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Brasil
04/08/2020 12:00:00

Mais de 90 mil mortes por covid-19: O que significa esse número?


Mais de 90 mil mortes por covid-19: O que significa esse número?

Em pouco mais de 4 meses, o Brasil viu a covid-19 se alastrar com uma velocidade assustadora. O número de mortos quase triplicou nos últimos 30 dias. Nesta quarta (29), ele superou 90 mil, registro próximo ao total de pessoas que morrem em 1 ano de infarto, a causa mais comum de óbito no País. 

De acordo com dados mais recentes do DataSUS, de 2018, foram registradas 1.316.719 mortes naquele ano. Desse total, o infarto no miocárdio vitimou 93.272 pessoas. 

A segunda causa mais comum de mortes é pneumonia, com 64.780 registros em 2018, seguida de diabetes (49.572), outras doenças de causas não definidas (43.492) e outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas (43.492). 

A sexta causa mais comum de morte tem relação direta com um dos principais problemas sociais do Brasil: a violência. Os óbitos causados por agressões por meio de disparo de outra arma de fogo ou de arma não especificada somaram 36.595 em 2018. Os números mostram que o novo coronavírus já matou em menos de 5 meses mais do que as vítimas de armas de fogo e de diabetes juntas em 1 ano.

Fora da base de dados da saúde, é possível observar que o vírus causou quase o triplo de mortes do total de homicídios em 2019. Foram 36.134 vítimas de crimes desse tipo registradas no sistema do Ministério da Justiça.

Outras comparações com grandes tragédias recentes da história nacional também podem ajudar a ter dimensão do que estamos vivendo. O total de vítimas da covid-19 é 348 vezes maior do que o número de mortes causadas pelo rompimento da barragem de Brumadinho em 2019. 

“A gente nunca tinha tido uma catástrofe para toda a população brasileira. Tinha Brumadinho, enchentes importantes que causaram transtorno muito grande, mas em locais bem definidos. Essa é a primeira catástrofe em todo território nacional (...) No Brasil, ainda está demorando para cair a ficha da importância que tem”, afirmou ao HuffPost Brasil Airton Stein, especialista em saúde pública e pesquisador da área de epidemiologia da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre).

Na avaliação do sanitarista, a polarização do falso dilema que se travou entre saúde e economia é um dos fatores que levou ao cenário atual. “O planejamento das ações tem de ser de curto, médio e longo prazo. A maior parte das pessoas que está pressionando para que volte ao normal, principalmente as atividades econômicas, está vendo só a curto prazo e não medindo esforços para voltar a um normal que não tem condições [de ocorrer]”, afirma.

A gente nunca tinha tido uma catástrofe para toda população brasileira.Airton Stein, especialista em saúde pública e pesquisador da área de epidemiologia da UFCSPA

A OMS recomenda que as autoridades de saúde só flexibilizem ações de distanciamento social quando a taxa de positividade de exames for de 5%, e se mantiver estável durante duas semanas, pelo menos. Sem vacina e sem remédio específico com comprovação científica, medidas não farmacológicas são as únicas que contêm a propagação do vírus.

No Brasil, a taxa de positividade dos exames moleculares – tipo mais preciso – é de 37,7% nos laboratórios públicos e de 28,5% nos particulares, de acordo com dados mais recentes do Ministério da Saúde.

Para o professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) Fredi Quijano, apesar de serem causas muito distintas de mortalidade, os números mostram a gravidade da crise sanitária atual.

“São tipos diferentes de mortes, no entanto é bem alarmante e preocupante que um único patógeno, um único agente infeccioso cause uma quantidade de mortes de todas as doenças coronárias, que têm múltiplos fatores e longos períodos para induzir os danos no organismo”, afirmou ao HuffPost Brasil. “O fato de essas causas estarem tendo uma contribuição similar na mortalidade indica a gravidade da carga que está representando e vai representar a covid-19 no País.”

