A
esperança no olhar desolado de crianças e idosos que estão abrigados no
município de Maceió renasce nos dias que antecedem a chegada do Natal. Muitos
deles, abandonados pela família encontram em pessoas desconhecidas o sentido da
palavra solidariedade. Na capital, centenas de crianças, adolescentes e idosos
passarão a noite natalina em abrigos, acompanhados de monitores por não
possuírem um lar.
A
psicóloga Luciana Vieira explica que há um misto de sentimentos entre crianças,
adolescentes e idosos, mas que a época do ano costuma ser bem pior para os de
mais idade. “As reações são diferentes, o idoso sofre mais porque tem mais
consciência do abandono, chora e expõe a tristeza pelo abandono familiar. Abala
pela maturidade ser maior que a da criança. Muitos falam que fizeram tanto pela
família e o resultado foi o abandono. Outros reclamam que a família só queria
se aproveitar da aposentadoria deles. A criança também sofre, mas consegue
minimizar mais com a diversão. Porém, também ficam tristes com o entardecer
quando a ocupação vai cessando”, observou.
Dona
Maria Muniz Barros, de 67 anos, é um desses idosos, que lamenta a ausência de
sua sobrinha que só a visita uma vez por ano. Fala com entusiasmo dos abraços
calorosos que recebe dos grupos que visitam o abrigo, mas gostaria de ser mais
bem acolhida pelos seus. “Nem sei direito quantos dias minha sobrinha aparece
para me ver. Minha irmã ficou doente e não consegue andar com as próprias
pernas. Minha alegria é quando chegam pessoas para nos visitar, mesmo
desconhecidas são sempre bem-vindas”, colocou.
A
coordenadora da casa de Acolhimento Mãe das Graças, Cícera Lisboa, contou que
são 42 idosos no total na instituição, sendo 39 mulheres e três homens. Todos
com histórias distintas, porém com as mesmas causas, sobretudo abandono
familiar.
“Sandra,
de apenas 28 anos, é uma das histórias comoventes. Ela vivia amarrada num
coqueiro no fundo do quintal da casa junto com os outros animais. Ela tem
muitas sequelas e traumas. Tem muito medo de tudo. Quando Sandra chegou ao
abrigo fazia dó. Ela comia de tudo, como se fosse irracional. Entrava no
banheiro, comia papel higiênico e tudo o que visse pela frente”.
Sandra
chegou ao abrigo por meio de denúncia de vizinhos. Foi abusada pelo padrasto e
a mãe tem o vício do alcoolismo. Quase nunca recebe visita desta mãe, segundo
Cícera Lisboa, e quando acontece, a genitora aparece embriagada.
A
coordenadora disse ainda que muitas delas são abandonadas pela família na porta
do abrigo. Elenice, que está na casa há quatro anos, chegou num dia de chuva
toda encharcada, trazida por um irmão que exigia que a coordenação a acolhesse
porque do contrário seria abandonada na rua. “Ela é um caso interessante
também, sabe ler, escreve bem, nos ajuda no bazar, passa troco, vende bem
direitinho”.
Idosa
analfabeta recita versos e poemas
Albani
dos Santos, 40 anos, quando avistou a reportagem se empolgou e frisou que
embora não soubesse ler fazia poemas, ela recitou um trecho: “Eu te amo de
verdade. Acredite se quiser. Eu amo é você e não outro qualquer... Se saudade
matasse assim como me faz sofrer, eu já teria morrido de saudade de você”.
A
mãe de Albani tentou matá-la quando ela ainda era criança e, desde então, foi
abandonada. “Minha mãe e meu irmão moram em São Paulo, mas não quero vê-los,
ela tentou me matar quando eu tinha 7 anos. Passei um tempão no Hospital
Portugal Ramalho, uns 30 anos, eu acho. Gosto das pessoas que me visitam, a
presença delas é ótima”, destacou.
Uma
outra idosa, Dona Josefa Souza, de 68 anos, tem esperança da nora e do neto a
visitar. Ela foi deixada no abrigo após o seu filho falecer. “A nora dela teve
dificuldades financeiras e o neto se envolveu com drogas, é dependente químico.
Enfim, dona Josefa mora com a gente a cerca de 6 anos, quase o tempo da fundação
da casa de acolhimento”, observou Cícera Lisboa.
A
coordenadora comenta que o abrigo funciona exclusivamente de doações
voluntárias e infelizmente se esvazia nos meses que não são comemorativos. “O
fluxo cresce na Semana Santa, Dia das Crianças e Natal. Não que não haja
movimento nos outros meses, mas é bem menor. Quem nos visita mais são os grupos
religiosos, principalmente os espiritas”, mencionou.
