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Saúde
02/05/2022 11:00:00

Pós-Covid: pediatra e mães relatam caminho, do diagnóstico à superação da SIM-P, doença que atingiu 77 crianças em AL


Pós-Covid: pediatra e mães relatam caminho, do diagnóstico à superação da SIM-P, doença que atingiu 77 crianças em AL

Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). Difícil, o nome da doença que atinge crianças e jovens entre 0 e 19 anos, uma complicação da Covid-19, tem se tornado mais comum, pois se transformou na principal preocupação de pediatras e pais no pós-Covid de seus filhos. O assunto voltou a ganhar destaque na semana passada, depois que levantamento do Ministério da Saúde (MS) apontou que Alagoas ocupa o segundo lugar, no país, em número de casos da SIM-P.

Conforme o estudo, Alagoas tem 7,5 casos para cada 100 mil habitantes. Em primeiro lugar, está o Distrito Federal, com uma incidência acumulada de 9,1 casos por 100 mil habitantes.

A secretaria de Estado da Saúde (Sesau) informou à reportagem que foram registrados 33 casos da SIM-P em 2020 em Alagoas; 37 em 2021 e 7, entre janeiro e abril deste ano, totalizando 77 no período. Uma criança morreu em 2020 e outra em 2021, em decorrência da doença e não houve registros de mortes em 2022.

Em busca de mais informações sobre a síndrome, diagnosticada pela primeira vez em abril de 2020 no Reino Unido e caracterizada por uma inflamação que atinge múltiplos órgãos e sistemas, a exemplo do coração, sistema digestivo e sistema nervoso central, o CadaMinuto ouviu uma pediatra e o relato de um casal que viveu momentos de aflição entre o diagnóstico de SIM-P e a alta médica da filha mais velha, de apenas três anos. Eles alertam aos pais que é preciso atenção aos sintomas da doença que, embora rara, é potencialmente grave.

Mãe e pediatra 

A experiência da pediatra Larissa Gouveia com a SIM-P foi de preocupação dupla, como médica e mãe, já que a filha dela, Letícia, foi diagnosticada com a síndrome em fevereiro, prestes a completar 4 anos de idade. Ela própria direcionou toda a investigação clínica, fechou o diagnóstico e providenciou o internamento da filha.

“Foi extremamente difícil. Tive que lidar com a ambiguidade de ter a frieza que o médico requer para resolver um problema, buscar solução para uma condição, providenciar o internamento e iniciar o tratamento e, ao mesmo tempo, a mãe estava ali com toda aquela insegurança, mas, acima de tudo, com muita fé em Deus. Eu acredito muito em Deus, sei que tudo que Ele faz é perfeito, senti-O todo o tempo comigo e pude ter a serenidade necessária para guiar, para estar perto da minha filha como mãe, e como médica ter a resiliência, a paciência de estar consciente durante todo o processo, mas graças a Deus a evolução dela foi muito boa e hoje ela está completamente recuperada”, relembrou Larissa.

A médica conta que como consequência do “boom” no número de casos de Covid-19 nos primeiros meses do ano, houve também um aumento esperado no número de casos da SIM-P. “Tanto que em janeiro eu já estava me preparando, enquanto pediatra, para um possível aumento do número de casos de SIM-P. Estudei, me capacitei para poder diagnosticar algum paciente que chegasse a mim, e aí pude direcionar o diagnóstico da minha filha. Jamais acharia que seria eu a fazer o diagnóstico dela, mas foi esse o caminho e graças a Deus hoje as coisas aparentam estar sob o maior controle, com a diminuição dos casos de Covid-19 em geral”, acrescentou.

Incidência 

A pediatra explica que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define como um dos critérios de caso suspeito da SIM-P que ele ocorra em crianças ou adolescentes de 0 a 19anos, mas dados epidemiológicos, em uma revisão sistemática realizada nos Estados Unidos, apontam que a média de idade das crianças acometidas foi de 8 anos, com uma discreta prevalência do sexo masculino.

