título por acaso.

Sua raiz é de fato militar, e seu objetivo mais comum, no mundo, é o de funcionar como uma corporação de reserva das Forças Armadas, para atuar no interior do país em situações de guerra ou conflito. Isso implica que a sua formação histórica é diferente dos agentes civis, assim como a sua formação, seus títulos de hierarquia (capitão, tenente, coronel e major), código penal e objetivos.

 

Tanto é que a Polícia Militar está subordinada à Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), um órgão do Exército, criada em 1967 e regulamentada pela Constituição de 1988, e o policial está submetido a uma Justiça Militar (além da civil) e, se preso, é enviado a presídios especiais.

 

Para Renato Sérgio de Lima, desmilitarizar demanda reformas estruturais que tenham o fim de orientar a polícia para a defesa da sociedade e não do Estado, como é hoje. “Para defender o Estado já existe uma corporação que só em São Paulo tem 5 mil efetivos, a tropa de choque, que dificilmente deixará de de ser militarizada. A questão é: como mudar a mentalidade das demais polícias para uma lógica de trabalho em favor da sociedade?”

 

Lima pondera que seria inviável fazer a desmilitarização de repente. “A polícia de São Paulo tem mais de 100 mil policiais. Sem uma lógica militar é quase inconcebível manter e controlar essa força”, diz. Para ele, a saída seria aumentar o poder dos municípios e dividir as forças para melhorar o controle.

“Hoje não ocorre o que se chama de ciclo de polícia, que é começar e terminar um caso. Seria importante haver uma instituição cuidando disso, que pode ser desmembrada em várias, o importante é que o policial possa fazer o ciclo completo”.

 

Para Lima, mudar o modelo militar pelo civil também não daria certo, porque a estrutura da Polícia Civil atual não é o ideal. “A gente precisa de um modelo novo, precisamos inovar tomando como base modelos de sucesso na Europa e nos Estados Unidos, melhor do que remendar um tecido já estragado”, diz.

“Segurança é assunto tabu para governantes, mas é preciso que alguém tenha força política para avançar a discussão, se não daqui a dez anos estaremos com os mesmos problemas e discutindo as mesmas possibilidades de hoje.”

 

O policial que não está nos jornais
O tenente baiano Danillo Ferreira não vê tanta importância na pauta da desmilitarização, e analisa que mais importante é a atenção à integração das corporações (apesar da histórico desavença entre as duas) e à melhor gestão da segurança.

“Não é na estética militar, na exaltação aos símbolos, na prática da disciplina que reside o defeito das policias. É no desrespeito aos direitos, é na ‘filosofia de guerra’, na formação de um ‘guerreiro’, no privilégio à repressão truculenta que está disseminado nas instituições de segurança pública”, afirma. “Uma desmilitarização precisa atingir de forma incisiva esta cultura, e tudo que possibilita que ela sobreviva.”

 

O Ferreira também defende o chamado ciclo policial completo e critica o modelo atual que coloca o policial militar e o civil com “meias funções”. Para isso, defende o investimento em comunicação coordenada, gestão inteligente da informação e a estruturação organizacional dividida por modalidade criminal ou por território.

“Em qualquer dos dois modelos ambas são autônomas e podem constituir sua cultura organizacional (esteticamente militar ou não).” Para o militar, seria necessária a criação de agências fiscalizadoras externas à polícia, já que, segundo ele, “corregedorias internas têm sérias restrições em sua capacidade de atuação”.

 

“Essa mudança passa até mesmo por um posicionamento mais responsável da própria mídia – que espetaculariza a ação policial repressiva, "especial", "tática", como se todo policial devesse ter este perfil para tornar-se positivado”, alfineta. “Precisamos enaltecer o policial comunitário, que gerencia pequenos conflitos, que conhece a vizinhança do bairro, mas que não está nas capas dos jornais como protagonista de uma grande ação policial.”

 

Desmilitarizar pode ser ruim para o cidadão, diz Coronel
O vereador Coronel Camilo ouviu às reivindicações, mas prefere ver a coisa toda de um ponto de vista mais prático. Para ele, a história da segurança nacional sempre foi a de opiniões sobre revisão da estrutura, mas o que importante mesmo é fazer com que “as coisas funcionem”. O caráter militar da corporação que chefiou por três anos em São Paulo não está baseado em insígnias e títulos.

“O regime militar é para controlar pessoas que tem o poder de tirar vidas. Por isso submeter à duas justiças, civil e militar (que no código prevê inclusive pena de morte). Hierarquia e disciplina são fundamentais para o controle de um efetivo que é maior do o próprio Exército e é treinado em combate diariamente”, diz o coronel.

 

O vínculo com o IGPM e sua formação militar também são explicados, dessa vez por uma questão de segurança nacional. “Vivemos na América Latina, onde ainda há necessidade de proteção de território. Quando o Exército uniu as polícias do Brasil e colocou a PM como força reserva foi para cuidar do país.

Se houver guerra, quem cuida do ambiente nacional é a polícia militar.” Sobre o IGPM, diz que a Inspetoria antes tinha maior ingerência sobre a Polícia Militar, hoje não, mas assim o vínculo é importante. “Em caso de convocação para guerra, quem faz o gerenciamento é o IGPM.”

 

Para o militar, casos com o do pedreiro morador da favela da Rocinha Amarildo mostram não um defeito do caráter militar da corporação, mas sim de desvios de atuação de policiais e violação de direitos humanos, que devem ser punidos. “Da mesma forma, há desrespeito à vida em delegacias, por civis e não por militares. A hierarquia e ética militar, pelo contrário, ajuda na prevenção disso”, opina. “Por mais que a entrada na corporação seja rigorosa, é inevitável que um ou outro acabe se desvinculando.”

 

Mudança a longo prazo
O cientista político Guaracy Mingardi, para falar do Brasil, lembra da polícia londrina, a Scotland Yard. Criada em 1829, a polícia metropolitana era responsável pela segurança, porém sem caráter militar, o que explicam o “chapelão” usado hoje pelos oficiais, que é uma derivação da cartola usada antigamente, dando um visual de cavalheiro aos policiais. A corporação passou por uma grande reforma e foi criada uma nova chamada New Scotland Yard (nome atual), que responde ao Parlamento.

 

“Para imitarmos o modelo inglês, que é diferente, seria muito difícil mas podemos aprendeer que dá para fazer, mas a transição deve ser lenta. Embora acredite que a legislação deva ser feita de uma vez, etapas importantes como ingresso nas corporações e treinamento único devam ser implementados aos poucos, mas tudo com prazo estabelecido em lei para acontecer, se não, não vai andar.”

 

“Acho que é uma coisa a longo prazo, o ideal seria a instalação de uma comissão na Câmara para estudar o tema e deixar material para pronto para a próxima legislatura. É preciso comer pela borda, mas é bom que se comece já.” <> Revista Galileu //



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