Conforme
a coordenadora da casa de Acolhimento Mãe das Graças, as visitas são
importantes para as idosas, no sentido da interação com pessoas diferentes. “É
importante. Aliás, elas se sentem importantes e alivia um pouco o sentimento de
profunda tristeza pelo abandono sofrido pelos familiares. Elas amam ganhar
presentinhos, principalmente enfeites de cabelo, brincos, colares. São acima de
tudo vaidosas”, completou.
“Crianças
choram quando não recebem visitas”
Dezenas
de crianças que vivem no abrigo Instituto Acolher, em Maceió, não escondem a
alegria da presença de pessoas na casa onde moram. O coordenador Amaro Jorge
Silva, contou que é penoso no dia em que não aparece ninguém. Na Noite de
Natal, aquelas que não passarão com seus padrinhos, sofrem ao entardecer quando
cessam os passeios e festas do dia.
“Eles
choram muito, ficam tristes e mal-humorados. Costumo dizer que esta é a melhor
época do ano para eles. A casa sempre recebe pessoas ou grupos organizados que
fazem atividades, recreação, brincadeiras, distribuem lanches, presentes, e
eles se esbaldam. É uma forma de esquecer o que já passaram. Embora a vida
tenha sido ainda pouco vivida, eles já carregam muita tristeza com o abandono
dos pais”, disse Jorge Silva. “No Dia das Crianças e a na Páscoa, a quantidade
de pessoas cresce bastante. Mas no restante do ano, é bem esporádico”.
Uma
das principais causas das crianças estarem no abrigo é a desestruturação
familiar. “Muitos vieram da rua, onde os pais fazem a sua morada. Alguns até
têm casa que ganha do governo, mas fecham e preferem estar nas ruas, se
acostumaram, virou uma rotina de cultura dessas pessoas, e os filhos seguem,
pedem esmolas, roubam e até se prostituem”, revelou.
Uma
dessas crianças é Alexandre, de 11 anos. Ele morava num prédio abandonado com a
mãe e uma irmã adolescente. Quando a mãe faleceu, o Conselho Tutelar os acolheu
e os encaminhou para abrigos em Maceió. “O Alexandre é muito inteligente.
Aprendeu a ler sozinho. É peralta como toda criança com energia, mas tem um
histórico triste, assim como a maioria dos que estão aqui”, ressaltou o
coordenador Jorge Silva. “Pobreza não é motivo de abandono, mas é o que a gente
vê nas ruas, principalmente de meninas”, disse.
Yago
da Silva, hoje com17 anos, foi abandonado pela mãe aos 5 anos. Ele contou que
tem esperança de, quando atingir a maior idade, ir morar com ela. “Minha mãe
perdeu a minha guarda porque era usuária de drogas. Ela se arrepende. Sei que
não foi culpa dela. Quero estudar para ser alguém na vida e ajudá-la. Ela vem
me visitar e fico muito feliz. Às vezes a gente tem umas discussões, mas é
normal. Eu amo demais a minha mãe”, concluiu.
Abrigos
mantidos ou conveniados
Raquel
Mesquita, da Diretoria de Gestão da Informação da Secretaria Municipal de
Assistência Social (Semas) explicou que atualmente a Prefeitura de Maceió
mantem três abrigos para crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos. Cada abrigo
possui cerca de 60 menores, distribuídos no Abrigo Rubens Colaço, Luzinete
Soares de Almeida e Instituto Acolher.
Outras
entidades que o Município presta serviço por meio de convênios só que de forma
indireta, abrigam hoje aproximadamente mais outras 60 crianças e adolescentes,
são eles: Abrigo Deus Proverá, Lar da Menina, Lar Batista Marcolina Magalhães e
Casa Lar em Aldeias.
Três
abrigos de idosos também recebem o apor-te da Prefeitura de Maceió através da
Semas para beneficiar 192 idosos, sendo 137 dependentes (necessitam de maior
atenção) e 55 independentes. As entidades são Abrigo São Vicente de Paula, Casa
Luiza de Marilac e Francisco de Assis.
Raquel
Mesquita frisou que o número de abrigos para crianças, adolescentes e idosos é
superior ao informado, mas que não estão aptos a receber convênio por alguma
particularidade pendente, seja na documentação, por exemplo, entre outras
situações. Tribuna Hoje // Ana Paula Padrão