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Mundo
05/08/2020 16:00:00

Os escândalos que fizeram ex-rei da Espanha deixar país que reinou por quase 40 anos


Os escândalos que fizeram ex-rei da Espanha deixar país que reinou por quase 40 anos

Ele passou os primeiros dez anos da sua vida longe da Espanha e tudo indica que passará os últimos também, depois de reinar o país por quase 40 anos.

A trajetória de Juan Carlos 1º, rei da Espanha de 1975 a 2014, teve uma nova reviravolta na segunda-feira (03/08) após a divulgação de uma carta escrita por ele a seu filho, o rei Felipe 6º, em que comunica sua "decisão pensada" de abandonar o país.

"Faz um ano que expressei minha vontade e desejo de deixar de desenvolver atividades institucionais. Agora, guiado pelo convencimento de prestar o melhor serviço aos espanhóis, a suas instituições e a ti como rei, te comunico minha pensada decisão de me mudar neste momento para fora da Espanha", escreve ele na carta.

"Fui rei da Espanha durante quase 40 anos e durante todos eles eu sempre quis o melhor para a Espanha e para a Coroa."

Juan Carlos I com uniforme militarDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionJuan Carlos 1º foi rei da Espanha de novembro de 1975 a junho de 2014

Não há informações ainda sobre o destino final do rei emérito nem sobre o momento de sua partida. Alguns veículos de imprensa da Espanha afirmam que o ex-chefe de Estado já não se encontra mais no país.

Mas o que levou ele a tomar essa decisão?

'Certos acontecimentos'

Na carta que foi divulgada pelo Palácio da Zarzuela, sede da monarquia espanhola em Madri, Juan Carlos 1º, que abdicou em junho de 2014 e tem 82 anos, aponta a razão principal para a tomada da decisão.

"Com o mesmo afã de serviço a Espanha que inspirou meu reinado e diante da repercussão pública que estão gerando certos acontecimentos da minha vida privada, desejo manifestar a ti minha mais absoluta disponibilidade para contribuir e facilitar o exercício de tuas funções, desde a tranquilidade e sossego que requer tua alta responsabilidade", escreveu ele a seu filho.

Juan Carlos I e Felipe VIDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionJuan Carlos 1º abdicou em 2014 após uma série de escândalos envolvendo sua famíia

Apesar de não dar detalhes, acredita-se que os "acontecimentos" mencionados na carta se referem provavelmente a uma investigação de autoridades fiscais da Suíça e da Espanha sobre suas contas no exterior, em um suposto caso de fraude fiscal e lavagem de dinheiro.

Um trem milionário

A peça-chave da investigação é a construção de uma linha de trem de alta velocidade que une duas das cidades mais importantes no mundo muçulmano — Medina e Meca — na Arábia Saudita.

O AVE (nome dado na Espanha aos trens de alta velocidade) para Meca, que cobre 450 quilômetros no deserto, foi inaugurado em outubro de 2018. Autoridades investigam o papel de Juan Carlos 1º na licitação, em 2011, de um milionário contrato para um consórcio formado na sua maioria por empresas espanholas para a realização das obras.

Os trabalhos de construção começaram em 2012, mas as conversas e disputas sobre quem ganharia o contrato ocorreram nos anos anteriores.

Os estreitos laços do rei com a família real saudita o levaram a atuar como intermediário em favor dos interesses comerciais espanhóis na região.

Juan Carlos e o rei do Bahréin Hamad bin Isa al Khalifa em 2014.Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO rei mérito tem boas relações com monarcas da Arábia Saudita e do Bahrein

O valor deste contrato passou de US$ 7,8 bilhões (mais de R$ 41 bilhões) e tanto a justiça espanhola como a da Suíça suspeitam que durante as negociações foram pagas comissões ilegais.

As autoridades investigam uma transferência suspeita de US$ 100 milhões (cerca de R$ 530 milhões) realizada pelo regime saudita em favor de Juan Carlos 1º em 2008, quando ele ainda era rei da Espanha.

O dinheiro ingressou em um banco suíço e as autoridades fiscais do país suspeitam que se tratou de uma comissão para compensar o agora rei emérito por haver conseguido fazer, supostamente, que o consórcio espanhol apresentasse uma oferta com custo mais reduzido.

