O problema é quando o desejo obsessivo
de trabalhar é exercido em detrimento do resto - saúde, relacionamentos e mesmo
a qualidade do trabalho.
Essa compulsão tem levado muita gente
a consultórios de analistas e a grupos de auto-ajuda. E pode matar: no início
de outubro, um estudo do governo japonês descobriu que um quinto da força de
trabalho do país corre risco de morte por trabalho em excesso.
E não se trata nem de longe de um
problema apenas japonês. Em junho, o Workaholics Anônimos (WA), um programa que
se baseia nos famosos "12 passos" dos Alcoolicos Anônimos, realizou
sua primeira reunião internacional, no Reino Unido, com a presença de delegados
dos quatro cantos do mundo.
Há poucas pesquisas estudando como o
vício em trabalho se desenvolve. Não é algo reconhecido oficialmente como
doença pelo Manual de Distúrbios Mentais da Associação Americana de
Psiquiatria, uma espécie de Bíblia do assunto.
Mesmo sem essa chancela, o impacto do
excesso de trabalho é ligado a efeitos na saúde.
Uma análise recente de
pesquisadores da Universidade da Geórgia (EUA) examinou estudos acadêmicos
existentes neste campo e concluiu que, entre outras coisas, workaholics, como são conhecidos os
viciados em trabalho, são
menos produtivos do que colegas com atitude mais saudável em relação ao
trabalho.
Outro estudo em larga escala,
publicado em maio pela Universidade de Bergen, na Noruega, viu correlação entre
tendências de trabalho em excesso e outros distúrbios psiquiátricos, como
transtorno obsessivo compulsivo, ansiedade e depressão.
Mas quando o trabalho
duro se torna algo ruim? O workaholismo é
uma compulsão - um impulso para trabalhar ou pensar em trabalho, explica Bryan
Robinson, psicoterapeuta baseado na Carolina do Norte (EUA) e autor do livro Chained to the Desk (Acorrentado à Cadeira, em
tradução livre), uma espécie de guia para viciados em trabalho.
"Não é uma questão
de quantas horas passamos no trabalho, mas sim o que está acontecendo dentro de
nós. O workaholic é uma pessoa que está em uma estação
de esqui e sonha em voltar ao trabalho. O trabalhador saudável está no
escritório, mas pensando na estação de esqui", afirma Robinson.
O psicoterapeuta, que já cuidou de
pacientes cujo excesso de devoção ao trabalho resultou em divórcios, demissões
e crises de saúde, cita o caso de uma mulher que mentia para o marido que
estava na academia, mas em vez disso ia para o trabalho e depois molhava as
roupas de ginástica para dar a impressão de suor.
Malissa Clark, uma das acadêmicas
envolvidas no estudo da Universidade da Geórgia, diz que viciados em trabalho
relatam mais estresse, menos satisfação profissional e mais fadiga.
Isso sem falar em menores níveis de
saúde mental e física e problemas familiares, apesar da crença de que o vício
em trabalho resulta em profissionais mais competitivos, ambiciosos e
produtivos.
"Não há muitos resultados
positivos", conta a pesquisadora.
Como fazer para saber se você está com
um problema? Há alguns testes que podem ser feitos. Os pesquisadores
noruegueses criaram a Escala Bergen de Vício em Trabalho, que ajuda a medir
nosso comportamento, sentimento e atitudes em relação ao trabalho. O WA conta
com um questionário online que ajuda a determinar se você precisa de ajuda.
Especialistas dizem
que o primeiro passo é reconhecer que há um problema. Robinson, por exemplo,
define a si mesmo como um workaholic em
recuperação. E recomenda um tratamento que inclua meditação, terapia, mudanças
comportamentais e um trabalho que descubra algo mais por trás da obsessão com o
trabalho.
"Há uma série de causas
primordiais. Pode ser auto-estima ou mesmo uma forma de tentar controlar a
ansiedade", diz o psicoterapeuta.
Conta com sete critérios
básicos para identificar vício em trabalho e situações têm frequência
classificada como "nunca", "raramente", "às
vezes", "frequentemente" e "sempre". Se você marcar
"frequentemente" ou "sempre" em pelo menos quatro de sete
situações, pode ser um workaholic.
§ Pensa em como pode conseguir mais tempo para
trabalhar
§ Passa muito mais tempo trabalhando do que
pretendia originalmente
§ Trabalha para reduzir sentimentos de culpa,
ansiedade, desespero e depressão
§ Já ouviu de outros para diminuir a carga de
trabalho
§ Fica estressado se não consegue trabalhar
§
Sacrifica hobbies, lazer e
exercício por causa do trabalho
§ Trabalha tanto que isso afeta sua saúde
O californiano Bob, de
61 anos, que não revela seu sobrenome, como prega o programa do WA, percebeu
que tinha um problema quando sua mulher se disse cansada de acordar no meio da
noite e descobrir que ele não estava na cama, mas sim ainda no escritório. Bob
agora trabalha como voluntário para o WA e diz que workaholics são "viciados em adrenalina".
"Estresse, pressão, crise e
prazos fazem justamente a adrenalina correr nas veias e possibilitam a
habilidade de se trabalhar em um ritmo louco", conta.
Bob teve seu primeiro trabalho aos
cinco anos de idade, ajudando o irmão a entregar jornais, reciclar latas e
garrafas, cortar grama e limpar a neve de calçadas e entradas de garagem. Ele
se tornou um bem-sucedido homem de negócios, mas sua saúde começou a ter
problemas e ele acredita que teria passado por sérios problemas com a família
se não tivesse procurado ajuda.
"Minha mulher não querer mais
viver daquele jeito me deu a força de vontade para eu que finalmente adotasse o
programa (do WA) com compromisso."
Mas o trabalho não é algo que podemos simplesmente deixar de
lado, então como controlar nossos impulsos? "É a diferença entre seguir um
plano e simplesmente pegar o primeiro projeto que aparecer", diz Bob. Na
prática, significa programar horas de trabalho, concentrar-se em uma coisa de
cada vez e, se algo inesperado aparecer, reavaliar prioridades em vez de
simplesmente tentar encaixar tudo na agenda.
Outras opções incluem
procurar um terapeuta especializado nesta área ou participar de workshops e
programas. Em alguns países há até clínicas de reabilitação para casos mais
graves, como a Bridge to Recovery, no Estado americano de Ohio. Mas
ainda há a necessidade de mais estudos. "Não temos pesquisa em como a
condição se desenvolve e não há quase nada entre a relação entre o vício em
trabalho e desordens clínicas", diz Malissa.
"Isso precisa ser um tópico mais
comum (de estudos), porque tem impacto negativo legítimo no bem estar e na vida
das pessoas". Matéria BBC Brasil //