Pontuando que as estatísticas ainda são de estudo clínico, sem uma justificativa a princípio, Larissa frisou que a síndrome pode acontecer em qualquer outra idade: “Pode acontecer em menores de um ano, em bebês. Recentemente a gente teve maior número de casos aqui em Maceió, incluindo o da minha filha, e coincidentemente a maioria das crianças estava na faixa etária de 3 a 4 anos, mas a síndrome pode acontecer em qualquer faixa etária pediátrica”.

Sobre possíveis fatores de risco para o desenvolvimento da SIM-P, a médica voltou a dizer que qualquer criança ou adolescente pode desenvolver a síndrome no pós-Covid, sem que haja necessariamente essesfatores.

“O estudo do qual falei, feito com crianças dos Estados Unidos, mostrou que 45% das crianças acometidas tinham alguma comorbidade, sendo as mais frequentes a obesidade, em até 17% das crianças, seguida da asma e a hiperreatividade brônquica. Não tenho dados do Brasil, se há essa correlação, mas, em tese, qualquer criança ou adolescente de 0 a 19 anos pode desenvolver a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica”, reforçou.

Vacinação  

Questionada sobre a relevância da vacinação contra a Covid-19 neste cenário, Larissa lembra que o objetivo dessa imunização, como o de qualquer processo de imunização contra agente infeccioso, é diminuir a ocorrência da doença, de casos graves, do número de hospitalizações e consequentemente, do número de óbitos.

“Sabemos que nenhuma vacina vai imunizar 100%, mas vai gerar condições para que, com uma grande parte da população imunizada, a gente consiga diminuir a transmissibilidade do agente infeccioso, de modo que esse agente deixe de circular. Além disso, do ponto de vista pessoal, o indivíduo que está imunizado vai ter menos chance de adquirir a doença, vai ter menos chance de desenvolver formas graves e de evoluir com complicações ou óbitos secundários à doença”, esclareceu.

A pediatra acrescentou que ainda não há perspectiva de vacinação contra a Covid-19 para crianças a partir de 0 anos: “Os estudos estão evoluindo, avançando e a gente fica na expectiva, mas acredito que a curto prazo a vacina ainda não vai chegar para a faixa etária menor de um ano”.

Por meio de sua assessoria de Comunicação, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou ao CadaMinuto que, até o momento, 58.121 crianças de 5 a 11 anos tomaram as vacinas contra a Covid-19 na capital, o que corresponde a 59,5% da população pediátrica estimada (97.570).

A segunda dose foi aplicada em 22.287 crianças de 5 a 11 anos, apenas 22,8% do público estimado. Destacando que dispõe de vacinas para atender ao público preconizado, a SMS reforçou a necessidade de os pais levarem os filhos aos pontos de vacinação para tomar a segunda dose, fundamental para a imunização das crianças.

O pós-Síndrome Multissistêmica 

Os pacientes que receberam alta hospitalar e saíram da fase aguda ainda precisam manter alguns cuidados, entre eles o tratamento com medicamentos para prevenção da formação de trombose o acompanhamento com cardiopediatra, com realização de ecocardiogramas para checar a evolução das alterações nas artérias coronárias.

“No caso da minha filha, graças a Deus já temos dois ecocardiogramas com resultados normais. Ela ainda está terminando o tratamento com a medicação e ficará fazendo ecocardiogramas periódicos. O próximo será daqui a seis meses e depois fica fazendo anualmente”, relatou Larissa Gouveia, lembrando que as crianças que tiveram SIM-P e inflamaram as artérias coronárias acabam ficando com um fator de risco cardiovascular.

A pediatra concluiu com um conselho para a vida: “De modo geral, após sair da fase aguda, mais do que nunca a genteprecisa promover saúde para essas crianças. Alimentação adequada, atividade física, enfim, o que já devemos promover para toda criança de maneira geral, mas para elas, ainda mais do que nunca, que é o que eu tenho feito pra minha filha”.

