Assim, não é por acaso que nossos
conhecimentos sobre eles vêm quase exclusivamente de imagens borradas ou
relatos pouco confiáveis.
Essa imagem mística foi o que atraiu
Benjamin Radford, pesquisador do Comitê para a Investigação Cética (CSI, na
sigla em inglês), para a história do chupa-cabra, uma suposta criatura
vampiresca que ganhou fama mundial nos anos 1990, do México à Rússia, passando
pelo Brasil e os Estados Unidos.
Relatos sobre o chupa-cabra apareceram
pela primeira vez em Porto Rico em meados dos anos 1990. Eles descreviam uma
criatura bípede de quase um metro e meio de altura com olhos grandes, espinhos
nas costas e longas garras.
Essa criatura, segundo esses relatos,
estaria matando animais de criação para corte e chupando seu sangue - daí seu
nome popular.
Em sua longa pesquisa, que levou cinco
anos e demandou viagens por várias regiões, Radford localizou até mesmo a
primeira pessoa a relatar ter visto a criatura: Madelyne Tolentino, da cidade
de Canóvanas, no leste de Porto Rico. Em 1995, ela disse ter visto uma criatura
parecida com um alien da janela de sua casa.
O impressionante da história é a
rapidez com que ela se espalhou. Após mais relatos de gente que disse ter visto
a criatura, e a ligação feita na mídia local com animais de gado encontrados
com o sangue extraído, a viralização foi incontrolável.
Ela primeiro se
espalhou por Porto Rico, depois pelo resto da América Latina e o sul dos
Estados Unidos. No Brasil, uma reportagem sobre o chupa-cabra no programa Domingo Legal, no
SBT, em 1997, levou a uma onda de supostas aparições da criatura por todo o
país.
A lenda se espalhou até mesmo online,
nos primórdios da popularização da internet, com a participação de grupos
entusiastas de óvnis e teóricos da conspiração.
Até que no início dos anos 2000 um
novo chupa-cabra apareceu, com algumas diferenças em relação ao original. Desta
vez era descrito menos como um alien e mais como um animal parecido com um
cachorro, andando em quatro patas, mas sem pelos.
E além dos relatos de aparição, alguém
também encontrou um corpo de uma dessas criaturas.
Ao ouvir a história, Radford percebeu
uma oportunidade de ouro: realizar uma investigação sem precedentes sobre algo
cuja fama já se equiparava à de outros monstros lendários, como o pé-grande ou
o monstro do Lago Ness.
"Quando você tem um corpo, muda
tudo", explica. "Você pode colher amostras de DNA e de ossos, estudar
a morfologia", diz.
"No começo estava logicamente
cético em relação à existência da criatura", comenta. "Mas ao mesmo
tempo tinha consciência de que é possível encontrar novos animais. Não queria
simplesmente menosprezar ou descartar a possibilidade. Se o chupa-cabra é real,
queria encontrá-lo."
O ponto de partida óbvio eram os
corpos dos supostos chupa-cabras. Um total de uma dúzia de corpos foram
encontrados, principalmente no Texas e em outros Estados do sudoeste dos EUA.
Eram realmente horríveis: sem pelos,
magros e com a pele com aparência queimada. Mas exames de DNA revelaram uma
realidade muito mais mundana: os corpos eram invariavelmente de coiotes,
cachorros ou guaxinins, com exceção de um, que na verdade tratava-se de um
peixe.
Mas como esses animais foram
confundidos com monstros extraterrestres? Segundo Radford, a razão era a perda
do pelo por causa de sarna sarcóptica, provocada por ácaros, uma doença
relativamente comum e capaz de deixar os animais com o aspecto monstruoso no
qual se encontravam.
"Os cachorros sarnentos são quase
carecas, com a pele muito grossa e num tom vermelho ou preto escuro",
observa Alison Diesel, especialista em doenças de pele em animais na
Universidade do Texas.
Se a esse aspecto são acrescidas
feridas provocadas pela coceira, está formado o chupa-cabra.
Mas isso era só metade da história -
ainda faltava resolver o mistério dos animais vítimas dos chupa-cabras.
E a resposta, mais uma vez, foi
surpreendentemente simples. Os animais encontrados eram provavelmente vítimas
de predadores comuns, como cães ou coiotes. Não é incomum um cachorro selvagem
morder um animal no pescoço e depois deixá-lo.
Muitas vezes, o bicho morre com
hemorragias internas, sem outras marcas além da mordida.
As marcas no pescoço costumam ser
relacionadas com vampiros, graças à lenda do Drácula, mas os animais que se alimentam
efetivamente do sangue de outros não agem assim, como observa o pesquisador
Bill Schutt, do Museu de História Natural de Nova York.
"As espécies que sugam o sangue o
procuram perto da superfície da pele, o que não é o caso da veia jugular, por
exemplo", observa Schutt.
Assim, se compararmos as
características de animais vampiros, como os morcegos, e dos chupa-cabras, há
poucas semelhanças.
Os vampiros, segundo Schutt, são
pequenos e furtivos, com dentes especializados e um sistema digestivo que lhes permite
extrair nutrientes do sangue.
