Comparando o comércio dos meteoritos com “um português que dá um espelho para o índio para levar o minério do Brasil”, Miranda e mais um grupo de pesquisadores tentam movimentar pessoas e governo em Pernambuco para deixar o meteorito na cidade.
”Nada mais justo do que o governo de Pernambuco e a prefeitura de Santa Filomena dizer que qualquer pedra que caiu é da cidade. Fazer uma guarda do material e fazer um projeto para capacitar os professores da região”, afirma Miranda.
O pesquisador cita como exemplo a cidade pernambucana de Alagoinha, onde meteorito caiu em 1923. "Fizemos um projeto de lei criando o dia do meteorito. Criamos um clube de astronomia. A gente leva ciência para cidade", conta Miranda.
"A gente brinca que o meteorito é a sonda espacial do homem pobre, porque a gente não precisa ir para o espaço, a pedra cai do céu", diz Zucolotto.
O comércio de meteoritos
O caçador americano que negocia o meteorito de 40 kg mora em Arizona, nos Estados Unidos, e ficou sabendo da chuva de meteoritos em Pernambuco "duas horas após o evento ocorrer", diz, por meio de uma notícia que circulava nas redes sociais. No mesmo dia, ele comprou passagens de avião e embarcou para o Brasil.
Além de colecionar meteoritos do mundo todo - ele conta que sua casa parece um museu e que chegou a viajar de duas em duas semanas para comprar meteoritos na África - o americano também vende os artefatos.
"Vendo para museus e para outros colecionadores, mas não é um negócio grande, gosto de colecionar", diz.
A pesquisadora da UFRJ Amanda Tosi, que faz parte da equipe de Zucolotto e também está na cidade buscando os fragmentos, explica que caçadores costumam ser chamados de "traficantes de meteoritos" por aqueles que são contra o comércio das pedras.
As pesquisadoras da UFRJ que estão caçando os meteoritos no sertão de Pernambuco, as "meteoríticas": Maria Elizabeth Zucolotto, Amanda Tosi, Diana Andrade e Sara Nunes. — Foto: Reprodução/redes sociais
"Eu não vejo assim. Aqui tem caçador dos EUA, Porto Rico, Uruguai e outros estados do Brasil. Estamos trabalhando em cooperação. Tem o interesse econômico, mas se não estivéssemos aqui e se a população não estivesse buscando os meteoritos para vender, eles ficariam perdidos no mato", diz Tosi.
A pesquisadora estima que, até este sábado, entre 100 a 200 fragmentos do meteorito foram encontrados em Santa Filomena.
A regra não é clara
Não há uma legislação específica no Brasil que determine a posse de um meteorito ou que regulamente o seu comércio.
Em Santa Filomena, os meteoritos que caíram em locais públicos, como a Praça da Matriz, ficaram com quem achou primeiro. Os que foram achados perto de casas ficaram com seus proprietários.
Ao contrário de países como Argentina e Austrália, onde há uma regra e os meteoros são bens públicos, o Brasil não tem uma legislação sobre a posse e o comércio de meteoritos.
"Na prática, o Brasil acaba seguindo o padrão da lei americana, que é o seguinte: o meteorito é de posse do dono do local onde ele caiu", explica o pesquisador da USP Gabriel Gonçalves Silva, que é membro da Bramon, rede brasileira de observação de meteoros.
Boliviano barrado
Mesmo sem uma regra clara, é possível que, ao tentar saírem do Brasil com os meteoritos sem avisar às autoridades, estes estrangeiros tenham problemas.
Em 2010, por exemplo, um boliviano foi detido e autuado por contrabando no Internacional Tom Jobim, no Rio, quando tentava embarcar para Bolívia com pedaços do meteorito que caiu na cidade de Varre-Sai, no Noroeste Fluminense.
O G1 entrou em contato com a Agência Nacional de Mineração, mas não teve retorno até a publicação da reportagem.
A Convenção de Propriedade Cultural da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), assinada por mais de cem países, inclusive o Brasil, estabelece que um “bem de interesse científico” só pode ser levado de um país com autorização do governo local.
Venda de meteoros pela internet — Foto: Reprodução
Ainda assim, há um comércio internacional aberto de meteoritos na internet. Em um site americano, há anúncios de diversos meteoritos por mais de R$ 300 mil, e um deles é oferecido por R$ 1,38 milhão.
"O preço de meteoritos não segue um padrão, é um caso extremo de oferta e de procura", conta Silva.
A queda em Pernambuco "fez muito barulho entre os colecionadores e pesquisadores. Tem uma procura muito grande e de repente os preços aumentaram. Se saturar o mercado, o preço pode despencar", ele afirma.
"Tem poucas pessoas com dinheiro e capacidade para comprar uma pedra de 40 kg", diz Silva sobre a pedra maior, de destino ainda incerto.
Um pesquisador que esteve no local, e não quis se identificar, diz que tenta conscientizar a população de Santa Filomena para não vender os fragmentos.
"Os gringos milionários compram esses fragmentos para levar ou vender no exterior, sendo que poderíamos construir um museu na cidade. Isso atrairia turistas e seria bom para a pesquisa", diz o pesquisador.
G1