"Por três vezes aconteceu a falta de matéria-prima, não teve abastecimento. Algo que nunca tinha acontecido", diz Murrieta.
Antes da alta de preços das embalagens, houve um aumento de mais de 100% no valor da muçarela, que passou de R$ 16 o quilo para até R$ 34 em meados da pandemia. Agora, o preço começou a cair, e o pizzaiolo de Belém já encontra o produto a R$ 26.
Mas então veio a alta das carnes, com a calabresa 50% mais cara e o bacon, 40%.
Diante desse cenário, Murrieta não viu alternativa: teve de aumentar o preço de suas pizzas em 10%. Buscando a compreensão dos clientes, publicou um aviso nas redes sociais explicando a situação. Ainda assim, o reajuste foi insuficiente para recompor suas margens e, com os preços mais altos, a pizzaria perdeu um pouco em volume de vendas.
No outro extremo do país, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, a vendedora de camisetas Laissa Cancelier Negoseki, dona da marca Brusinhas Estamparia, também usou as redes sociais para compartilhar com seus clientes uma situação para ela inédita: em meados de setembro, não se achava camisetas de malha para comprar no país.
"Nunca, em toda nossa história, tivemos uma crise tão grande nas matérias-primas do setor têxtil", dizia a vendedora.
Em novembro, Negoseki segue com dificuldade para comprar camisetas, com fornecedores pedindo prazos de até três ou quatro meses para entrega, ante uma espera de 15 dias em tempos normais. E à falta de camisetas, soma-se agora a indisponibilidade no mercado da tinta branca importada usada para estampar as blusinhas, além de um aumento de quatro vezes no preço do primer, pré-tratamento usado nas camisetas para fixação das tintas.
Não são somente caixas de pizza e camisetas em falta no país. Empresários dos mais diversos setores relatam falta de aço, cobre, resinas plásticas, produtos químicos, embalagens de papelão, plástico e vidro, algodão e tecidos, placas de MDP, MDF e espumas utilizadas na fabricação de móveis, e até do sebo bovino utilizado na produção de sabonetes.
Mas o que explica essa escassez generalizada e alta de preços de insumos num momento em que a economia retoma atividades, após a fase mais dura do isolamento provocado pela pandemia do coronavírus?
A BBC News Brasil ouviu especialistas e lista os seis fatores que explicam essa situação, quais as consequências disso para a economia, além de até quando esse cenário deve perdurar.
Segundo economistas, um primeiro fator que explica a falta de insumos nos últimos meses foi um desarranjo das cadeias produtivas que aconteceu no início da pandemia.
Entre março e abril, com a expectativa de uma queda aguda da demanda e sem perspectivas de quando o consumo iria se normalizar, além da necessidade de cumprir regras de distanciamento social para segurança dos trabalhadores nas fábricas, as indústrias botaram o pé no freio na produção.
"O início da pandemia foi um momento de profunda incerteza, em que ninguém sabia o que ia acontecer, qual seria o tamanho da queda do PIB, quais seriam as medidas que o governo ia adotar, qual seria a eficácia dessas medidas, quanto tempo aquilo iria demorar", lembra Rafael Cagnin, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre março e abril, a produção industrial brasileira acumulou queda de 27%. Desde então, o setor vem se recuperando mês a mês, mas somente em setembro retomou o nível de fevereiro.
Sem produzir e diante da demora inicial do governo para disponibilizar linhas de crédito para o setor produtivo, a indústria precisou gerar caixa para honrar seus compromissos financeiros. Com isso, muitas empresas consumiram seus estoques, tanto de insumos, como de produtos acabados.
O mesmo aconteceu no varejo. Com lojas e shoppings fechados, muitos comerciantes frearam novas compras e preferiram vender o que já tinham em seus acervos.
Quando a atividade começou a retomar, esse duplo movimento resultou em um desencontro: varejistas precisando comprar para repor estoques e indústrias com a produção ainda reduzida e sem estoques para atender à demanda do comércio e de outras indústrias.
Conforme dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o índice de estoques do setor está em queda desde março. O indicador estava em 49,9 naquele mês e chegou a 43,3 em outubro. Valores acima dos 50 pontos indicam crescimento do nível de estoques ou reservas acima do desejado. Abaixo desse patamar, o nível de estoques é considerado insatisfatório.
Um terceiro fator que explica a escassez e alta de preços das matérias-primas foi a recuperação mais rápida do que o esperado da atividade econômica no país. Segundo os analistas, isso se deveu em grande medida aos efeitos do auxílio emergencial sobre o consumo.
"Tivemos dois meses em que a demanda foi muito baixa, e daí o governo jogou quase R$ 300 bilhões para 66 milhões de pessoas através do auxílio emergencial e esse dinheiro foi imediatamente para o consumo", observa Ricardo Roriz, presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico) e vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
"Se esperava, no início do choque da covid-19, uma queda muito mais profunda do nível de atividade e uma demora muito maior na recuperação", diz Cagnin, do Iedi.
"O que vimos foi uma surpresa positiva, com uma reativação do nível de atividade mais rápida do que se previa. Como as indústrias estavam com estoques muito comprimidos, isso gerou um estresse na cadeia produtiva, com empresas não conseguindo atender todos os seus clientes, nem comprar todos os insumos necessários de seus fornecedores."
Segundo o boletim Focus, do Banco Central, a expectativa mediana do mercado para a queda do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 2020 chegou a 6,6% ao final de junho. Desde então, diante dos resultados melhores do que o esperado da atividade nos últimos meses, os economistas têm melhorado suas estimativas e a projeção agora é de baixa de 4,55% no ano.
A demanda acima do esperado não foi apenas interna. Com o controle da pandemia em outros países do mundo, particularmente na China, a demanda externa por commodities brasileiras explodiu.
Esse forte aumento das exportações foi favorecido ainda pelo real desvalorizado em relação ao dólar, que torna mais rentável para as empresas vender para fora do que para o mercado interno. Ao mesmo tempo, o dólar alto inibe importações, o que também reduz a oferta de produtos no mercado doméstico.
O voraz apetite chinês também levou a uma alta de preços das commodities, cujos valores são definidos por negociações em bolsas internacionais. A combinação de alta de preços das commodities, desvalorização cambial e forte volume de exportações levou à explosão de preços no mercado interno de produtos como soja, arroz, algodão, proteína animal, aço, alumínio, papel e celulose.