É bem alarmante e  preocupante que um único patógeno, um único agente infeccioso cause uma quantidade de mortes de todas as doenças coronárias, que têm múltiplos fatores e longos períodos para induzir os danos no organismo.Fredi Quijano, professor de epidemiologia da USP

Domingos Alves, do grupo Covid-19 Brasil – que reúne cientistas de universidades brasileiras e de centros de pesquisa como a Fiocruz e a Universidade Johns Hopkins (EUA) – destaca que a taxa de mortalidade de mil por dia pela covid-19 é comparável às 4 doenças que mais matam por dia no Brasil: doenças isquêmicas do coração, cerebrovasculares, influenza e pneumonia e neoplasias. 

“Se a gente chegar até o final do ano com essa taxa de mortalidade do coronavírus, nós vamos dobrar o número de mortes em relação ao que foi anotado em 2018 por doenças isquêmicas e do coração”, alerta o professor do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Disseminação acelerada no Brasil

Em 11 de março, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou a pandemia de covid-19, ainda não havia registro de morte causada pelo novo coronavírus no Brasil. Seis dias depois, foi confirmada a primeira vítima fatal no País – um morador de São Paulo, de 62 anos, que tinha diabetes e hipertensão. No fim do mês, o Brasil já somava 201 mortes.

Em março, a epidemia assustava os brasileiros com notícias de quase mil mortos por dia na Itália. Os relatos de médicos que tiveram de escolher quem ocuparia leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) comoviam.

O mesmo poderia ocorrer no Brasil. Foi o que alertou o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao falar de um possível colapso do SUS. “Claramente, no final de abril nosso sistema de saúde entra em colapso. Colapso é quando você tem dinheiro, mas não tem onde entrar [nos hospitais]”, afirmou em reunião com o presidente Jair Bolsonaro e empresários em 20 de março.

O alerta não impediu o colapso. A primeira cidade a registrar um cenário de caos foi Manaus (AM), única com UTI em todo o estado do Amazonas. Em 10 de abril, profissionais de saúde relatavam que o Hospital Delphina Aziz seria o primeiro hospital público de referência do País a colapsar em razão da pandemia. No fim de abril, eram 5.901 mortes causadas pelo novo coronavírus no Brasil.

No final de maio, subiu para 16.409 o registro de óbitos em todo território nacional. No final de junho, o acumulado era de 33.846. Em um mês, o total de vidas perdidas quase triplicou: até 29 de julho, foram 90.134 vítimas fatais da pandemia.

Acumulado de mortes por covid no Brasil mês a mês

Março: 201 mortes

Abril: 5.901 mortes

Maio: 16.409 mortes

Junho: 33.846 mortes

Julho: 90.134 mortes*

*até 29/07

As mortes que não entram na conta 

Apesar de as comparações contribuírem na tentativa de mostrar a dimensão da epidemia no Brasil, a realidade ainda é mais grave, considerando a subnotificação de mortes e a demora na divulgação dos dados oficiais. “Acompanhado da estatística de mortalidade é algo que acaba subestimando o problema em tempo real. A quantidade total de mortes só vai ser quantificada corretamente quando finalizar a pandemia”, afirma Fredi Quijano.

O epidemiologista também aponta para óbitos indiretos causados pelo SARS-CoV-2, devido à limitação de acesso aos serviços de saúde, o que pode ampliar mortes em casa por câncer ou doenças coronárias, por exemplo. “Existem os efeitos indiretos da pandemia que contribuem para a mortalidade e são difíceis de serem quantificados. A situação de emergência sanitária faz com que exista uma restrição de serviços da saúde, um cancelamento de consultas. Isso também tem impacto na saúde das pessoas e pode acabar elevando a mortalidade por algumas causas, como doenças crônicas – câncer que precise de intervenção cirúrgica”, afirma o professor da USP.

Há um atraso entre o dia em que a morte ocorreu e o dia em que essa informação foi confirmada em laboratório que pode ser superior a um mês. De acordo com boletim do Ministério da Saúde, 12 de maio é o dia com mais mortes por data da ocorrência: 1.098 registros. O mês com mais mortes por data de ocorrência é maio (30.199), seguido por junho (24.059) e julho (16.443), com dados até 27 de julho, segundo boletim divulgado na última quarta-feira (29).

