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Mundo
25/07/2020 15:00:00

O que está por trás da escalada de tensões da China com potências globais


O que está por trás da escalada de tensões da China com potências globais

Em uma plataforma de trem no interior da China, centenas de homens de cabelo raspado, olhos vendados, mãos presas e uniformes azuis sentam em silêncio sob o sol, diante de um número ainda maior de policiais armados.

As imagens feitas por um drone surgiram na internet no ano passado e voltaram a circular neste mês.

Agências de inteligência de governos ocidentais e especialistas em segurança dizem que elas foram feitas na Província de Xinjiang, região onde vivem milhões de chineses muçulmanos da minoria étnica uigur.

Xinjiang é palco de um conflito entre o governo chinês e um movimento separatista dos uigures classificado pelas autoridades chinesas como terrorista.

A China admitiu ter criado centros de "reeducação" na região, onde uigures têm aulas sobre nacionalismo chinês e contra "pensamentos extremistas".

Mas ativistas de direitos humanos dizem que os centros são na verdade prisões, onde mais de 1 milhão de uigures estariam detidos de forma arbitrária, sem julgamento.

Os homens nas imagens de drone seriam parte de mais uma leva de prisioneiros a caminho dos centros. Em entrevista à BBC, o embaixador chinês em Londres, Liu Xiaoming, disse não saber onde tinha sido feito o vídeo, e sugeriu se tratar de uma transferência rotineira de prisioneiros.

A crise dos uigures não é apenas um problema doméstico do governo. Recentemente, episódios como esse passaram a agravar tensões internacionais da China com outras potências globais, sobretudo no Ocidente.

Em junho, um relatório feito por um acadêmico alemão sugeriu que o governo da China estaria esterilizando a população uigur, forçando mulheres a usar um dispositivo intrauterino para evitar gravidez.

Após o relatório, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, divulgou uma nota criticando a China e pedindo "o fim imediato destas práticas horríveis" e o apoio de todas as nações para exigir "o fim desses abusos desumanos".

Nesta semana, Pompeo esteve em Londres para discutir com o governo britânico a crise dos uigures e vários outros pontos que envolvem a China — em meio a uma escalada de tensões entre os chineses e o Ocidente.

Aumento da influência

Nas últimas décadas, a emergência da China como potência mundial ampliou os laços políticos e econômicos do país com o resto do mundo.

Mas desde a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016, que adota uma retórica contrária ao governo de Pequim, houve uma mudança nas relações da China com vários países.

Especialistas dizem que a Casa Branca está subindo o tom de sua campanha contra Pequim — em um momento em que Trump está em campanha pela sua reeleição.

Na quarta-feira, os Estados Unidos ordenaram o fechamento do consulado chinês em Houston, acusando os chineses de roubarem propriedade intelectual. Os chineses criticaram a medida, disseram ter recebido ameaças de morte e nesta sexta-feira (22) ordenaram o fechamento da representação americana em Chengdu, em retaliação.

Desde o começo do ano, China e Estados Unidos já vêm trocando farpas em relação à pandemia do novo coronavírus, que começou com um surto na cidade chinesa de Wuhan.

China disse que se conseguir uma vacina contra a covid-19 vai dividir a descoberta com o resto do mundoDireito de imagemAFP
Image captionChina disse que se conseguir uma vacina contra a covid-19 vai dividir a descoberta com o resto do mundo

Em março, o governo americano já acusava Pequim de esconder seus números sobre o coronavírus, insinuando que o governo chinês ocultava o número real de casos e mortes.

Em maio, Trump partiu para o ataque contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), que, nas palavras dele, é um "fantoche do regime chinês" por nunca exigir informações confiáveis sobre a pandemia junto aos chineses.

Também em maio, Trump disse a um repórter que tinha informações de que o coronavírus havia sido criado dentro do Instituto de Virologia de Wuhan, um boato que circulava naquela época.

Alguns diziam que o vírus seria uma arma biológica. No mesmo dia, agências americanas de inteligência descartaram a versão dada por Trump, dizendo que o coronavírus surgiu na natureza, e que não foi manufaturado em um laboratório.

O FBI acusou dois hackers chineses de tentar roubar dados de laboratórios americanos que pesquisam vacinas, tratamentos e testes para covid-19. A China rebateu as acusações dizendo que são os chineses — e não os americanos — que estão liderando na frente científica contra o vírus. Nesta semana, os dois hackers foram indiciados nos Estados Unidos.

O presidente chinês, Xi Jinping, sempre rebateu as acusações americanas, dizendo que seu governo age com transparência sobre a covid-19.

Ele também prometeu um pacote de 2 bilhões de dólares para ajudar diversos países ao longo dos próximos dois anos e disse que qualquer vacina que venha a ser criada pela China será compartilhada com o resto do mundo.

A escalada de tensões entre Washington e Pequim coincide com um movimento da China de tentar projetar sua liderança global, e que enfrenta forte resistência por parte do Ocidente, sobretudo dos Estados Unidos e de seus aliados mais próximos.

Essas disputas entre Estados Unidos e China têm repercussões em outros países. Países aliados como o Reino Unido anunciaram sanções e boicotes à China.

No Brasil, políticos e ministros admiradores de Donald Trump, como o deputado Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicaram mensagens críticas sobre a China em relação ao coronavírus, causando desconforto diplomático. Em março, o presidente Jair Bolsonaro chegou a telefonar para o líder chinês, Xi Jinping, para amenizar as tensões.

