"Paz, Justiça e Liberdade". Com essas
palavras, escritas com cal branca no chão de terra do campinho de futebol da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital se
apresentou para a população brasileira em 18 de fevereiro de 2001. A data ficou
marcada pela maior rebelião da história do sistema penitenciário brasileiro: a
facção orquestrou motins simultâneos em 19 presídios do Estado. A ação envolveu
mais de 25.000 presos, deixou cinco detentos mortos e mostrou um poder de
organização inédito no crime do país.
Quase 16 anos depois, o PCC se consolidou como a maior
facção criminosa brasileira, presente em todos os Estados, dentro e fora dos
presídios, e com conexões internacionais.
A mentalidade empresarial do grupo fez com que
atingisse um faturamento anual estimado em 200 milhões de reais, com sofisticados
esquemas de lavagem de dinheiro em bancos na China e nos Estados Unidos.
Mas sua ambição expansionista, mirando o domínio absoluto do mercado interno de
drogas e das rotas internacionais de tráfico no país, o colocou em colisão com
outras facções, como a Família do Norte, que se opôs ao batismo [recrutamento] de integrantes do PCC
no Amazonas. Apenas este ano, 106 detentos já foram mortos nos presídios do
país, a maioria em função do conflito entre os dois grupos - quase um terço do
total ocorrido no ano passado inteiro. O caso mais recente ocorreu na
Penitenciária de Tupi, em São Paulo, com o assassinato de dois presos. As
autoridades, no entanto, não veem relação entre o episódio e a rixa de facções.
Para alcançar a hegemonia absoluta no país, a facção
trabalha para montar uma rede de contatos e se fortalecer em pontos
estratégicos do Brasil: no Norte, o foco são os Estados que
fazem fronteira com países produtores de cocaína, como Bolívia, Peru e Colômbia. E na
região Sul e Centro-Oeste, nos Estados que têm fronteira com o Paraguai,
que produz apenas maconha, mas é importante entreposto comercial para o tráfico
na América do Sul. É justamente no Mato Grosso do Sul e no Paraná, que fazem
fronteira com o país vizinho, que a influência do PCC é mais forte fora de São
Paulo. Da fronteira com o Paraguai a facção traz carregamentos de droga para
abastecer o mercado interno no Sudeste e Sul do Brasil, e também para exportar
até a Europa e África.
O tráfico internacional é uma das apostas do PCC. “A
droga é enviada dentro de contêineres a partir do porto de Santos [em São
Paulo] ou Suape [em Pernambuco] com destino a portos com pouca fiscalização na
África, Itália ou Portugal”, afirma o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de
Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público de São
Paulo. De acordo com ele, as remessas de cocaína para o exterior são “uma fonte de renda bastante
lucrativa para o PCC, mais do que o mercado interno brasileiro”. “O quilo dessa
droga na Europa, em Euro, vale até cinco vezes maior do que no Brasil”, diz.
Gakiya afirma que a facção paulista age em parceria com grupos criminosos
estrangeiros nesta empreitada, tais como “as máfias italianas, a napolitana Camorra e a 'Ndragheta calabresa, além
de grupos organizados na África”.
Um dos homens do PCC responsáveis por articular os
contatos internacionais do grupo é Fabiano Alves de Souza, conhecido como Paca.
Após cumprir pena de mais de 11 anos na penitenciária de Presidente Venceslau,
no interior de São Paulo, ele ganhou a confiança da sintonia geral, a cúpula da
facção. Após ser solto, Souza foi para o Paraguai, onde se articulou com grupos
locais, entre eles o Exército do Povo Paraguaio, que atua no norte do país e
fornece drogas e armas aos criminosos brasileiros.
Da fronteira
os criminosos da facção teriam orquestrado a morte do mega-traficante Jorge
Rafaat Toumani em julho de 2016. Conhecido como o
“rei do tráfico” na região, ele foi fuzilado em Pedro Juan Caballero, no
Paraguai, em uma ação cinematográfica que envolveu metralhadoras de calibre
.50, que podem derrubar aviões, montadas na traseira de picapes. A polícia
local afirmou que mais de 30 veículos participaram do atentado contra o barão
da droga e sua entourage, que mesmo viajando em um carro blindado morreu no
local. Rafaat, que até então tinha relações cordiais com o PCC, entrou na mira
da facção ao cobrar um “pedágio” mais caro para que os paulistas trouxessem
droga do Paraguai para o Brasil.
Outro
barão da droga que fornece para o PCC no Paraguai é Jarvis Chimenes Pavão. Ele
cumpria pena em uma cela de luxo na prisão de Tacumbú, em Assunção. De dentro
de seus aposentos (a cela tinha três suítes, sofás de couro, geladeira e
paredes de granito), ele comandava o tráfico de droga na região, usando uma
empresa de transportes de fachada para facilitar o transporte da cocaína. O
Brasil tenta, sem sucesso, extraditar o criminoso de volta para o país.
