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Especial
11/10/2020 22:00:00

AL tem 50 transexuais esperando por cirurgia de mudança de sexo

Procedimento ainda não é ofertado no Estado e valor faz com que muitos passem a vida sem conseguir fazer a redesignação


AL tem 50 transexuais esperando por cirurgia de mudança de sexo

Direito de ser quem é e oportunidade de assumir locais importantes, esse é o desejo da transexual Natasha Wonderfull. Pernambucana, de 39 anos de idade e vivendo em Alagoas há mais de 10 anos, ela é uma das mais de 50 pessoas transsexuais no Estado que esperam a oportunidade de conseguir realizar o procedimento de mudança de sexo, que ainda não é ofertado pela rede pública de saúde. 

A estimativa foi feita pela Associação Cultural de Travestis e Transexuais do Estado de Alagoas (Acttrans) e aponta que apenas duas pessoas transexuais em Alagoas fizeram a cirurgia. Em Maceió, de acordo com o levantamento da Acttrans, essas duas pessoas pagaram para fazer o procedimento em outros estados ou países. “Ninguém operou aqui em Maceió propriamente, as que operaram foi porque possuíam dinheiro e conseguiram fazer a cirurgia em outros estados. Pelos dados que tenho só duas conseguiram, e se formos para a fila tem mais de 50 trans no aguardo da mesma oportunidade”, alegou. “Até porque, se você olhar, a situação das pessoas transexuais em Alagoas é de pobreza extrema. A situação é precária, não tem emprego, não tem moradia. O Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece esse tipo de cirurgia. Até alegaram uma época aí no Hospital Universitário (HU) que não tinham a demanda necessária para realizar. Alguns optam por fazer em Recife, ou São Paulo, outros até fora do Brasil, como a Europa, quando possuem condições para tal.” Ela pontua ainda que, além da dificuldade para conseguir pagar o tratamento, ainda é extremamente longo e cansativo. 

“Eu sou uma das transexuais que esperam para fazer a cirurgia e, junto comigo, ainda tem várias outras. E é tudo um processo, são dois anos somente de psicólogo e depois ainda tem mais. É difícil conseguir ser quem você realmente é hoje em dia”, relatou.

HISTÓRIA

A história de vida e a batalha de Natasha Wonderfull por seus direitos e para conseguir ser quem ela realmente se identifica é longa. A artista, que também é técnica em enfermagem atualmente, nasceu no sertão pernambucano, onde passou parte de sua infância. Ela contou que, com 8 anos de idade, já percebia que não pensava como um menino e muitas pessoas já a confundiam, fisicamente, com uma menina. “Realmente como uma pessoa transexual eu me identifiquei aos 11 anos de idade, nas noites, onde tive que trabalhar para sobreviver. Não que hoje seja muito mais fácil de viver, mas aquela foi uma época difícil, sabe?! As pessoas não tinham estudo antes dos anos 90, éramos tratadas como abominações, chamados de ‘viados pederastas, ‘bichas loucas’, vários nomes pejorativos.

Chegavam até mesmo a nos prender”, contou Natasha. “Os programas que cheguei a fazer foram para sobrevivência, não porque gostava. Precisamos pagar comida e aluguel, mas não nos dão oportunidades.” Wonderfull relatou também que, enquanto mais nova, como não entendia direito o que vivia, ou possuía o conhecimento que tem hoje, chegou a tentar se automutilar. “Na época, eu não sabia que existia a cirurgia para mudança de sexo e, inclusive, cheguei até a pensar em me mutilar. Até tentei, na verdade, mas quando vi que ia sentir dor, fiquei com medo. Eu era uma criança. Essa prática ainda existe no Brasil, inclusive, pela pobreza extrema de nossa população”, destacou. Com 12 anos, e a morte de sua mãe, Natasha veio para Maceió e, muito cedo, acabou tendo que se prostituir para sobreviver. Depois de passar seis anos em Alagoas, quando fez 18 anos, a técnica em enfermagem viajou para São Paulo e, aos 25, foi para Itália, onde novamente continuou trabalhando com a prostituição, a fim de juntar o dinheiro necessário para sua cirurgia. Contudo, quando retornou, priorizou sua moradia e, mais uma vez, ficou sem o dinheiro para conseguir realizar o tão sonhado procedimento. “O estado de Alagoas ainda é muito precário, tanto em saúde quanto no mercado de trabalho ou na educação para transexuais.

As meninas precisam sobreviver, por isso vão para a noite, e isso, por consequência, acaba atrapalhando a entrada no mercado de trabalho e o retorno aos estudos. Infelizmente, diferente do resto da população, trans precisam escolher entre comer ou estudar, e por isso só resta a noite”, disse Wonderfull. Além das dificuldades financeiras, o preconceito também é crescente contra a comunidade. No Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra pessoas Trans em 2019, levantado anualmente pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Alagoas ocupa a 17º posição no ranking de mortes de transgêneros no Brasil, com duas mortes. São Paulo figura em primeiro lugar no ranking, com 21 mortes, seguido por Ceará, com 11 e Bahia com 8.

ACTTRANS

Hoje em dia, além de atuar como técnica de enfermagem, Natasha também criou, em 2015, um canal no Youtube chamado ‘Canal Wonderfull’, onde mostra como as travestis e transexuais vivem em Maceió. “Através desse projeto queremos formar uma escola de comédia para dar visibilidade a população trans alagoana, além, claro, de levar alegria. Não é propriamente uma escola, é para ser uma paródia de comédia, tipo a ‘Escolinha do Professor Raimundo’, só que com pessoas trans”, disse. “Na mesma época fundei também a Associação Cultural de Travestis e Transexuais do Estado de Alagoas (Acttrans), mas como não conseguimos CNPJ temos apenas o estatuto, por ora. Dentro disso tudo também criamos o grupo TranShow, que foi fundado especialmente para tirar as meninas das ruas e colocar elas nos palcos de teatros. É, inclusive, através do ‘Canal Wonderfull’, que conseguimos cestas básicas para as travestis e transexuais de Alagoas, então, apelo que quem puder ajudar entre em contato, seja pelo canal ou pelo instagram (@NatashaWonderfull)”, frisou a presidente da Acttrans.

GRUPO GAY DE ALAGOAS

O presidente do Grupo Gay de Alagoas, Nildo Correia, informou que nunca houve nenhum tipo de cirurgia de redesignação sexual em Alagoas, e onde havia tratamento para a comunidade trans, o atendimento era precário. “O HU abriu pela segunda vez para iniciar esse tipo de tratamento mas nunca decolou, juntamente ao ambulatório trans no Hospital da Mulher, que iniciou junto a abertura do hospital mas foi no começo do ano, quando a pandemia também aconteceu, ou seja, está sem funcionar”, disse. “Enquanto Grupo Gay de Alagoas podemos afirmar para vocês que nunca existiu cirurgia desse tipo em Alagoas. O HU quando tentou pela primeira vez mas quis fechar alegando que não havia demanda, o que é mentira, o que havia lá era um trabalho desumano, onde eles condicionavam o atendimento deles à características físicas da pessoa trans, o que não existe.” A Gazeta de Alagoas entrou em contato com o Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (HUPAA), mas, até o fechamento desta edição, não obteve respostas.

Gazeta de Alagoas



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