1. Hong Kong

Um dos pontos mais tensos na relação da China com o governo britânico é a situação de Hong Kong. A região foi colônia britânica até 1997, quando o Reino Unido aceitou devolvê-la pacificamente aos chineses.

Nos termos da devolução, os países concordaram em seguir o que se chamou de "um país, dois sistemas": com Hong Kong fazendo parte da China, mas mantendo seu sistema capitalista, sem adotar o comunismo chinês.

A região também manteve seu sistema legal, o que incluía liberdades de expressão e de imprensa que não existem na China continental. Em Hong Kong, por exemplo, é possível se manifestar no aniversário dos protestos da Praça da Paz Celestial de 1989, algo que é proibido no resto da China.

O acordo entre britânicos e chineses foi assinado em 1984 e essas particularidades de Hong Kong deveriam durar até 2047.

Mas agora o Reino Unido diz que o tratado de devolução está ameaçado, depois que o governo chinês colocou em vigor uma nova lei de segurança no fim de junho, como forma de reprimir os protestos pró-democracia nas ruas que já duram meses.

A nova lei classifica diversos tipos de protestos como "terrorismo", permitindo que manifestantes pró-democracia recebam penas vitalícias de cadeia. Segundo críticos, ela dá a Pequim amplos poderes para limitar a liberdade de expressão em Hong Kong.

Nesta segunda-feira (20/7), o Reino Unido anunciou medidas duras contra a China. O país suspendeu "imediatamente e por tempo indefinido" o tratado de extradição mútua que tinha há mais de 30 anos com Hong Kong. O governo alega temer que britânicos suspeitos de crime enviados a Hong Kong pelo tratado acabem em prisões na China continental, após a entrada em vigor da nova lei de segurança.

O governo do primeiro-ministro Boris Johnson estendeu a Hong Kong um embargo de armas que mantém contra a China desde 1989. Hong Kong não poderá mais comprar equipamentos de segurança britânicos, como armas e bombas de fumaça.

Boris Johnson também está oferecendo direito à residência ou cidadania britânica para cerca de 3 milhões de pessoas de Hong Kong.

Governo britânico prometeu cidadania e visto para milhões de moradores de Hong KongDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionGoverno britânico prometeu cidadania e visto para milhões de moradores de Hong Kong

Essas medidas estão provocando uma crise diplomática entre o Reino Unido e a China.

No final de junho, o Reino Unido e outros 26 países — entre eles Alemanha e França — fizeram um pedido no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, para que a China reconsiderasse a nova lei de segurança de Hong Kong.

O Ministério das Relações Exteriores disse que a iniciativa dos países ocidentais na ONU foi um "fiasco", com "53 países manifestando seus apoios em um comunicado conjunto sobre as políticas da China em Hong Kong".

Ao anunciar o fim do tratado de extradição, o ministro britânico das Relações Exteriores, Dominic Raab, disse que busca "uma relação positiva" com a China. Mas o governo chinês acusou o britânico de "interferência brutal" nos assuntos domésticos do país e prometeu uma "resposta firme" às medidas.

O governo do presidente americano, Donald Trump, também pôs fim ao status de comércio preferencial de Hong Kong neste mês. Com isso, os produtos de Hong Kong serão sujeitos às mesmas tarifas comerciais que os Estados Unidos impõem aos bens chineses.

Trump disse que a decisão é uma retaliação à nova lei de segurança chinesa em Hong Kong. A China prometeu retaliar e fez um apelo para os Estados Unidos "pararem de interferir nos assuntos domésticos da China".

Para Kelsey Broderick, a tensão atual entre Reino Unido e China pode ser um ponto de inflexão nas relações entre os dois países. Nas últimas duas décadas houve uma aproximação grande entre britânicos e chineses.

Em 1999, a China era apenas o 26º maior destino das exportações britânicas — hoje ocupa a sexta posição.

Estudantes chineses já representam uma parcela importante do faturamento das faculdades britânicasDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEstudantes chineses já representam uma parcela importante do faturamento das faculdades britânicas

O número de estudantes chineses em faculdades britânicas triplicou desde 2006 e hoje eles são responsáveis por 1,7 bilhão de libras em receitas (mais de R$ 11 bilhões).

Mas essa aproximação sempre provocou críticas dentro do Reino Unido, sobretudo entre políticos conservadores, preocupados que o país poderia estar com sua soberania e segurança expostos demais à China.

"Essas vozes sempre existiram antes, mas até agora o Reino Unido tinha perseguido um caminho mais econômico e pragmático. E agora o Reino Unido está tendo que reagir a essas tensões todas, e muito disso está ligado aos Estados Unidos, que estão colocando essa pressão enorme na China em questões de tecnologia e de política externa", diz ela.

2. Huawei

Umas das empresas mais bem-sucedidas da China é a Huawei, que fabrica equipamentos de telecomunicações.

A Huawei tem desempenhado um papel fundamental na implementação da internet de quinta geração — chamada de 5G.

Governo britânico se uniu a boicotes contra a empresa Huawei
Image captionGoverno britânico se uniu a boicotes contra a empresa Huawei

Alguns analistas acreditam que o mundo passará por uma espécie de nova "revolução tecnológica" com a chegada do 5G.

Cidades serão "inteligentes", com computadores em rede operando carros autônomos, sistemas de vigilância e até os eletrodomésticos dentro das nossas casas.

Mas em 2019 as agências de inteligência de quatro países — Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Canadá — levantaram uma questão que virou o centro dos debates sobre 5G no Ocidente: a relação entre a Huawei e o governo chinês.

Bbc News Brasil



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