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Atualidade
22/06/2020 10:00:00

Frente democrática no Brasil não pode deixar de lado o problema do racismo, diz pesquisador


Frente democrática no Brasil não pode deixar de lado o problema do racismo, diz pesquisador

Valter Roberto Silvério, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, diz que concluiu cedo em sua carreira que a perspectiva racial na academia era colocada em segundo plano. "O movimento negro nos permitiu ter uma visão desde cedo de que havia uma história subterrânea que não estava nos currículos", diz ele, décadas depois

Silvério estuda como movimentos negros em diversos países se articularam e se uniram desde o final do século 19 e faz parte de um grupo de pesquisadores que se dedica a contar a história da tradição intelectual negra internacional. "Não é um autor nem um texto nem um tema. É uma história inteira e ela não foi considerada", diz ele. "O principal problema não é que as pessoas brancas não sejam sensíveis ao problema racial, (é que) elas não têm formação para entender isso de forma adequada. Por isso, uma reformulação curricular é urgente".

Tendo estudado a história dos movimentos negros pelo mundo, Silvério acha que os protestos contra o racismo que irromperam em várias cidades nas últimas semanas são sem precedentes e podem inaugurar uma nova era. "Parece que uma parte da juventude branca entendeu que a sociedade gera privilégios para ela. E quando ela sai às ruas com os jovens negros se vê outra configuração de luta", avalia.

No Brasil, os protestos contra o racismo se deram em meio a manifestações contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Ao mesmo tempo, surgem propostas formação de uma frente ampla de pessoas de diferentes visões ideológicas, uma nova versão do movimento Diretas Já, de 1984, contra a ditadura militar.

Silvério dá boas-vindas a isso, mas faz ressalvas: "as bases disso não podem ser com os pressupostos de 1984 — homens brancos que estão sempre na mídia, que são sempre os mesmos, chamando para a criação da frente. É desconhecer que há movimentos novos importantes, com lideranças novas, e que a questão, por exemplo, da bandeira do antirracismo, que eu prefiro chamar de antirracialização, é uma bandeira importante e é um elemento de mediação na construção de qualquer frente democrática", diz ele.

Desde a redemocratização, opina, a questão racial não teve o avanço necessário, inclusive nos governos mais alinhados à esquerda e ao movimento negro.

Veja os principais trechos da entrevista para a BBC News Brasil.

BBC News Brasil - O senhor estuda intelectuais negros e transnacionalismo. Podem explicar o que é sua pesquisa?

Valter Silvério - Tive três estágios importantes no exterior e passei um período nos arquivos da Unesco em Paris levantando documentação para a minha tese, que não é só minha. Sou vice-presidente do comitê científico para os volumes 9, 10 e 11 da coleção História Geral da África (projeto editorial da Unesco). Nos últimos 15 anos tenho pesquisado esse tema. Nas minhas viagens para países africanos, Europa, Estados Unidos, China, consegui coletar um material razoável que estou somando a pesquisas que fiz em outros momentos. Estou tentando articular esse volume desde 2018 e estou escrevendo um livro sobre isso. Espero concluir e lançá-lo neste ano.

É uma tentativa de reconstruir e construir novas referências de como a história da sociologia e política lidaram com a questão racial. Há autores e autoras e marcos importantes — formação da Liga das Nações, os congressos panafricanos, a formação da ONU, a definição da Unesco de criar histórias setoriais ou continentais, a participação do Abdias do Nascimento (intelectual e referência do movimento negro brasileiro) no primeiro festival de cultura negra.

São marcos construídos por agência política criativa de intelectuais negros e negras e eles escreveram muito sobre esses marcos, registraram de forma acadêmica esses eventos, então tem muita literatura, ainda muito desconhecida no Brasil mas já conhecida nos EUA e Inglaterra.

Eles ganharam novos leitores a partir de estudos pós-coloniais. Há um resgate desses escritos que me parece que vai formar uma base importante para uma crítica aos clássicos da sociologia, história, ciência política. Achei que isso demoraria algumas décadas, mas me parece que os jovens estão mais insatisfeitos do que eu em termos do que recebem como conteúdo em suas formações.

