Em uma casa de taipa no município de Girau do Ponciano, no interior de
Alagoas, uma família de cinco pessoas comia carne seca com farinha, enquanto
aguardava uma boa notícia do pai que estava na sede da Assistência Social do
município. Com os olhos inchados de tanto chorar, o homem chega e, rapidamente,
todos perguntavam o que aconteceu. Sem responder, ele foi até a cozinha e pegou
um santo para rezar. Sua maior preocupação era o que a família poderia comer no
jantar.
O homem de 50 anos se tornou mais um excluído do Programa Bolsa Família,
após ter seu cadastro bloqueado, por falta de documentos. Um invisível para o
governo, que está vivendo abaixo da linha da pobreza, em Maceió, local que veio
tentar a sorte de ter uma vida melhor. O maior pente-fino da história do
programa do Governo Federal já bloqueou ou cancelou 19 mil benefícios em
Alagoas, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
(MDSA).
De acordo com o MDSA, a resultado se deve ao
aprimoramento de mecanismos de controle do programa, que teve a sua base de
dados ampliada para verificação permanente da renda das famílias. O
levantamento mostra que, em todos os casos, foi constatado pelas equipes do
ministério que a renda das famílias era superior à exigida para ingresso e
permanência no programa.
Segundo Cícero, a única vez que ele teve uma fonte de renda foi aos 18
anos, quando trabalhou como ajudante de uma usina. Hoje, ele vive com a esposa,
duas filhas e uma neta. Antes de vir a Maceió, Cícero ganhava cerca de R$ 12,00
reais por dia, quando conseguia trabalho, porque capinava nas proximidades do
local onde morava e vendia frutas na beira da estrada.
Hoje, ele cata latinhas e garrafas nas ruas da capital, a fim de vender
para empresas de reciclagem, além de cortar árvores e capinar em residências
dos bairros de Maceió. Ele diz que consegue faturar cerca de R$ 25,00 à R$
30,00 reais por dia, trabalhando de domingo a domingo.
O município de Girau tem Índice de Desenvolvimento Humano baixo, segundo
o Atlas do IDH. Até o ano de 2000, metade da população da cidade era
analfabeta. Hoje, não há uma pesquisa que mostre os números corretamente, do
nível de analfabetismo dos habitantes do local.
Casos como o de Cícero têm se tornando constante em Alagoas. Como ele,
Laís dos Santos saiu de São Luís do Quitunde, no Litoral Norte do estado, a fim
de conseguir dar uma vida melhor para os filhos em Maceió.
Ela tem 21 anos e fica todos os dias na porta de estabelecimentos
comerciais e agências bancárias para conseguir dinheiro. Com as duas filhas,
ela pede dinheiro ou comida, além de materiais para a higiene da filha de dois
anos, que ainda usa fraudas. A jornada em busca da sustento começa às sete da
manhã e, enquanto ela está à porta do banco, seu marido está no centro de
Maceió ou no Jaraguá, descarregando caminhões para ganhar um
"trocado".
"Meu benefício foi cortado. Mesmo assim quando tentei resolver, os
documentos não eram suficientes e algo estava errado. Não entendi muito bem
porque não tenho muito conhecimento dessas coisas. A alternativa foi tentar a
vida em Maceió", desabafa Laís.
Problemas com a economia
Segundo o economista Felippe Rocha o corte do benefício para famílias do
interior de Alagoas pode causar danos à economia do estado.
"Quem recebe o auxílio, geralmente, está na subsistência. Retirando
este benefício pode ser impactante para a economia por conta de que aquela
agricultura familiar, como é o caso de maioria das pessoas que recebem o Bolsa
Família, pode virar êxodo rural e impactar no aumento de preços",
informou.
Ainda segundo Felippe, a busca pelo emprego na capital, muitas vezes, é
ilusória e pode aumentar o número de analfabetos. "Sem auxílio, essas
pessoas vem pra capital e buscam trabalho, mas não encontram. Porque o mercado
hoje pede qualificação e boa parte não tiveram uma formação. Com isso, aqueles
que têm filhos colocam a criança para ajudar no trabalho e isso vai formando
mais analfabetos e pessoas sem qualificação", expôs.
Pode aumentar a marginalização
Já o cientista social, Aurélio Santos, explica que o Bolsa Família é
necessário para o auxílio das famílias, principalmente no momento de crise e o
que a falta do benefício pode causar.
"A maioria das pessoas que recebem o Bolsa Família estão no
interior. Estima-se que em todo o país, 20% dos beneficiários não têm acesso a
escola ou emprego e, consequentemente, sem qualificação profissional. E quem
recebe e tem acesso ao colégio, largaria a escola e tentaria trabalhar. Ou seja,
o sub emprego iria ficar cada vez mais barato. Se o país tivessem escolas e
ensino de qualidade, aprimorar e qualificar pessoas que não possuem acesso ao
estado. Construir novas escolas, também com isso, o Bolsa Família iria começar
deixar de ser necessário e iríamos construir uma geração mais qualificada,
aumentando o valor da mão de obra e um maior sustento familiar. Podendo até
provocar a marginalização de muitos", explica Aurélio.
O Gazetaweb tentou entrar em contato com a Secretaria
de Estado da Assistência e do Desenvolvimento Social (Seades), mas não obteve
êxito. Gazetaweb //