Num momento em que as atenções do país continuam voltadas
para a tragédia da queda do avião que transportava a Chapecoense, o Congresso
manteve votações importantes marcadas para terça-feira, e parte delas adentrou
pela madrugada de quarta.
Após tensa manifestação em frente ao Congresso, com
episódios de violência por parte de manifestantes e policiais, o Senado aprovou
em primeiro turno a proposta de emenda constitucional (PEC) que cria um teto de
vinte anos para o crescimento dos gastos federais. Foram 61 votos a favor e 14
contra, em larga vitória do governo. Para entrar em vigor, a PEC do teto ainda
precisa ser aprovada em uma segunda votação, que deve ocorrer no dia 13 de
dezembro.
Já a Câmara apreciou o pacote de medidas anticorrupção.
Vários pontos importantes da proposta, no entanto, foram derrubados. Depois de
o presidente Michel Temer anunciar um acordo com o Congresso para não aprovar
uma anistia ao caixa 2 (movimentação irregular de recursos de campanha), os
deputados votaram nesta madrugada outra proposta polêmica, tida como reação à
Operação Lava Jato.
Por meio de uma emenda ao pacote, os deputados aprovaram
novas punições para juízes e membros do Ministério Público que cometerem
"abusos de autoridade", por 313 votos a 132.
O entendimento foi no sentido de revogar propostas do
Ministério Público para enrijecer a legislação ou simplificar trâmites
processuais.
Além disso, iniciativas como tipificação do crime de
enriquecimento ilícito de funcionário público, endurecimento da prescrição dos
crimes e facilitação da retirada de bens adquiridos com a atividade criminosa
foram excluídas.
Pacote anticorrupção
Esse pacote teve início com uma proposta apresentada pelo
Ministério Público Federal (MPF) que ficou conhecida como "dez medidas
anticorrupção", prevendo aumento de punições, a criação de novos crimes e
a redução das possibilidades de recursos. Ele chegou à Câmara com apoio de mais
de 2 milhões de assinaturas.
Os deputados, porém, têm direito de debater as propostas
e sugerir mudanças.
Eles aprovaram uma emenda prevendo que juízes, promotores
e procuradores que procederem "de modo incompatível com a dignidade e
decoro de suas funções" podem ser condenados a penas de seis meses a dois
anos.
Mesma punição pode ser aplicada a quem expressar na
imprensa opinião sobre processos ainda em curso, entre outras condutas.
Para o MPF, a proposta é uma reação à Operação Lava Jato
e vai contra a intenção inicial por trás da elaboração das medidas, de fortalecer
o combate à corrupção
"É um absurdo estarmos votando (essa proposta) na
madrugada, na calada da noite", criticou o deputado Carlos Sampaio
(PSDB-SP), que é promotor licenciado.
Por outro lado, uma das alterações cogitadas pelos
deputados que gerou maior polêmica nos últimos dias - a tentativa de mudar a
redação da proposta de lei que criminaliza o caixa 2 (movimentação irregular de
dinheiro de campanha eleitoral) para anistiar crimes passados que já são
puníveis por leis existentes, como corrupção e lavagem de dinheiro - acabou
ficando de fora do pacote, após a reação negativa da sociedade.
Os deputados aprovaram o texto-base do pacote
anticorrupção, prevendo a criminalização do caixa 2 com pena de prisão de 2 a 5
anos, mais multa.
Apesar do apoio popular, as medidas propostas pelo MPF
receberam também críticas de algumas entidades do meio jurídico, como a Ordem
dos Advogados do Brasil, que entendem que elas enfraquecem o direito à defesa.
Parte das propostas controversas do MPF foi retirada do
pacote pelos deputados, como autorizar uso de prova ilícita e parte de uma
série de restrições sugeridas ao uso do habeas corpus (recurso para solicitar
liberdade de presos não condenados).
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro engrossou a
crítica da OAB às propostas do MPF e lançou um site com um "análise
crítica" da proposta: o "10 medidas em Xeque".