Uma criatura do tamanho de um cachorro
"morreria de fome rapidamente se alimentando de sangue", segundo ele,
por causa da falta de nutrientes essenciais como a gordura.
Além da presença desses sinais de
mordidas, Radford acredita que os rancheiros que encontraram os corpos dos
animais atacados podiam atribuir a morte deles a um vampiro depois de
examiná-los e cortá-los - e ver que o sangue não jorrava.
"Quando um animal morre, o
coração para de bater e não há mais pressão sanguínea", explica. "O
sangue se acumula na parte mais baixa do corpo e então coagula e se espessa.
Isso se conhece como lividez, e dá a ilusão de que o sangue foi retirado do
corpo."
Mas se toda a mitologia ao redor dos
chupa-cabras cai rapidamente por terra diante da investigação científica, por
que a lenda permanece viva até hoje?
Pode parecer estranho, mas Radford
aponta para o forte sentimento antiamericano em toda a América Latina como
parte dessa explicação. Isso é particularmente forte em Porto Rico, protetorado
dos EUA.
"Falei com vários
portorriquenhos, que sentiam que os Estados Unidos os havia explorado, enganado
e ignorado, economicamente e de outras formas", diz.
Muitos portorriquenhos acreditam que
os chupa-cabras são outra indicação da exploração americana: seriam o resultado
de experiências científicas ultrassecretas promovidas pelos Estados Unidos na
floresta de El Yunque, não muito longe da cidade onde Madelyne Tolentino fez o
primeiro relato sobre a criatura.
Outro fator é a internet. "Eu
classifico o chupa-cabra como o primeiro monstro da internet", diz
Radford. "Se o primeiro testemunho tivesse ocorrido em 1985, algumas
pessoas poderiam ouvir falar sobre ele, mas a história não teria viralizado
pelo mundo todo."
Radford observa que o mito mudou
rapidamente.
"O chupa-cabra original tinha
espinhos nas costas e olhos grandes. Mas ao longo dos anos o conceito da
criatura foi se expandindo, até o ponto de hoje qualquer cachorro sarnento ser
chamado de chupa-cabra", diz.
"Hoje as pessoas vão ao Google e
procuram 'animal misterioso que ataca as coisas'. E o mito se
autoperpetua."
E o que explica o primeiro
avistamento, em 1995? Foi inventado?
A resposta de Radford
é igualmente inesperada. Ele observa que a descrição feita por Madelyne
Tolentino era semelhante à do alien do filme A Experiência (Species, no original em inglês), que havia sido
recém-lançado em Porto Rico - ela tinha assistido.
A trama do filme envolvia experiências
científicas ultrassecretas dos Estados Unidos e foi parcialmente filmada em
Porto Rico.
"Está tudo ali. Ela vê o filme,
depois vê algo que confunde com um monstro", diz Radford.
Ele afirma, porém, não acreditar que
os relatos sobre o chupa-cabra eram mentira, mas simplesmente o fruto de
imaginações extremamente férteis.
"Do meu ponto de vista, não há
absolutamente nenhuma razão para acreditar que algo fora do comum esteja
envolvido nos ataques ao gado", conclui Radford.
A história toda não passa de uma
grande confusão envolvendo confusão científica, identificação errada de
animais, exagero da mídia, ansiedade cultural e histeria coletiva. Tudo isso
como resultado da impressão que um filme de ficção científica deixou sobre uma
mulher em Porto Rico.
Mas as revelações de Radford mostram
ainda que, mesmo que a análise rigorosa, todas as pesquisas e toda investigação
científica demonstrem que o chupa-cabra não passa de um mito, as pessoas gostam
de histórias fantásticas e continuarão a contá-las, por mais estranhas ou
inverossímeis que pareçam. BBC Brasil //
Pressionado, Google refina algoritmo para evitar notícias falsas
O Google
anunciou nesta terça-feira (20) que está trabalhando para refinar o seu sistema
de buscas com o objetivo de eliminar resultados "não confiáveis". A
declaração foi dada em resposta ao jornal britânico "The
Guardian", que divulgou na semana passada que o primeiro resultado da
busca por "O Holocausto aconteceu?" é o site Stormfront, de supremacia
branca.
De
acordo com o UOL, o site afirma que o Holocausto, que matou mais de seis
milhões de judeus e outros durante a Segunda Guerra Mundial, foi uma farsa.
Esta falha
é apenas mais um caso. No mês de novembro, a gigante norte-americana teve de
responder sobre notícias falsas relacionadas com as eleições nos Estados
Unidos.
Em
uma declaração à AFP, o Google disse que seu objetivo é fornecer
"resultados confiáveis" para as pesquisas, oferecendo "uma
amplitude de conteúdos diversos de fontes variadas. (...) Julgar quais páginas
na web respondem melhor a uma pergunta é um problema desafiador e nem sempre
conseguimos acertar", diz o comunicado.
O
Google informou que ajustes recentes no seu algoritmo "ajudarão a trazer à
tona conteúdo confiável e de alta qualidade" e que a equipe está trabalhando
para melhorar ainda mais a experiência do usuário. Notícias ao Minuto //