Claro que há uma juventude que não está interessada nesses conteúdos, mas acho que (para) um acadêmico da área de ciências humanas é assustador desconhecer essa tradição de pensamento que tem muita coisa escrita. Não é um autor nem um texto nem um tema. É uma história inteira e ela não foi considerada.

BBC News Brasil - Como o senhor viu os atos antirracismo que aconteceram no Brasil nos últimos fins de semana?

Silvério - Vejo de forma emocional. Fico emocionado de ver que a juventude entende que o mundo não pode continuar dessa maneira. Quando saem à rua em meio à pandemia estão dizendo que é melhor morrer do que continuar nessa situação.

Parece que uma parte da juventude branca entendeu que a sociedade gera privilégios para ela. E quando ela sai às ruas com os jovens negros se vê outra configuração de luta. Essa configuração de luta se dá na chave de valores. No Brasil, temos o mito da democracia racial, e preto se confunde com pobre. Sempre há um acadêmico que faz uma análise e econômica e não racial. Não se quer enfrentar quais são as bases da pobreza no Brasil, que são a questão racial e o racismo. Não é que esses jovens não vejam que existe um problema econômico, mas estão exigindo mudanças de valores. Essa chave contra a racialização, contra políticas públicas racializadas, contra uma percepção midiática racializada abre um horizonte novo de perspectivas no que pode vir a ser o mundo pós-pandemia.

Hoje todos são antirracistas — a imprensa, políticos, a universidade —, mas as práticas cotidianas dessas profissões são atravessadas pela racialização. No Brasil, não vi as redes chamando por exemplo a professora Petronilha Gonçalves (professora emérita da Universidade Federal de São Carlos que estuda relações étnico-raciais) para discutir o que está acontecendo. Chamam pessoas que estão falando sobre um momento. A mídia faz isso porque desconhece essa história, essas pessoas. O buraco é mais embaixo, e está muito bem cavado. Há uma mudança importante na forma de agência política, ela deixa de ser nacional e se transforma em transnacional, mas as questões nacionais vão aparecer, especialmente em relação ao protagonismo. Mas me parece que é uma nova configuração mundial em termos de luta.

O que acho que vai ocorrer imediatamente é que os partidários da classe social vão criar discurso de que é um problema do capitalismo e não de valores sociais. Me parece que jovens estão colocando, diferentemente de outros momentos, que querem valores que reconheçam que o fato de você ser diferente do ponto de vista de cor, raça e sexualidade não significa que não deve receber tratamento igual. A agenda que vem a seguir vai tentar atravessar essa mobilização com o movimento da desigualdade econômica. Mas me parece que a juventude está compreendendo que o que está na base dos problemas são questões de valores e não econômicas.

Menina negra com cartazDireito de imagemFOTOS PÚBLICAS/RICARDO STUCKERT
Image captionA bandeira do antirracismo esteve fortemente presente nos atos pela democracia; aqui, uma jovem no ato em Brasília

BBC News Brasil - Os protestos que estamos vendo em diversos países têm um paralelo histórico? Nos EUA temos visto algumas comparações com o movimento por direitos civis nos anos 1960.

Silvério - Acho que não. (Nos EUA, nos anos 1960) os jovens universitários negros tinham que tentar convencer os colegas de classe brancos de que a questão racial era importante. Essa consciência que vemos hoje do jovem branco que sai para a rua numa pauta antirracialização não existia.

Outra diferença era o escopo. Havia polos: Paris, Nova York, Boston. Agora, você vê movimentos em todas as capitais do mundo. Isso é novo e ganha dimensão transnacional de fato. Ou seja, são pessoas que pensam para além da nação. O problema não é interno, ele atravessa a experiência do jovem, em especial o negro, mas não só ele. E a maneira como algumas manifestações estão se comportando também me parece nova.

A estátua do traficante de escravos Edward Colston (1636-1721) foi parar dentro do rio. Os símbolos de um sistema que se estruturou a partir da opressão estão em questionamento. Não admitem formas de opressão que venham a ser negociadas a posteriori. Gerações anteriores sabiam da importância disso, mas flexibilizaram. Não sei até que ponto essa flexibilização será forçada. Até algum ponto será.

BBC News Brasil - O senhor vê mudanças concretas no horizonte?