Suíça e Espanha

O caso veio à tona em 2018, quando veio à tona uma gravação realizada três anos antes com uma mulher que diz ter sido amante de Juan Carlos 1º, Corinna zu Sayn-Wittgenstein (também conhecida pelo seu sobrenome de solteira, Larsen). Ela é uma empresária de 55 anos nascida na Alemanha e com nacionalidade dinamarquesa.

Na gravação, ela deixa a entender que Juan Carlos 1º havia solicitado uma comissão para interceder no contrato ferroviário com os sauditas e que ele havia escondido o dinheiro no exterior.

Corinna zu Sayn-Wittgenstein el 13 de marzo de 2020Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCorinna zu Sayn-Wittgenstein asegura ser víctima de una campaña de intimidación que ha durado ocho años.

Uma primeira investigação sobre essas revelações foi abandonada pela falta de provas mais contundentes.

No entanto, em março, o jornal suíço Tribune de Genève destacou em uma manchete: "Juan Carlos 1º escondia 100 milhões em Genebra".

"Entre 2008 e 2012, com o amparo de uma sociedade panamenha e como único beneficiário, o rei emérito confiou em total discrição US$ 100 milhões ao Banco Mirabaud", afirmava a reportagem.

O jornal noticiou que se suspeitava que o dinheiro vinha do rei da Arábia Saudita, Abdallah, e acrescentou que a justiça suíça havia aberto uma investigação por lavagem de dinheiro.

Além disso o Tribune de Genève indicou que "em 2012, Juan Carlos transferiu o que restava de dinheiro, uns US$ 76 milhões (cerca de R$ 404 milhões) para sua antiga amante".

Essa informação desencadeou uma investigação das autoridades suíças e outras de fiscais espanhóis sobre suas contas.

O rei emérito, Juan Carlos I e a rainha SofíaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO rei emérito está casado com a rainha Sofia desde 1962

Já que a suposta transferência ocorreu quando Juan Carlos ainda era rei e estava protegido pela imunidade que a Constituição espanhola reconhece a chefes de Estado, o que as autoridades fiscais espanholas investigam é se o rei emérito praticou lavagem de dinheiro e crimes fiscais ao ter esse dinheiro no exterior sem declará-lo.

Da sua parte, o fiscal suíço Yves Bertossa recolhe provas para investigar se esse pagamento tem relação com o contrato que os sauditas outorgaram ao consórcio espanhol na construção do AVE.

O papel de Felipe 6º

A decisão do rei emérito de deixar a Espanha muito provavelmente foi feita em acordo com o rei Felipe 6º, que deve acolhê-la com satisfação.

Juan Carlos I e Felipe VIDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionFelipe 6º tenta se distanciar dos escândalos que envolvem seu pai

Após as novas revelações na Suíça, Felipe 6º anunciou, no dia 15 de março, que estava retirando de Juan Carlos 1º a aposentadoria que ele recebe do Estado — cerca de US$ 235 mil por ano (ou R$ 1,2 milhão).

Ele também disse que, quando chegar o momento certo, pretende renunciar à herança de seu pai.

Essas reações mostraram mais uma vez a determinação de Felipe 6º de se distanciar dos escândalos de seu predecessor e do resto de sua família. Ele já havia retirado o título de duquesa de Palma da sua irmã, Cristina, quando esta se viu envolvida em um escândalo de corrupção que levou seu marido à prisão.

O rei também renunciou ao direito de ser beneficiário de uma fundação offshore no Panamá, a Lucum, para o qual havia sido indicado por seu pai.

E agora?

Ainda não se sabe qual deve ser o destino final de Juan Carlos 1º em sua nova vida.

Aos 82 anos e com uma saúde delicada, alguns analistas acreditam que ele não se mudará para muito longe da Espanha.

Países como Itália, França, Alemanha, Portugal ou Reino Unido, onde ele tem parentes e amigos, parecem as opções mais plausíveis, enquanto alguns especulam que ele iria para um país latino-americano.

O advogado diz que o rei emérito estará à disposição das autoridades para esclarecer qualquer dúvida, apesar de muitos acharem que a estratégia de deixar a Espanha é uma forma de fugir da Justiça.

Bbc News Brasil



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