28/03/2024 08:25:30

15/11/2009 00:00:00

Especiais


Especiais

com gazetaweb // Fonte ig

Em Juazeiro do Norte, a 520 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, anualmente quase três milhões de fiéis chegam em massa para reverenciar um padre banido das hostes da Igreja Católica. Para toda essa gente, mesmo considerado maldito pelo Vaticano e proibido de entrar nos altares oficiais, o padre Cícero Romão Batista, ou simplesmente Padim Cícero, é um santo milagreiro. Santo e político.

Agora, mais de 70 anos depois de morto, o líder religioso pode ser aceito pelo Vaticano, que graças ao papa Bento XVI tem discutido a reabilitação do padre. Seria o primeiro passo para uma canonização no futuro.

“Existe hoje uma compreensão no alto clero em Roma de que é impossível manter à margem da liturgia oficial milhões e milhões de pessoas que têm padre Cícero como santo, enquanto se assiste ao avanço das igrejas pentecostais”, diz ao iG o jornalista Lira Neto, autor da biografia Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão, lançado pela Companhia das Letras. “Arrisco dizer que a reabilitação é para breve”, opina.

O livro é resultado do acesso do jornalista a 900 cartas que integram o acervo da Cúria do Crato, cidade vizinha a Juazeiro, e a documentos do Vaticano até então restritos. Para o biógrafo, a iniciativa da Santa Sé tem motivação muito mais política do que religiosa. Em entrevista ao jornal "The New York Times", em março de 2005, o bispo do Crato, o italiano Fernando Panico – um dos principais defensores da reabilitação canônica de Cícero – vaticinou: “o padre Cícero é como um antivírus contra o avanço das seitas evangélicas”.

Milagre em Juazeiro

As romarias de Juazeiro podem inspirar multidões, mas o brasileiro em geral o desconhece. A reaproximação do Vaticano com a devoção popular e a pesquisa do jornalista ajudam a iluminar a polêmica trajetória religiosa e política de padre Cícero.

A fama e o ocaso dele no Vaticano começaram em 1889 quando Cícero, na época um jovem sacerdote, ofereceu a comunhão à beata Maria de Araújo. Segundo chegariam a jurar sobre a Bíblia as testemunhas ali presentes, a hóstia na boca mudou de forma e de cor. Transformou-se em sangue vivo. O episódio teria se repetido por meses a fio. De imediato, “milagre” passou a ser palavra corrente na região.

Segundo Lira Neto, a correspondência pessoal de padre Cícero e a documentação consultada mostram que ele jamais deixou de defender a tese do milagre. Os homens da Igreja, no entanto, não acreditaram nos relatos. Passaram a ver Cícero um mistificador, um explorador da ingenuidade popular. Daí o banimento: o líder religioso foi suspenso das atividades sacerdotais. Oficialmente fora da Igreja, Cícero se aliou a elites locais e nacionais e embarcou na política.

Apesar de não ser religioso e de relatar os episódios com certa ironia, Lira Neto não é taxativo sobre os milagres: “para mim permanece o enigma sobre o que aconteceu naquele momento entre a beata e o padre. Depois de vasculhar todos os documentos, posso de dizer que não há uma explicação razoável para o fenômeno”.

Com Lampião e contra Prestes

Outra polêmica envolvendo padre Cícero é a célebre oferta da patente de capitão ao cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião. O livro mostra como o governo federal incentivou os líderes locais a cooptarem os cangaceiros para enfrentar a coluna Prestes – o movimento comandado por Luis Carlos Prestes, que no fim da década de 20 se deslocou pelo interior do país combatendo o então presidente Artur Bernardes e, posteriormente, Washington Luís.

A ideia, diz Lira Neto, não saiu de padre Cícero, mas foi gestada dentro do Ministério do Exército e do Palácio do Catete. Foi a habilidade ao fazer alianças que permitiu a Cícero manter sua liderança, mesmo proscrito pela Igreja.

Estava longe de ser um grande orador. Mas arrebatava e comovia multidões com a fala simples e cheia de referências próprias da fé sertaneja. O livro detalha como Cícero pregava contra as danças, o feitiço e a cachaça. Com apenas 1,60m, acabava pessoalmente com os folguedos e os sambas. (Ele achava que os batuques herdados dos negros deviam ter parte com Satanás.) Anunciava aos pecadores o fim dos tempos e a chegada iminente do Anticristo.



Enquete
Se fosse fosse gestor, o que você faria em União dos Palmares: um campo de futebol ou a barragem do rio para que não falte agua na cidade?
Total de votos: 93
Notícias Agora
Google News