Silvério - Vejo sim. Do ponto de vista macro, existem iniciativas muito interessantes. Não são movimentos de rompimento, mas que minam as bases racializadas que temos, inclusive bases de conhecimento, e não só a repressiva. Há uma preocupação de mudar bases repressivas, isso é importante, mas não é tudo.

No Brasil, tenho certeza de que vai acontecer avanço. Eu acompanho algumas redes. Na dos mais jovens, universitários, negros, frutos de ações afirmativas, vejo muita movimentação. São vários e se movimentam de diferentes maneiras. São os primeiros doutores de suas famílias, mas não perderam ligação com suas origens. Para mim, por exemplo, foi diferente. Eu nasci na periferia de São Paulo e a mobilidade individual, especialmente educacional, me levou a perder vínculos com pessoas da minha geração.

Mas as formas repressivas no Brasil são mais violentas. O Brasil não é para principiantes, ele é muito complexo e os ânimos estão quase no limite. Não vejo, diferentemente de muita gente, uma possibilidade golpe, mas não vejo qualquer transição simples no âmbito de perspectiva mais progressista, a não ser que surjam novas lideranças que consigam equacionar a pluralidade de demandas. O Brasil pode vir a ser o país onde essa crise se aprofunde mais em relação às várias agendas de emancipação — feminista, econômica, de raça, pobreza, desigualdade de renda, plano sanitário. Capturar agenda e fazer ela se tornar algo que ela não é, isso é a especialidade do Brasil.

BBC News Brasil - O que acha da ideia de uma frente ampla democrática e como a questão racial deve entrar nisso?

Silvério - Em sã consciência, ninguém é contra isso, não pode ser contrário a uma frente contra o que está acontecendo hoje no Brasil. Mas as bases disso não podem ser com os pressupostos de 1984 (movimento Diretas Já): homens brancos que estão sempre na mídia, que são sempre os mesmos, chamando para a criação da frente. É desconhecer que há movimentos novos importantes, com lideranças novas, e que a questão, por exemplo, da bandeira do antirracismo, que eu prefiro chamar de antirracialização, é uma bandeira importante e é um elemento de mediação na construção de qualquer frente democrática. Diria que o mesmo vale para questões de gênero e LGBT.

Uma frente não se faz em abstrato, mas a partir de questões concretas. Uma questão que existe no Brasil e que nunca foi compreendida pela esquerda, pelo menos não de forma adequada, é a questão racial. Ela foi acionada nos momentos de democratização do país, mas sempre foi secundarizada no momento em que passam as eleições. A juventude tem uma informação das gerações passadas das armadilhas colocadas nesses discursos.

BBC News Brasil - O senhor diz que a questão racial nunca foi compreendida pela esquerda, pelo menos não de forma adequada. Por quê?

Silvério - O que vimos a partir de 1988 no Brasil foi que, embora essas agendas (identitárias) fossem importantes, no dia seguinte ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, negros, gays, feministas foram acusados de que o problema era deles, dessa agenda culturalista. Isso foi dito por alguns desses senhores e acadêmicos que propõem a tal frente democrática. Temos que ver isso porque quando forem eleitos, esquecem quem os elegeu. Esse processo está colocando um conjunto de novas possibilidades, mas temos que tomar cuidado com como ele se constrói, do ponto de vista prático, e não a partir do discurso de 'depois vocês vão ter acesso aos direitos', como ocorreu em 1988.

Temos que aguardar qual será a capacidade desses grupos se organizarem no nível prático político. Para pessoas como eu, que acompanham esses grupos, orientam alunos oriundos desses grupos, isso não é novo e amadureceu dessa forma, e está surpreendendo muitas pessoas, muitos analistas que estavam confortavelmente pensando que construir uma frente contra o atual presidente seria uma questão macro — 'olha, vamos construir uma frente, separamos os temas mais complicados e depois a gente vê'.

Os novos atores parecem querer discutir melhor o agora, e não o futuro. Isso deve trazer dificuldade para a construção dessa frente.

