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As eleições municipais deste domingo serão marcadas pela descrença e pelo
desânimo do eleitor com o sistema político em decorrência da crise e dos
escândalos de corrupção.
Essa é a
avaliação o sociólogo Alberto Almeida, autor de A Cabeça
do Brasileiro eA Cabeça do Eleitor,
que acredita que esse desânimo já existia, mas que ficou "acentuado"
neste pleito de domingo.
Almeida acredita
que esse cenário privilegiará candidatos de oposição e pequenos partidos em
detrimento das candidaturas à reeleição e das legendas mais tradicionais e de
mais peso no país.
Leia abaixo
trechos da entrevista concedida à BBC Brasil:
BBC Brasil - Qual deve ser o impacto da crise política que o país
enfrenta nos últimos dois anos nas eleições municipais?
Alberto Almeida - Vamos
perceber esse impacto no aumento dos votos brancos, nulos e nas abstenções.
Muito provavelmente haverá aumento desses comportamentos eleitorais.
É uma descrença
generalizada, nós estamos há mais de um ano com o noticiário tendo como foco
escândalos de corrupção, políticos envolvidos na Lava Jato e seus
desdobramentos.
BBC Brasil - Como esse cenário pode afetar os partidos? É possível
apontar quais devem se fortalecer?
Almeida - Devemos
ter uma perda de densidade eleitoral do Partido dos Trabalhadores, que lançou
agora metade dos candidatos que havia lançado nas últimas eleições municipais.
Em 2012 foram 2 mil candidatos a prefeito, e agora são apenas mil. Só esse dado
já é suficiente para que o PT tenha um resultado eleitoral muito abaixo que o
da eleição passada.
O PMDB vem se
mantendo no mesmo patamar há alguns anos, pode ser que tenha um pequeno aumento
em função do acesso à máquina pública, o Partido Social Democrático (PSD) vem
crescendo, pode crescer novamente, assim como o Solidariedade e outros menores.
Mas, de fato, existe uma fragmentação grande e foram criados incentivos em
função do escândalo da Lava Jato para o crescimento dos demais partidos, que
não os quatro ou cinco principais.
E é provável que
aumente a votação de outros partidos pequenos, que tendem a aumentar força
eleitoral em termos de voto e controle de prefeituras - isso é uma tendência
que já vinha ocorrendo em anos anteriores e deve se manter agora.
BBC Brasil - Qual sua avaliação sobre essa proliferação de partidos para
o sistema político como um todo?
Almeida - É muito
ruim para o sistema político a proliferação de partidos. Não existe a
quantidade de ideologias ou de propostas políticas diferentes que justifique a
quantidade de partidos que há no Brasil. Vários países do mundo são
administrados adequadamente somente por dois partidos.
Podemos imaginar
que três, quatro, no máximo seis seriam mais do que suficiente para tocar o
país, e nós temos hoje na Câmara dos Deputados uma representação de
praticamente 30 partidos, outros buscando legalização. No nível local há uma
enorme quantidade de partidos e isso torna a negociação política muito custosa,
muito difícil, e obviamente se tornou uma anomalia da democracia brasileira.
BBC Brasil - Quais são, na sua avaliação, os pleitos representativos ou
significativos e que devem ser olhados com atenção?
Almeida - Se você
toma São Paulo na eleição passada, há quatro anos, Fernando Haddad era um
ilustre desconhecido e foi eleito prefeito. Dois anos depois, Dilma (Rousseff)
foi reeleita presidente com dificuldade, com pouco mais de 3% de vantagem sobre
Aécio Neves. E agora o Haddad dificilmente chegará ao segundo turno.
Este pleito,
então, antecipa o quê? Ela antecipa o tamanho de bancadas de deputados federais
- há correlação, que não é tão forte, mas há. Uma perda de densidade eleitoral
do PT hoje, nas eleições municipais, pode significar que daqui a dois anos o PT
pode perder bancada de deputado federal na Câmara em Brasília e
consequentemente, que outros partidos que não os principais possam avançar na
próxima eleição caso não seja tomada nenhuma medida em termos de reforma
política que dificulte a representação dos pequenos partidos.
BBC Brasil - No início do ano, o senhor previa que essas eleições municipais
seriam da oposição, de mudança de governo. O senhor ainda acredita que esse
deve ser o cenário?