Já a
rota do Norte é onde o PCC esbarrou na resistência da FDN. A facção manauara,
que é aliada do Comando Vermelho, assassinou em 2015 três importantes
lideranças do PCC dentro de presídios de Manaus, sob o pretexto de que eles
estavam recrutando detentos do grupo. O que se seguiu foi uma série de
massacres nas penitenciárias do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre que
começaram no final de 2016 e se estenderam até janeiro deste ano, com um saldo
de mais de uma centena de detentos mortos.
O
promotor Gakiya afirma que a droga comprada no Peru, Colômbia e Bolívia é mais
pura do que a obtida no Paraguai, e consequentemente “atinge um preço melhor e
tem maior aceitação no mercado europeu”. Enquanto que a cocaína paraguaia já
foi diluída antes da venda, a proveniente destes países ainda pode ser cortada [diluída] até quatro vezes para
maximizar os lucros, o que explica a disputa pelo controle da região.
Muito antes da megarrebelião de 2001 organizada pelo PCC
em São Paulo, as autoridades já sabiam que algo estava acontecendo dentro do
sistema penitenciário. Desde 1993 um grupo de presos detidos no anexo da Casa
de Custódia de Taubaté, no interior do Estado, articulava a fundação de uma
facção criminosa que seguisse os moldes do Comando Vermelho (CV), grupo fluminense fundado nos anos de 1970.
Especialistas apontam que o Massacre do Carandiru
(ocorrido em 1992 em São Paulo no qual morreram 111 presos assassinados por policiais)
e os consequentes maus-tratos sofridos dentro do sistema carcerário serviram de
estopim para a fundação do grupo. “111 presos foram covardemente assassinados,
massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira
(...) porque nós do Comando [PCC] vamos mudar a prática carcerária, desumana,
cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões”, diz um dos
artigos do estatuto do grupo.
Mais à frente, o código que rege a conduta dos
integrantes do PCC prega a “união da luta contra as injustiças e a opressão
dentro das prisões” e “a luta pela liberdade, justiça e paz”, a facção cresceu
e ganhou recrutas em cárceres superlotados onde antes vigorava a lei do mais
forte. Um dos artigos do estatuto afirma que “o Partido [outro nome do PCC] não
admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema [penitenciário]”.
Além disso, a organização montou um esquema de amparo aos
presos, que previa até mesmo o pagamento de advogados e auxílio financeiro para
os familiares. A previdência paralela era bancada pelos integrantes que, em liberdade,
precisavam contribuir com uma caixinha para garantir o bem estar dos irmãos [termo usado pelos integrantes da facção para
designar seus comparsas] presos. O valor pode chegar a até 800 reais,
dependendo da atividade desempenhada nas ruas – roubo ou tráfico.
Em 2006 nova demonstração de força do grupo. Descontentes
com a transferência de centenas de presos dentre eles Marcos Willians Herba
Camacho (vulgo Marcola, maior liderança da facção) para a penitenciária de
Presidente Venceslau, o PCC organizou uma série de motins e ataques conta alvos
do Estado. A ação paralisou a capital do Estado, e o revide de grupos de
extermínio integrados por policiais mataram centenas de pessoas nas ruas de São
Paulo.
Sem rivais de peso em seu reduto e oferecendo benefícios
e uma alternativa à lei do cão que vigorava antes, o PCC obteve sem dificuldade
o monopólio do tráfico de drogas e do crime organizado no maior Estado do país.
As facções paulistas Seita Satânica, Comando Revolucionário Brasileiro da
Criminalidade e Terceiro Comando da Capital, rivais locais do PCC, têm presença
quase insignificante nos presídios e são mais fracas ainda fora deles.
Nas periferias do Estado, até então mergulhadas em sangue,
o grupo proibiu assassinatos sem sua chancela. O resultado da medida, vista por
muitos especialistas como sendo a grande responsável pela queda dos homicídios
em São Paulo, levou à criação dos “tribunais do crime”. Disputas que antes eram
resolvidas necessariamente à bala agora eram arbitradas pelo PCC, e a sentença
na maioria das vezes deixou de ser a morte. A lógica por trás deste mecanismo,
no entanto, não é humanista: com a redução das mortes nas periferias a polícia
pressionava menos os traficantes, que se viam livres para tocar os negócios nas
bocas de fumo.
A expansão para outros Estados foi um passo natural: com
transferências para presídios vizinhos a ideologia do grupo se espalhou entre a
massa carcerária do país. Além de ampliar seu quadro de integrantes, o PCC
firmou alianças com outros grupos, como o Primeiro Comando do Maranhão,
Primeiro Grupo Catarinense, entre outros. No Rio, até o final do ano passado, o
parceiro da facção paulista era o Comando Vermelho. Após o rompimento com o CV,
o PCC começou a articular uma parceria com o grupo Amigos dos Amigos,
dissidência do CV. El País //