Derrubada de estátua de britânico por ativistas antirracistasDireito de imagemREUTERS
Image captionDerrubada de estátua de britânico por ativistas antirracistas gerou onda de questionamento de homenagens a personagens históricos envolvidos em massacres

BBC News Brasil - O senhor vê mudanças nesse sentido na geração atual de lideranças?

Silvério - Acho muito difícil mudar agora. Os quadros políticos que temos não têm formação para compreender isso. (Tem uma lógica de) incorporar parte das demandas e estabelecer controle para que elas operem num tempo mais longo do que poderia se operar.

Por exemplo, o Brasil hoje talvez tenha legislação mais avançada para incorporar conteúdos de história afro-brasileira e africana. O campo normativo está pronto. Por que não foi implementado? Porque não coloca dinheiro para fazer formação de professores, gestores — e isso foi feito enquanto a esquerda estava no poder. Não dá pra dizer que não foram incorporadas, mas ela não resultou em linhas orçamentárias para que fossem implementadas. A esquerda entende a importância, mas tem um pressuposto de que é um problema de classe e não de valores. O que está acontecendo agora é que talvez fique claro que os valores estão articulados à dimensão econômica, algo que intelectuais negros vêm dizendo há 150 anos.

BBC News Brasil - Como essa incompreensão, como o senhor diz, da esquerda em relação à questão racial aconteceu em outros países?

Silvério - Todos os partidos comunistas importantes se posicionaram na melhor das hipóteses de maneira ambígua com relação à emancipação colonial. O partido francês rachou. Os trabalhistas na Inglaterra estruturaram um regime que era totalmente a favor da manutenção das colônias na região do Caribe. A formação da esquerda é uma formação não-crítica à dominação colonial em que está implícita o operador raça e a ideia que existe hierarquia entre humanos.

Hoje, segue não fazendo a crítica. Todos os intelectuais negros racharam com os partidos comunistas em função da incompreensão de que tinham da questão racial. Depois de 1968 ampliaram seu acesso à formação formal e passaram a construir um conhecimento que reconta a história da África e dos afro-americanos, afro-brasileiros. O principal problema não é que as pessoas brancas não sejam sensíveis ao problema racial, elas não têm formação para entender isso de forma adequada. Por isso, uma reformulação curricular é urgente. Os americanos avançaram mais do que os brasileiros. É racismo acadêmico.

O Brasil é um país onde não há constrangimentos morais por parte dos acadêmicos e da intelectualidade. Esse processo está em curso no Brasil, ele é complexo porque temos o mito da democracia racial. Dois exemplos ilustrativos: a presença em um única dia de dez pessoas negras na Globonews em momentos diferentes num dia só. Que avanço. Mas aconteceu num dia por conta de uma viralização em que um jovem branco comentou que o tema era racismo e só tinha comentaristas brancos. Agora fazem transição achando que colocando comentaristas negros está tudo resolvido. Você pode colocar cara preta e não mudar a agenda do debate na mídia. O Brasil é isso. Não há constrangimento moral.

BBC News Brasil - O senhor diz que se formou no movimento negro. Como foi sua trajetória?

Silvério - Vi e participei de vários eventos que começaram como denúncia da violência policial no Brasil, por exemplo, e havia toda uma orientação sobre como se comportar diante da polícia. Mais tarde entendi que não era um problema só do Brasil, mas de todas as capitais imperiais e nos EUA. Em todos os lugares em que houve trabalho escravo isso é uma realidade. O movimento negro nos permitiu ter uma visão desde cedo de que havia uma história subterrânea que não estava nos currículos.

Gosto muito de pensar numa passagem da (socióloga) Patricia Hill Collins sobre (os movimentos estudantis de) 1968 em que ela deixa evidente que a agenda que os brancos defendiam era diferente da que os negros defendiam. Em Paris, enquanto os jovens brancos reivindicavam rupturas em questões de comportamento, negros reivindicavam que a França saísse de seus espaços territoriais. Ao mesmo tempo em que havia uma reivindicação de mudança e de valores — orientação sexual, autonomia das mulheres —, havia uma bandeira paralela extremamente importante que estava relacionada a quase 70% da humanidade, que era a descolonização e o fim do imperialismo e que colocava populações da África e Ásia em situação subalterna.