Coração de mãe 

Foram dias de tortura. Um soco no rosto e outro na barriga em seguida. Ver sua filha, que é conhecida por seu entusiasmo e carisma, prostrada, apática e visivelmente doente, sem um diagnóstico, corroeu nossos corações desde o começo. Depois de muita angústia, o diagnóstico da SIM-P, doença grave, mas tratável. Corremos para UTI, onde ela pôde receber a medicação e graças ao bom Deus a resposta foi imediata! No total, foram 8 dias de pesadelo, mas essa etapa nossa Júlia venceu! E venceu bravamente, apesar de implorar a cada pessoa que entrava no quarto do hospital, que não queria mais exames, vacina, nem ‘furadinha de formiga’. Queria ir para casa.

O relato acima é apenas o resumo do que o casal Michelle Marques Luz, servidora pública federal, e Dênis Guimarães, promotor de Justiça, passou entre o diagnóstico e a alta hospitalar da filha mais velha, Júlia, de 3 anos.

A criança testou positivo para Covid-19 duas vezes, em janeiro e, desde então, por acompanhar o caso de um menino que faleceu em decorrência da SIM-P em Alagoas, Michelle procurou entender tudo sobre a síndrome e o que precisava fazer para “correr contra o tempo”, caso fosse necessário.

“Três semanas depois do segundo resultado positivo de Covid, com o início da febre, meu coração de mãe já dizia que Júlia estava com a SIM-P. Por coincidência do destino, a filha da pediatra (Larissa Gouveia) também apresentou SIM-P e esta infeliz coincidência me ajudou muito nas condutas que eu precisava ter com minha filha para diagnosticar rápido a doença”, contou a funcionária pública.

Ela disse que os primeiros sintomas de Júlia foram febre constante e persistente, tosse, vômitos e, por fim, sangue nas fezes. No começo, o casal precisou insistir para que os médicos do hospital para onde a menina foi levada realizassem o ecocardiograma que confirmaria o diagnóstico.

“Mesmo o médico da emergência dizendo que ela havia sido examinada, que não tinha indicativo para esse exame, meu coração de mãe dizia que a resposta estava nesse exame. Conhecendo minha filha, sabia que aquela criança apática, sem vida, que mal conseguia me chamar de mamãe, não estava normal. E eu precisava ganhar tempo no diagnóstico para tratar o pior quadro, que seria a inflamação do coração. Então após muitas tentativas e suplícios, conseguimos a realização do exame, conclusivo quanto ao diagnóstico de inflamação das coronárias e outras complicações”, completou a servidora pública.

Júlia foi internada na UTI pediátrica na madrugada do dia 17 de fevereiro, dia do aniversário do pai, que a acompanhou durante os dias que se seguiram, entre a UTI e o quarto do hospital. Com a filha caçula do casal, Helena, com quatro meses de vida e amamentada de forma exclusiva, Michelle precisou ficar em casa cuidando da recém-nascida, que nesse meio tempo contraiu bronquiolite.

 “Os dias que passei longe da Júlia foram desesperadores, ao mesmo tempo me resignei sabendo que Helena precisava de mim e Júlia estava em boas mãos, com o pai, que é maravilhoso e faz tudo por ela”, prosseguiu, frisando que a ajuda da família foi primordial para que conseguissem lidar com todos os acontecimentos.

Após a alta hospitalar, Júlia foi avaliada em um hospital de São Paulo, sendo constatado que a inflamação das coronárias está 100% curada.

“Houve uma lesão, mas isso não a incapacitará de ter uma vida normal.Ainda temos um percurso a finalizar, com acompanhamento de cardiologista-pediatra, mas agora a vida segue ‘normal’. Os cuidados com ela serão eternos, tendo em vista a lesão ocasionada nas coronárias, mas tendo uma vida saudável, com prática de esporte e alimentação adequada, Júlia poderá ter uma vida normal, como qualquer outra criança sem comorbidades”, relatou a mãe.

“Eu agradeço imensamente a Deus por tudo. Pela recuperação da Juju. Ao meu marido que é e foi extraordinário, à família por todo apoio e, se tem algo que eu possa contribuir, é orientar que façam um ecocardiograma após positivar para Covid-19. Foi essa orientação que recebi em São Paulo e repasso a todos os meus conhecidos”, concluiu Michelle.

Vanessa Alencar e Gabriela Flores

Cada Minuto



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