Análises de “excedentes de mortes” na comparação com dados de registros civis de anos anteriores assim como explosões nas internações por SRAG (síndrome respiratória aguda grave) sem resultado do agente causador da doença, por sua vez, são sinais de subnotificação dos óbitos.  

Quanto ao número de casos, de acordo com a Epicovid19-BR, estudo coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), existem 7 casos reais na população para cada caso notificado nos principais centros urbanos brasileiros.

Prioridade no enfrentamento de doenças

De acordo com o epidemiologista Fredi Quijano, da USP, há diferentes critérios para estabelecer que uma doença se torne uma prioridade em saúde pública: frequência, gravidade, grupos populacionais afetados, ser evitável e a tendência de propagação.

“No início, a pandemia pode ter sido subestimada porque não atingia todos esses critérios”, afirma. Ele destaca, por exemplo, como, ao longo dos meses, a covid-19 deixou de ser vista como uma enfermidade que afeta de forma grave só idosos.

No Brasil, alguns pesquisadores têm falado de um “rejuvenescimento da pandemia” devido a fatores sociais que determinam a letalidade da doença. Além das comorbidades, a cor da pele e a classe social têm decidido quem vive ou não.

A chance de pretos e pardos sem educação formal morrerem devido ao novo coronavírus é 4 vezes maior do que de brancos com nível superior, de acordo com pesquisa do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, formado por pesquisadores da PUC-Rio (Universidade Católica do Rio de Janeiro), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), da USP e do IDOR.

O futuro da pandemia no Brasil

Apesar de ter sido observado certo arrefecimento nas grandes capitais, como Manaus (AM) e São Paulo, a crise sanitária segue grave em boa parte do País. Quando olhamos os dados acumulados, os gráficos epidemiológicos brasileiros assumiram a forma de platô, em vez de um pico de casos e mortes acumulados. Por outro lado, os casos e óbitos diários, que indicam o ritmo da epidemia, não estabilizaram.

De acordo com o pesquisador Domingos Alves, do grupo Covid-19 Brasil, na análise de casos e óbitos diários, não há platô. “No número de novos casos e de novos óbitos o conceito é atingir o pico e não atingimos o pico. Quando você olha o número de novos casos, a partir de 20 a 22 de julho, o número de novos casos no Brasil começou a aumentar de novo”, afirma o professor do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo). 

Em 22 de julho, foram registrados 67.860 novos casos. O recorde foi superado nesta quarta, com 69.074 registros. “Não tem estabilidade. Quando você olha a média móvel, existem períodos, como entre 6 e 17 de junho ou de 29 de junho até 17 de julho em que o número de novos casos não cresceu tanto. Mas entre 19 de junho e 28 de junho teve um aumento importante e mais recentemente, essa outra alta”, aponta Domingos Alves.

Houve uma inversão de comportamento ao longo do tempo, com a interiorização da epidemia. Segundo boletim mais recente do Ministério da Saúde, 5.475 (98,2%) dos municípios têm casos confirmados de covid-19 e 3.476 (52,4%) cidades registraram mortes causadas pela covid-19. A curva de casos acumulados das capitais está diminuindo, e a dos interiores está aumentando, mas a segunda ainda não ultrapassou a primeira.

Na análise do pesquisador da USP, os casos do interior e de regiões até então menos afetadas pelo vírus, como o Sul e o Centro-Oeste,  “vão começar a ser mais importantes do que os números das capitais”, e, por consequência, devem elevar a média diária de óbitos até a próxima semana. ”Há um crescimento médio por dia ainda observável e mantendo uma média de mil óbitos por dia. Essa tendência de estabilidade da média móvel nas últimas 3 ou 4 semanas vai mudar a partir dessa semana e da próxima. Isso vai voltar a crescer”, alerta.

https://www.huffpostbrasil.com/



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