O que vemos hoje são reivindicações que vêm desde o início do século 20. Ganharam nova relevância nos anos 1960 com a luta pelos direitos civis, junto com reivindicações feministas. Qual agenda andou? A de direitos civis, especialmente para as mulheres brancas, e não para as negras, e as de ações afirmativas, que passa a ser a realidade das principais universidades norte-americanas. Esse momento de mudança passa a formar um número maior de jovens negros que são os intelectuais que vão questionar essa trajetória histórica colonizada eurocêntrica que faz parte da nossa formação até os dias de hoje. O que está em crise não é só uma reivindicação de mudança da polícia diante dessa morte (Floyd). Ela é o ápice do que populações inteiras suportaram.

Tenho formação técnica — fiz anos de engenharia química. Com os contatos com o movimento negro, me tornei uma pessoa organizada, tive formação trotskista relativamente disciplinada e depois rompi porque entendia que a agenda da esquerda não considerava a contento minhas questões particulares em relação às questões gerais.

BBC News Brasil - Como o movimento negro hoje é diferente daquele em que o senhor participou em sua juventude?

Silvério - É uma geração muito mais preparada. Éramos dois ou três. Agora são centenas. (...) Me parece que essa geração que está indo às ruas agora está muito mais preparada do que a minha — de formação intelectual e preparação psicológica e quantitativamente. Falo de jovens que estão na universidade, na comunidade. E há iniciativas como a Uniperiferia, Observatório de Favelas, que são locais em que se articulam práticas sociais combativas com conhecimento teórico histórico sobre a população negra.

Abdias do NascimentoDireito de imagemAGÊNCIA SENADO
Image captionGrupo de teatro criado por Abdias do Nascimento alfabetizava ex-escravos

BBC News Brasil - No passado, como o movimento negro no Brasil se relacionou com movimentos negros em outros países?

Silvério - Era mais complexo, dependia dos correios e de pessoas que dominassem outro idioma. Alguns jornais americanos que registravam conflitos raciais foram lidos por membros de associações de jornais negros no Brasil, mas a circulação era muito restrita. Além disso, pessoas que tinham formação acadêmica eram praticamente obrigadas a se compor se quisessem sobreviver. Não havia espaço de crítica.

Havia também uma percepção de segmentos da população negra de que África era um mal, no Brasil e nos EUA. Há todo um debate na década de 1920 nos EUA através do movimento New Negro e no Brasil, por meio do movimento antropofágico. O New Negro era um movimento que ressaltava a existência de uma cultura negra diferente da branca. O movimento antropofágico dizia que isto aqui é uma grande mistura.

Na década de 1930, quando você pega a Frente Negra Brasileira, ela não era simpática às reminiscências africanas. A antropologia brasileiras se forma sobre esse caldo de cultura, de que a cultura africana é 'inferior' e foi sincretizada. Então havia todo um esforço de desvalorização da cultura africana que foi incorporado por parte da população negra. Isso vai até a década de 1950. No momento em que tem o projeto de JK de reconstrução desenvolvimentista do Brasil é que começa uma mudança.

Uma pessoa como Abdias, que publicou o jornal Quilombo, foi para o Rio de Janeiro, participou da criação do Teatro Experimental do Negro, foi candidato a deputado pelo PTB, publica esse jornal e até o final dos anos 1950, acredita na democracia racial, mas rompe com essa perspectiva no final dos anos 1950. Logo depois, vai para um festival de artistas e escritores negros, fez a denúncia do genocídio da população negra, se exila por um tempo, e quando volta ao Brasil, em 1983, volta com um livro já escrito, O Brasil na Mira do Pan-Africanismo, que fala sobre o genocídio, e em 1983 lança um movimento chamado quilombismo.

Então, na década de 1960 tem uma mudança da percepção de ativistas e intelectuais negros em relação à importância da África para pensar o conhecimento. Intelectuais brancos insistiam que o atraso no Brasil estava ligado à presença de africanos e parte dos negros incorporaram essa tese e só mudam a chave a partir da década de 1960 no bojo desses movimentos de direitos civis (EUA), emancipação do continente africano etc. O Abdias inscreve o Brasil nessa nova lógica de luta social cujos desdobramentos a gente está vendo agora.

Bbc News Brasil



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