"O combate à corrupção não pode resultar da
supressão de direitos previstos na Constituição. (…) A Defensoria Pública do
Rio analisou o pacote de medidas e constatou que muitas implicam supressão de
direitos e repercutem em toda a população", diz a instituição.
As medidas aprovadas pela Câmara seguem para ser votadas
no Senado, possivelmente ainda esta semana. Por ser um projeto de lei, basta
voto da maioria simples dos deputados e senadores para sua aprovação.
PEC do teto
A PEC do teto dos gastos foi proposta pelo presidente
Michel Temer que defende a medida como crucial para tirar as contas públicas do
vermelho, restabelecer a confiança na economia e o país voltar a gerar
empregos.
Desde 2014, o governo federal registra deficits
bilionários, o que vai se repetir esse ano e, provavelmente, no próximo.
A proposta prevê que o crescimento anual dos gastos
públicos ficará limitado à inflação do ano anterior por 20 anos, mas a PEC
prevê uma janela para que a regra possa ser revista após uma década.
Esse teto afeta apenas os gastos primários, ou seja, sem
contar despesas financeiras como juros da dívida. A ideia é gerar anualmente um
saldo (superávit primário) que permita manter o endividamento do governo
brasileiro sob controle.
O limite proposto por Temer, no entanto, tem sido alvo de
intensas críticas, inclusive de economistas liberais a favor do ajuste
econômico.
Ex-assessor econômico de senadores tucanos e diretor
executivo do recém-criado Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado
Federal, Felipe Salto, por exemplo, escreveu um artigo junto com a economista
Monica de Bolle intitulado A PEC do Teto não é uma Brastemp.
Eles consideram que a duração proposta para o teto, de 20
anos, é muito longa e deve criar superávits muito altos, além do necessário
para manter o endividamento sob controle, já que a expectativa é que a inflação
caia, reduzindo o patamar de reajuste dos gastos a cada ano. O efeito prático
disso é que o país destinará recursos demais para pagar juros, desviando
investimento de outras áreas.
Dessa forma, defendem que ajustes deveriam ser feitos no
texto proposto, para evitar esse efeito. A base de Temer no Senado, porém,
descarta qualquer alteração no texto já aprovado na Câmara, pois isso obrigaria
que a proposta voltasse àquela casa e o governo tem pressa em aprovar a PEC.
Uma emenda constitucional só passa a valer depois de ser
aprovada com texto idêntico por três quintos dos deputados e senadores, em dois
turnos de votação em cada casa. Agora, ele será novamente apreciado pelo
Senado, possivelmente dia 13 de dezembro.
Por outro lado, Salto e Bolle apontam como lado positivo
que um teto forçará o Estado a ser mais eficiente com seus gastos e alocar
melhor os recursos.
Já a oposição, liderada por parlamentares do PT, PCdoB,
PSOL e Rede, sustenta que se PEC for aprovada provocará uma grande redução do
Estado brasileiro, reduzindo gastos em saúde e educação.
Senadores desses partidos tentaram propor que a votação
fosse adiada, devido à tragédia da Chapecoense, mas sabiam que o pedido não
seria aceito pela maioria.
Esses parlamentares defendem que o ajuste fiscal deveria
ser feito não só com corte de gastos, mas também com aumento de impostos sobre
os segmentos mais ricos da população.
O presidente, no entanto, sempre rechaça qualquer
possibilidade de elevar tributos, sob a justificativa de que a carga tributária
é alta no país.
Mas até mesmo Armínio Fraga, economista ligado ao PSDB e
que vinha se posicionando contra novos impostos, disse ao jornal Valor
Econômico nesta semana que a medida pode ser necessária, assim como redução de
desonerações (isenções ficais).
"Teríamos um programa muito mais robusto de
enfrentamento da crise, se o governo não estivesse deixando parte importante do
ajuste (fiscal) para o futuro", afirmou.
Horas antes da votação desta terça, policiais usaram
bombas para dispersar protesto em frente ao Congresso, enquanto manifestantes
viraram dois carros estacionados e colocaram fogo em um deles. Também houve
depredação em pontos de ônibus e na fachada de ministérios. Agência BBC Brasil