Agência El País //
Imagem
de seis recém-nascidos em berços de papelão num hospital simboliza colapso do
país
Uma foto se tornou contundente testemunho das carências da Venezuela. Seis bebês dormindo dentro de caixas de papelão
no hospital Domingo Guzmán Lander, no Estado de Anzoátegui, são um verdadeiro
retrato da crise no país petrolífero. A foto destruiu a versão do Governo do
presidente Nicolás Maduro, que insiste em desmentir os que denunciam um
colapso. A imagem, captada com um celular, circulou vertiginosamente pela
Internet.
A primeira reação oficial desencadeou críticas. Nelson
Moreno, o governador chavista do Estado de Anzoátegui, disparou uma proposta
inesperada em relação à deficiência no hospital: “Não há má-fé nisso. Se vão
colocar numa caixinha, pegam uma caixinha, com muita criatividade, decoram-na
bem, arranjam-na como uma cestinha e a colocam lá, ao lado da mamãe”.
A foto reflete uma continuação da
crise venezuelana. Em agosto, a Relatoria da ONU para a Saúde se manifestou a
respeito do preocupante aumento das mortes de bebês no país. A taxa de
mortalidade entre recém-nascidos na Venezuela passou de 0,02% em 2012 para
2,01% em 2015. No ano passado houve 4.903 mortes de neonatos sobre um total de
243.638 nascimentos, segundo relatório do Ministério da Saúde. Muitos médicos
dizem que a causa das mortes é a falta de recursos nos hospitais e a escassez
de 85% dos medicamentos, impossibilitando contar com as condições sanitárias
mínimas para proteger os bebês.
Enquanto a crise hospitalar piora,
o Governo de Nicolás Maduro é acusado de ir contra os denunciantes. Manuel
Ferreira, diretor de Direitos Humanos da coalizão de oposição Mesa da Unidade
Democrática (MUD) em Anzoátegui, afirma que os médicos do hospital Domingo
Guzmán Lander são intimidados por ter feito a foto. O Instituto Venezuelano de
Seguros Sociais (IVSS), organismo encarregado da administração do hospital,
responsabilizou uma médica por colocar os recém-nascidos em caixas.
Segundo a versão governamental, na
semana passada havia sete incubadoras disponíveis para acomodar os bebês. “O
instituto procederá da forma administrativa cabível nesse tipo de falha e
prestará a colaboração caso outras instituições tenham que realizar as
investigações pertinentes”, diz Carlos Rotondaro, presidente do IVSS. Segundo o
deputado de oposição Tomás Guanipa, os médicos suspeitos de divulgar a foto
foram intimados pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) para
ser interrogados.
A precariedade se arraigou na
Venezuela. As medidas econômicas do Governo Maduro e a queda dos preços do
petróleo aprofundaram a crise. Os prognósticos são desanimadores. O Fundo
Monetário Internacional estima que o país
encerrará este ano com uma inflação de 720%, enquanto continua a dependência
do petróleo e da importação de produtos. Ao drama econômico se soma o social.
As caixas não suprem apenas a falta de incubadoras nos hospitais. Muitas
famílias recorrem a caixões de papelão para enterrar seus mortos, diante do
alto custo das urnas feitas de madeira ou metal.
Foi na cidade de Barquisimeto, no
Estado de Lara, que surgiu a iniciativa de fabricar ataúdes de papelão. “Neste
momento, morrer empobrece muito. O biocaixão é econômico e acessível aos
venezuelanos que não têm dinheiro para enfrentar este momento”, comenta Elio
Ángulo, que projetou o caixão.