Almeida - Nos
municípios a tendência é de vitória dos candidatos de oposição. Recentemente
saiu uma bateria de pesquisas sobre as eleições nas capitais e em apenas duas
delas o prefeito ou a prefeita tinham percentual de avaliação positiva que
pudesse levar à reeleição. Todos os demais provavelmente perderão a eleição,
não serão reeleitos e dificilmente conseguirão eleger um sucessor do mesmo
partido.
BBC Brasil - O senhor acha que esse pleito ganha um peso diferente do que
eleições anteriores? É possível pensar em voto mais consciente por conta da
carga política dos últimos meses?
Almeida - Acho que o
voto será mais desanimado, mais descrente nessas eleições. As pessoas sabem que
precisam da política, que vai haver um prefeito, vereadores, mas elas estão
desanimadas em função de todos os escândalos. Há uma certa descrença com
relação à atividade política, que sempre houve, mas está mais acentuada. Então
que será uma eleição marcante nesse aspecto.
BBC Brasil - Será difícil mudar essa sensação de desânimo e descrença?
Almeida - Isso leva
tempo, eu acho que existe um peso relevante da crise econômica, porque quando
você tem uma piora no bem-estar da população como nós tivemos nos últimos dois
anos, somado a escândalos de corrupção, o cenário se complica. Tem impacto
relevante na credibilidade do sistema.
BBC Brasil - Essas eleições municipais marcam o início de algumas
mudanças na lei eleitoral, com destaque para as campanhas mais curtas e o fim
das doações de empresas. Essas mudanças alteraram de fato alguma coisa?
Almeida - Desse
experimento, há dois destaques: alguns apontam que os candidatos mais
conhecidos serão beneficiados, outros estão aguardando. No meio político, há um
consenso de que a duração menor da campanha foi positiva porque retirou um peso
de gasto de campanha. Agora, a proibição de doação de empresas pode ser
revertida porque dificultou o financiamento de uma campanha.
BBC Brasil - Pensando em 2018, que papel tem essa eleição agora no
próximo pleito presidencial?
Almeida - É mais
limitado porque são lógicas diferentes. Na eleição presidencial, o que se
aplica é uma lógica nacional do voto, embora os prefeitos possam ser
importantes para esse apoio daqui a dois anos.
BBC Brasil - Ainda pensando na "cabeça do eleitor", é fácil
perceber que há uma confusão sobre as responsabilidades e a alçada de cada uma
das esferas do governo: municipal, estadual e federal. Pensando nisso - e que
essa separação nem sempre é clara para o eleitor - o que exatamente pesa na
hora de ele escolher um candidato a prefeito ou vereador?
Almeida - Essa
confusão é normal porque o sistema é confuso mesmo. Pense no exemplo da
educação, que no nível fundamental é do município, no médio é do estadual e no
superior, federal. Apesar da confusão, o eleitor sabe quem cuida do quê. Ele
sabe, por exemplo, que desemprego e inflação estão na esfera do governo
federal.
Com as prefeituras quebradas como estão, as soluções para a saúde ganham
um papel fundamental nesta eleição
O Brasil já teve
muitas agendas municipais. Até recentemente, a pauta principal era a
pavimentação - as pessoas moravam em ruas não asfaltadas, sem calçamento, mas
esse problema vem sendo resolvido nos últimos 20 anos - não está completamente
sanado, mas vem melhorando e essa agenda se tornou menos importante. E assumiu
um destaque maior uma agenda que já estava presente nos últimos anos, que é a
agenda do serviço público de saúde, caótico na maioria dos municípios
brasileiros.
Não por acaso
muitos prefeitos são médicos. De modo geral, o candidato que conseguir
conjugar, durante a campanha, a colocação como candidato de oposição e se
posicionar como aqueles que melhor conseguirão lidar com os problemas da saúde
pública e encontrar saídas e soluções, se tornarão favoritos. O médico é uma
pessoa distante dos mais pobres no Brasil, e com as prefeituras quebradas como
estão, as soluções para a saúde ganham um papel fundamental nesta eleição -
esse é um problema que as prefeituras ainda não conseguiram lidar de maneira
adequada.